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Oásis no deserto da impotência

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      Sentir-se culpado/a e responsável pelo que aconteceu ou pelo que não aconteceu é frequente quando não se aceita a própria realidade, e exatamente por isso conceituamos a culpa como o que esconde, o que tampa a impotência. Esse conceito é diferente da ideia psicanalítica que considera a culpa um dos mecanismos de defesa do Ego, uma explicação que caracteriza a expressão do Superego como exigente de renúncia a satisfações pulsionais, pois para Freud a culpa é sempre um sentimento que surge do conflito entre os desejos e a parte do Eu que os reprime. Lacan, por sua vez, acha que a culpa é uma construção social, não um sentimento pessoal.   A culpa é sempre um recurso para salvar postulados éticos ou alianças estabelecidas e negadas. A mãe que deseja a morte do filho, por exemplo, pois não aguenta mais continuar sem dormir é um caso extremo, e por isso não muito frequente, de vivências de culpa. Sentir-se culpado é esconder, tampar impotência e incapacida...

Onipotência resultante de impotência

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    Achar que pode solucionar qualquer situação de dificuldade, ter certeza que sempre resolverá problemas são exemplos estruturadores de onipotência. O onipotente é aquele que cai em uma cilada: está no fundo do poço, totalmente impotente, mas se agarra em objetivos, desejos e metas e a partir dos mesmos estabelece seus programas vencedores. A onipotência é construída pelas constantes vivências de impotência, ela é um deslocamento da impotência não aceita. Continuando incapaz, se sentindo fraco e sem condições o indivíduo estabelece programas, objetivos, e para eles caminha. Essa luta contínua obceca, ofusca. Ele só percebe os caminhos, os pontos a superar, o que tem que ser adquirido. Quanto mais amealha, mais se sente capaz. É o colecionador de suportes, de títulos, de ajuda, de orientações e aplausos. Pensa que basta unir os pontos do que deseja alcançar, e tudo será seu. Sua atitude onipotente é, assim, um contínuo superar de incapacidades, dificuldades e impotência. ...

Viver

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    Outro dia me perguntaram se viver é estar em relação, e respondi que tudo é relação. Relação não é atributo. Relação é dinâmica, é como o processo quântico. Não existe espaço, não existe vazio, não existe nada que não seja relacional.   O ser é a possibilidade de relacionamento. O indivíduo não é um conjunto de instintos, vontades, inteligência e aptidões que está no mundo para explicitá-las, descobri-las ou escondê-las. Nascendo apenas como possibilidade de relacionamento, ele é situado e demarcado por uma estrutura biológica, familiar, social, e é esse contexto que vai estabelecer os processos relacionais. Pensar é prolongar a percepção, perceber é estar em relação, é vivenciar. E viver, portanto, é se relacionar consigo mesmo, com o outro, com o mundo.   As possibilidades relacionais são infinitas, mas são também contingenciadas por situações restritivas ou ampliadoras que situam o processo relacional. Analogamente, a possibilidade de se locomover vai ...

Temporalidade – Condição humana inegável

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      Mesmo olhando para trás e lembrando de ocorrências estamos no presente realizando essa mágica, essa busca, essa fuga que é viver do passado e de lembranças. Também quando nos preocupamos, nos ocupamos previamente do que pode acontecer, igualmente estamos no presente. Essa antecipação - conjunturas revestidas de medo, ansiedade ou preocupação - é uma maneira de tentar descobrir ou evitar o que vai acontecer, mas, é uma vivência que está sempre ocorrendo no presente. Vivemos no aqui e agora, olhamos para trás, ou para a frente, ou para o que está diante de nós.   A temporalidade nos caracteriza e é ela que nos permite transcender a espacialidade de nossa contingência vivencial. Às vezes se pensa que é um clichê, uma regra inventada, dizer que o ser humano é contingenciado pelos seus aspectos tempo-espaciais.   Tempo e espaço nos situam, mas não nos constituem. Nossa constituição é a possibilidade de relacionamento e isso se dá sempre em um tempo e em um ...

Dilemas existenciais - Sobreviver ou existir?

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  Quando nascemos, sobreviver ou existir é uma questão que não se coloca. Nascemos e alguém nos permite sobreviver, geralmente nossos pais, família, ou, em algumas exceções, o Estado, a Sociedade.   Nascer durante uma guerra é quase ter assegurada a morte, é difícil sobreviver. Em condições de normalidade ambiental e social, o ser humano sobrevive, e nesse sentido é orientado por seus familiares, pela sociedade em que vive. Assim, sobreviver seria um processo natural, mas que no entanto é impedido em condições extremas de falta de alimentos, de doenças endêmicas ou pandêmicas, de lutas e conflitos sociais etc.   São sutis as diferenças entre existir e sobreviver, pois tudo é orientado para satisfação e concretização de nossas demandas orgânicas. Entretanto, quando não há luta para sobreviver, surge espaço e demandas para transcendências e transformações. É o ir além da satisfação das necessidades que permite indagação. Ao fazer perguntas, o ser humano começa a fil...

