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Arrependimento

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  Ter seguido a corrente, ter mantido a linha ou não ter seguido a corrente, não ter mantido a linha, enfim, ter se conduzido de acordo com a própria motivação ou de acordo com a dos outros sempre pode causar arrependimentos.   Tudo que é avaliado possibilita arrependimento. Quando se mede, se compara, se desvitaliza e assim o qualitativo passa a ser quantificado. Essa transformação despersonaliza, pois só é realizada através da negação das próprias vivências. Quando existe vivência de qualquer situação não existe medida nem comparação. A vivência é o presente absoluto, não tem contingência demarcatória. É o viver, o querer, o fazer, é reagir ao que está diante de si enquanto o que está diante de si. Não se compara, nem cogita, não há prolongamentos para antes, nem para depois, não tem margem para arrependimento quando se está inteiro na vivência. Quando há escolha, cogitação e comparação surge a possibilidade de arrependimentos, tais como o de não te...

Olhar de Medusa

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Medusa - anônimo, séc.XVI, Galleria degli Uffizi (domínio público)     O ódio, a raiva, a revolta de não ser tudo o que gostaria de ser, de não ter o que os outros têm estabelece vivências de inveja. Essa atitude, essa vivência cria inúmeros estereótipos: é frequente desvalorizar o que o outro tem e que ele/a não tem acesso, é também comum roubar o que deseja e considera como direito seu. A inveja é um grande fator de despersonalização, pois o invejoso/a sempre quer ser ou ter o invejado.   Tudo é passível de inveja e pode levar a possuir um séquito de imitadores que procuram estar bem vestidos, bonitos, belas, pois os que cobiçam acreditam que fazendo o que o seu ídolo faz começariam a se assemelhar a eles, que são os que sabem realizar essa façanha de ser o idolatrado. A inveja conduz à ganância, assim como é estruturante de despersonalização resultante da não aceitação de si mesmo.   Querer o mundo do amigo é uma maneira de realizar o desejo de ser amig...

O medo

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  Não fazer nada, ficar quieto e calado, não se definir, manter a boca fechada, o olhar parado e os gestos contidos é amordaçamento. É não crescer, não participar e se omitir – é o medo. Essa vivência transforma o indivíduo em um receptáculo, uma coisa que recebe tudo que nele é jogado pelo outro. A continuidade desse processo gera inércia, apatia e submissão. É a subordinação resultante da falta de autonomia, de estar à mercê do que vai ocorrer.   Quanto menos ação ou movimento, menos problemas, mais tranquilidade, e também menos vida. A extinção diária das possibilidades relacionais cria sonâmbulos, mortos vivos considerados pelo outro nas suas necessidades de sobrevivência: casa, abrigo, proteção e alimento. É o sobrevivente restrito ao seu território ou com denodo lutando por ele. O medroso, o omisso age, atua, mas sempre no círculo demarcado de sua segurança e garantia. Ter medo é ter apoio e assim construir fortalezas e diques responsáveis por ac...

Oásis no deserto da impotência

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      Sentir-se culpado/a e responsável pelo que aconteceu ou pelo que não aconteceu é frequente quando não se aceita a própria realidade, e exatamente por isso conceituamos a culpa como o que esconde, o que tampa a impotência. Esse conceito é diferente da ideia psicanalítica que considera a culpa um dos mecanismos de defesa do Ego, uma explicação que caracteriza a expressão do Superego como exigente de renúncia a satisfações pulsionais, pois para Freud a culpa é sempre um sentimento que surge do conflito entre os desejos e a parte do Eu que os reprime. Lacan, por sua vez, acha que a culpa é uma construção social, não um sentimento pessoal.   A culpa é sempre um recurso para salvar postulados éticos ou alianças estabelecidas e negadas. A mãe que deseja a morte do filho, por exemplo, pois não aguenta mais continuar sem dormir é um caso extremo, e por isso não muito frequente, de vivências de culpa. Sentir-se culpado é esconder, tampar impotência e incapacida...

Onipotência resultante de impotência

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    Achar que pode solucionar qualquer situação de dificuldade, ter certeza que sempre resolverá problemas são exemplos estruturadores de onipotência. O onipotente é aquele que cai em uma cilada: está no fundo do poço, totalmente impotente, mas se agarra em objetivos, desejos e metas e a partir dos mesmos estabelece seus programas vencedores. A onipotência é construída pelas constantes vivências de impotência, ela é um deslocamento da impotência não aceita. Continuando incapaz, se sentindo fraco e sem condições o indivíduo estabelece programas, objetivos, e para eles caminha. Essa luta contínua obceca, ofusca. Ele só percebe os caminhos, os pontos a superar, o que tem que ser adquirido. Quanto mais amealha, mais se sente capaz. É o colecionador de suportes, de títulos, de ajuda, de orientações e aplausos. Pensa que basta unir os pontos do que deseja alcançar, e tudo será seu. Sua atitude onipotente é, assim, um contínuo superar de incapacidades, dificuldades e impotência. ...

