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Mostrando postagens de 2024

Desistência comprometida

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      Abrir mão de si é um dos mais encontradiços estados de não aceitação, consequentemente de neurose. Não se aceitando, não se suportando, o indivíduo escolhe padrões, situações pelas quais se vê reconhecido, significativo e aceitável. Agir como os famosos agem, ser como os ricos e bem sucedidos são, também esconder e tentar apagar tudo que considera denunciador de suas origens e aspectos de sua não aceitação, para assim se classificar para as situações de sucesso. A vida passa a ser resumida entre aparentar o valorizado e esconder o que pode ser demérito. Copiar e seguir a escada do que é considerado sucesso exige reinicialização. É preciso apagar todo traço que possa desabonar, é preciso reconfigurar vivências, parentescos e amizades. Sem história, sem traços que o denunciem e comprometam, o indivíduo segue sozinho para novos horizontes. Necessário manter amigos, alianças, mesmos caminhos, que o tornem aceitável e respeitado. Abrir mão de si, de sua história, é seu novo nasc

Consideração ou liberdade?

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    Geralmente, quanto mais oprimido o indivíduo se sente, mais ele deseja se afirmar e ser considerado. É estarrecedor esse desejo de ser considerado, quando o que deveria ser desejado era a liberdade, o fim da opressão.   Acontece que quando se quebra a “coluna”, quando se é oprimido, se rompe a continuidade de perspectivas de estar no mundo com os outros. O que se percebe são pontos, pessoas, situações que são obstáculos. E aí, já de coluna quebrada, se arrastando, o que se aspira é a ajuda do outro, o envolvimento do outro, é ser considerado para então conseguir o que se quer. É a liberdade dada pelo apoio, é o outro transformado em bengala. O oprimido, quando não se liberta, quando não vence o opressor, transforma tudo em objeto, em instrumento para realizar desejos e aliviar dores.   Ser oprimido, seja em que esfera for, é ser desumanizado. Perder autonomia, perder liberdade, perder sensibilidade, e conseguir apenas movimentos de baixar a cabeça e

Agendando o imaginário

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      Toda vez que ouço ou leio: “Deus vai me ajudar, Deus me ajuda” percebo o desespero, a desorganização, a infelicidade implícita de quem tem esse desejo, essa certeza.   Para mim, fé é transcendência, é o encontro resultante de ir além de si mesmo, e nesse sentido, fé é exercício de autonomia, é descobrir no outro, o si mesmo.   Deus ajuda, pode ajudar o indivíduo que cumpre as suas obrigações. Essa sempre foi a afirmação clara de toda religião, entretanto, com o passar do tempo, essa clareza foi obscurecida e as obrigações se transformaram em sinônimo de promessa, óbolo, dízimos, festas e batuques. Pagar a promessa, fazer o agradecimento passou a significar ou resumir a maioria das ações religiosas. É absurdo! Pede-se ajuda a Deus e depois se tenta barganhar com a ajuda dada. Entronizam-se deuses nesse ato de troca. Deus ajudou e será recompensado. É vil, é absurdo, é uma troca, um ato negador de Deus.   Fé é autonomia que quando pensada e exer

Emaranhado

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    Quanto maior a necessidade de saída, mais confuso e terrível fica o labirinto no qual o indivíduo se encontra. Emparedado, protegido e desesperado, não sabe o que fazer, embora saiba para onde ir, conheça mil portas a bater, inúmeros caminhos a enveredar, mas não sabe como sair. Sair de quê? Do labirinto no qual entrou. Buscar a saída quando se constata não conhecer a saída é um método desesperado, caracterizado pelo constante ensaio e erro que torna tudo monótono. É repetir, fazer igual, tentar até que se consiga, principalmente quando se incorporam os pedidos de ajuda divina, ou quando se recorre às tábuas explicativas das rotas ou caminhos a percorrer.   O grande drama não é buscar a saída. O grande drama é precisar, querer a saída. Ficar sem saída sempre demonstra um cálculo falhado, um anseio frustrado. Mas também é o perceber o que está acontecendo: nada anda conforme se imaginava. Quando isso é aceito, questionamentos surgem e se constituem na saíd