Fingimento

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    Fingir é um deslocamento da não aceitação da realidade. Fingimentos surgem no cotidiano diante de realidades que denunciam, incomodam e revelam dificuldades e medos. Como enfrenta-las? Negando-as, fazendo de conta que as mesmas não existem. Como fazer isso? O primeiro passo é fazer com que ninguém saiba, ninguém perceba a dificuldade. Isso acontecendo, tudo fica mais fácil. Se nega saber, se nega conhecer essa comprovada existência.   O flagrante, a prova é o maior inimigo do fingidor. Evitar flagrantes e disputas cria inúmeras realidades, estabelece descontinuidade, gera enigmas, arma quebra-cabeças e, assim, se consegue fingir em paz. Esconder o amante no armário era um bom método, agora não mais. Câmeras e portarias eletrônicas atrapalham. A melhor maneira de escondê-lo é transformá-lo em um empregado que veio consertar o ar condicionado, ou no amigo gay convidado para falar sobre o roteiro da próxima festa que vai acontecer, por exemplo. ...

“Tudo foi em vão, nada significa”

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      Decepção é o que se sente quando os sonhos falham ou quando as frustrações se evidenciam pela não recuperação de acertos, pela não realização de desejos etc. Viver apostando é sempre amealhador de decepções, pois é o ir além do existente em função de necessidades ou desejos engendrados pela não aceitação de limites. Fazer qualquer coisa para conseguir manter o que se tem, ou para conseguir o que se deseja é sempre alienador, transforma dinâmica em posicionamento e cria situações onde imolar, sacrificar são constantes em função de manter segurança, propósitos, ou determinações alimentadas por desejos autorreferenciados.   Querer a qualquer preço conseguir cria medo de falhar. Para evitar isso se inventa soluções consequentemente negadoras de realidade. De tanto inventar, de tanta busca desesperada o indivíduo se ensurdece com o silêncio do estar acima de tudo e de todos. É o isolamento conseguido pelos andaimes dos empreendimentos. Tudo segurado, garanti...

Esconder e omitir

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    Omissão e silêncio é o lema seguido quando se precisa esconder o que é considerado malfeito, ou ainda, quando algum propósito falha. Não explicar aos próximos o que foi feito e como foi feito é uma maneira de esconder motivações e também de manipular comportamentos. Quando se esconde se acredita começar de zero. A vida transcorrerá sem incômodos pois as provas foram escondidas. É um novo ser que surge e que tem tudo para ser aceito e considerado. Esse passar a limpo atitudes é lesivo para o próprio indivíduo que o faz, já que negar vivência e conflito é usurpador dos outros com quem se convive. Impede que eles tenham acessos. A continuidade desse comportamento de omissão, de mentira joga o indivíduo em redes artificiais, deixando-o sozinho com tudo que ele deve e tem que esconder. Cada vez mais comprometido, mais angustiado, e com mais necessidades de criar novos fatos, mais desespero e consequentes ações exasperadas como as que arriscam a própria vida,...

Obrigações sociais

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  Geralmente, o que significa vivência cidadã é transformada - pelas estruturas psicológicas de problemas não resolvidos ou de não aceitações - em compromissos, em obrigações que não podem, não devem ser transgredidas. Achar que a sociedade exige o padrão de comportamento para a esfera sexual, por exemplo, e ainda arbitrar que a transgressão do mesmo causa problemas para os outros, é próprio dos indivíduos despersonalizados que se seguram nas aparências como tábua de salvação.   Os valores morais variam com o tempo, com as sociedades, com as culturas, principalmente no que se refere ao comportamento sexual. Século passado, primeira metade do século XX, era comum, no interior do Brasil, por exemplo, garotas que engravidassem serem expulsas de casa, pois seus pais não podiam conviver com o opróbrio e decepção de ter uma filha desvirginada. As “filhas faltosas”, as que erravam, eram jogadas à rua, tinham que viver na prostituição, considerado um caminho po...

É preciso ler, é preciso sair das telinhas

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    Trocar o celular pelo livro. Essa obviedade se torna um imperativo. É a maneira de mudar o quadro atual de servidão às telas, de transformar essa predominância de horas diárias submetidas à lives e programas sinalizadores do que se deve ou não se deve fazer, do que é bom, útil ou inútil. Assolados por avalanches de informações e estímulos digitais, que sequestram a atenção e automatizam comportamentos, também vivemos um momento caótico de ruptura de referenciais e de validade do comunicado. Nesse caos, nessa luta é importante ler livros, pois é a maneira de sair da esfera de sugestões dirigidas, de adquirir conhecimento, de perceber o contraditório, tanto quanto de explorar o existente antes dele ser filtrado pelos critérios de venda, de proselitismos  que incrementam a cooptação para aumentar fileiras de compradores, ou de seguidores, apoiadores e crentes de supostos salvadores: os Messias encadernados, congelados para usos convenientes. Livro pode ser abertur...