Viver

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    Outro dia me perguntaram se viver é estar em relação, e respondi que tudo é relação. Relação não é atributo. Relação é dinâmica, é como o processo quântico. Não existe espaço, não existe vazio, não existe nada que não seja relacional.   O ser é a possibilidade de relacionamento. O indivíduo não é um conjunto de instintos, vontades, inteligência e aptidões que está no mundo para explicitá-las, descobri-las ou escondê-las. Nascendo apenas como possibilidade de relacionamento, ele é situado e demarcado por uma estrutura biológica, familiar, social, e é esse contexto que vai estabelecer os processos relacionais. Pensar é prolongar a percepção, perceber é estar em relação, é vivenciar. E viver, portanto, é se relacionar consigo mesmo, com o outro, com o mundo.   As possibilidades relacionais são infinitas, mas são também contingenciadas por situações restritivas ou ampliadoras que situam o processo relacional. Analogamente, a possibilidade de se locomover vai ...

Temporalidade – Condição humana inegável

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      Mesmo olhando para trás e lembrando de ocorrências estamos no presente realizando essa mágica, essa busca, essa fuga que é viver do passado e de lembranças. Também quando nos preocupamos, nos ocupamos previamente do que pode acontecer, igualmente estamos no presente. Essa antecipação - conjunturas revestidas de medo, ansiedade ou preocupação - é uma maneira de tentar descobrir ou evitar o que vai acontecer, mas, é uma vivência que está sempre ocorrendo no presente. Vivemos no aqui e agora, olhamos para trás, ou para a frente, ou para o que está diante de nós.   A temporalidade nos caracteriza e é ela que nos permite transcender a espacialidade de nossa contingência vivencial. Às vezes se pensa que é um clichê, uma regra inventada, dizer que o ser humano é contingenciado pelos seus aspectos tempo-espaciais.   Tempo e espaço nos situam, mas não nos constituem. Nossa constituição é a possibilidade de relacionamento e isso se dá sempre em um tempo e em um ...

Dilemas existenciais - Sobreviver ou existir?

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  Quando nascemos, sobreviver ou existir é uma questão que não se coloca. Nascemos e alguém nos permite sobreviver, geralmente nossos pais, família, ou, em algumas exceções, o Estado, a Sociedade.   Nascer durante uma guerra é quase ter assegurada a morte, é difícil sobreviver. Em condições de normalidade ambiental e social, o ser humano sobrevive, e nesse sentido é orientado por seus familiares, pela sociedade em que vive. Assim, sobreviver seria um processo natural, mas que no entanto é impedido em condições extremas de falta de alimentos, de doenças endêmicas ou pandêmicas, de lutas e conflitos sociais etc.   São sutis as diferenças entre existir e sobreviver, pois tudo é orientado para satisfação e concretização de nossas demandas orgânicas. Entretanto, quando não há luta para sobreviver, surge espaço e demandas para transcendências e transformações. É o ir além da satisfação das necessidades que permite indagação. Ao fazer perguntas, o ser humano começa a fil...

Fingimento

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    Fingir é um deslocamento da não aceitação da realidade. Fingimentos surgem no cotidiano diante de realidades que denunciam, incomodam e revelam dificuldades e medos. Como enfrenta-las? Negando-as, fazendo de conta que as mesmas não existem. Como fazer isso? O primeiro passo é fazer com que ninguém saiba, ninguém perceba a dificuldade. Isso acontecendo, tudo fica mais fácil. Se nega saber, se nega conhecer essa comprovada existência.   O flagrante, a prova é o maior inimigo do fingidor. Evitar flagrantes e disputas cria inúmeras realidades, estabelece descontinuidade, gera enigmas, arma quebra-cabeças e, assim, se consegue fingir em paz. Esconder o amante no armário era um bom método, agora não mais. Câmeras e portarias eletrônicas atrapalham. A melhor maneira de escondê-lo é transformá-lo em um empregado que veio consertar o ar condicionado, ou no amigo gay convidado para falar sobre o roteiro da próxima festa que vai acontecer, por exemplo. ...

“Tudo foi em vão, nada significa”

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      Decepção é o que se sente quando os sonhos falham ou quando as frustrações se evidenciam pela não recuperação de acertos, pela não realização de desejos etc. Viver apostando é sempre amealhador de decepções, pois é o ir além do existente em função de necessidades ou desejos engendrados pela não aceitação de limites. Fazer qualquer coisa para conseguir manter o que se tem, ou para conseguir o que se deseja é sempre alienador, transforma dinâmica em posicionamento e cria situações onde imolar, sacrificar são constantes em função de manter segurança, propósitos, ou determinações alimentadas por desejos autorreferenciados.   Querer a qualquer preço conseguir cria medo de falhar. Para evitar isso se inventa soluções consequentemente negadoras de realidade. De tanto inventar, de tanta busca desesperada o indivíduo se ensurdece com o silêncio do estar acima de tudo e de todos. É o isolamento conseguido pelos andaimes dos empreendimentos. Tudo segurado, garanti...