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Mostrando postagens de março, 2017

Generosidade

Generosidade só é possível quando existe disponibilidade, entretanto, na contemporaneidade, generosidade vira uma regra, uma atitude civilizada e consequentemente, útil ao ser praticada. Ser generoso é propiciar, dar, possibilitar bens, acessos ou gentilezas ao outro. Só se pode fazer isto quando se é espontâneo, quando se é disponível, caso contrário é uma regra, um investimento socialmente validado. Generosidade é uma decorrência de disponibilidade ou de uma regra adequadamente exercida em função de recomendação social. Sendo regra é esvaziada, gera apenas comportamento imitativo. Somente como decorrência de disponibilidade é que se pode exercer generosidade. A gratidão, o ser grato é outra armadilha, é também uma maneira de distorcer o que é generosidade enquanto disponibilidade. Para haver generosidade é fundamental estar disponível para que não se transforme em investimento, em vivência resultante da percepção do outro, de suas dificuldades e acertos. Ser generoso, ser gr

Sobra como ausência

Este aparente paradoxo - o que sobra falta - é bem expresso em uma música de Renato Russo: “só nos sobrou do amor, a falta que ficou” . Merleau-Ponty fala sobre a presença da ausência em suas explicações fenomenológicas; é claríssimo o exemplo que ele descreve, da cabeceira da mesa vazia, mostrando a presença do pai já morto. A sobra do que falta é diferente, é o contrário da percepção da ausência, ela não é a ausência presente. A sobra do que falta é ausência que castiga, que marca, que denuncia a falta, exarcebando-a. Psicologicamente, vivencia-se inúmeras situações onde o excesso, a sobra acusa a falta. Filhos que dependem da aprovação dos pais, estão sempre intranquilos, exercendo medos, expressando dificuldades como marcadores da ausência de cuidado, da falta de educação recebidas. Sobra sempre o que falta para pessoas que não se aceitam, que se sentem vazias, inadequadas. Os quadros de ansiedade são elucidativos desta sobra, deste transbordamento de não aceitação. Quanto

Sociedade disciplinar e Sociedade de desempenho

No século XIX e até a metade do século XX se vivia no que se convencionou chamar de sociedade disciplinar. Estruturada na criação da indústria, a sociedade disciplinar substitui a sociedade feudal - predominantemente agrícola -, e se caracteriza pela existência de instituições: hospitais, asilos, prisões, quartéis, fábricas. Nestas sociedades, os indivíduos seguem ordens, executam papéis, enfim, são “sujeitos de obediência” . O grande avatar filosófico da sociedade disciplinar, o que traz a boa nova, é Nietzsche, que ao dizer “Deus está morto” realiza antíteses necessárias aos caminhos da libertação individual. Produção e acúmulo de capital, na sociedade disciplinar, estão baseados na indústria. Isto mecaniza e exige disciplina, gera proibições, impõe regras e deveres como leis básicas do ir e vir. Não foi à toa que o século XX abrigou os maiores regimes totalitários: Stalin, Hitler, Mussolini, Pol Pot. Seguir a regra, manter a disciplina era o fundamental. Foucault, em todos os s

Inevitabilidade

A perspectiva do inevitável cria, para certos indivíduos, medo e apreensão, tanto quanto desencadeia desejos constantes decorrentes de fugir da percepção de impotência paralisante. Varia de indivíduo para indivíduo o que é considerado inevitável. Variações são iniciadas desde os critérios de “não quero que aconteça isto, não é bom para mim” , até a irremediável perspectiva da morte. Quanto mais afastados e incompatibilizados com a própria realidade, mais condições de inevitabilidade são estabelecidas. Nas situações de vício, por exemplo, é frequente como a irreversibilidade do processo é transformada em detalhe, ficando a depender de vontades e desejos pessoais. Existem indivíduos que diante de qualquer possibilidade de variação na rotina sentem medo, imaginam catástrofes, desde a reprovação do filho em uma determinada disciplina na escola, até o emagrecimento de dois quilos traduzidos como sinal de doença mortal. A condição de inevitabilidade é uma antecipação gerada pela impotê

Dificuldades contínuas

Nos processos psicoterápicos é frequente assistir às insatisfações expressas pelos clientes e geradas pela constatação de que a solução surge, mas os problemas permanecem. Esta contradição é entendida e resolvida quando é percebido que a solução estabelecida e desejada para uma problemática específica não é admitida quando ela não se realiza como imaginado. Problemas existem e são solucionados quando se percebe e muda seus estruturantes, isto é, as situações que os governam. Problemas jamais são resolvidos quando se busca solução para os mesmos sem considerar as realidades e estruturas que os engendraram. Basta haver problema, para que haja solução, então, por que as pessoas permanecem com problemas, por que não encontram solução? Por buscá-las independente dos dados do problema, buscá-las além dos mesmos, além do que é problemático. Em geral, todos admitem ter problemas, no sentido de ter dificuldades, mas não admitem, não percebem que suas motivações, atitudes, medos e dificuldad