Lições

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  Atualmente é comum ouvirmos ensinamentos, orientações, regras sobre inúmeras situações, atitudes e comportamentos. Assistimos um enorme aumento de cursos/tutoriais, diretrizes sobre o que e como fazer. É quase como se tudo fosse um grande galpão de aprendizagem. Ir além do saber convencional, aprender com a vida, descobrir como tudo ensina é um dever, transformado também em necessidade. Acontece que toda essa ideia de sempre aprender está ligada à busca de resultados satisfatórios como sendo se dar bem, trazendo também implícita a ideia de luta, competição, medo e vidas desiguais em peso ou valor. Quanto maior o desejo de conseguir e o empenho para superar, maiores os impedimentos, maiores os comprometimentos, consequentemente o anseio de tudo aprender. Se empenhar em saber o máximo é uma ampla prisão na qual são alojados propósitos ou metas de realização. O passar e continuar da vida é visto como uma grande arena, onde lutas devem ocorrer e vitórias precisam ser c

Alegria, contentamento e depressão

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    As mais simples realizações humanas – que decorrem do fato de estar vivo, de estar no mundo – são quase inalcançáveis. Porque essa dificuldade de estar alegre, de estar contente? Metaforicamente: por andar olhando para trás ou pulando para a frente, assim o ser humano vive desequilibrado, desestabilizado.   Superar o que acontece, melhorar ou ultrapassar o acontecido, “curar-se do trauma, do fracasso e da decepção” é um pensamento que guia ou norteia a maioria. Olhar para trás, ou evitar o que advém é estar preso, é não ter disponibilidade para viver o que acontece. Tanto bons, quanto maus acontecimentos solicitam ação, presença total. Não se pode vivenciar nem o bem, nem o mal divididos. A fragmentação cria experiência caleidoscópica que altera a vivência e integração do que ocorre. É o que comumente se comenta quando se fala de buscar a plenitude do estar neste mundo. Só há plenitude, consequentemente alegria, contentamento, quando se vivencia o present

Construção e educação

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      Imaginar que o ser humano é vitorioso quando consegue construir o mundo que deseja, ou quando consegue realizar seus sonhos e anseios é uma visão pragmática que subestima o ser no mundo.   A ideia de artífice, de realizador de projetos está subordinada à crença do ter sido criado por Deus, responsável pela realização de projetos. Seguir o projeto idealizado, a construção e realização dos desejos, é sempre um espaço além do próprio homem, e também sugere uma vitória sobre os males do mundo. Essa ideia, aparentemente boa, soçobra em sua própria criação dualista, estigmatizadora e finalista. Para ser redimido dos pecados originais, para melhorar a sua fraqueza, o homem tem que, e deve, construir algo que se constituirá no passaporte para uma situação na qual ele não se basta a si mesmo, pois sua autonomia está ancorada nos resultados dos projetos.   Supor utilidades como definidoras do estar no mundo é massificador. O homem não precisa de redenção de s

Referenciais restritivos

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  Descobrir referenciais, contextos às vezes existentes como regras, pode significar encontro com limites. Os critérios que estruturam os limites indicam desejos, metas, que mesmo quando realizadas são mantidas como impedimentos. Nas expectativas - desejos e metas   - o que existe é sempre percebido como o que está comigo, ou como o que está contra mim. Quando é percebido como contrário é geralmente obstáculo, o que impede, e quando percebido como consigo é o que alavanca, o que possibilita. Não integrar o percebido dificulta a vivência do que ocorre. Esse absurdo, aleatório – a não integração do que ocorre – resulta da insurgência, da reviravolta temporal, o fato sob a forma de desejo e aspiração, expectativas e metas. Essa magia, a não integração do que ocorre, invade e encobre o que existe, ou ainda, dito de outra forma: se deter no que passou é também obscurecedor do que se vivencia. Nesse sentido, os maiores limites se constituem na arbitrariedade, no

A tábua de salvação é a única saída do sem saída

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    A tábua de salvação é a única saída quando não se tem saída. É paradoxal, é um oximoro. A única saída não é uma saída. A situação se neutraliza, mas quando se inventa, sonha ou arbitra uma “tábua de salvação”, acredita-se que o objeto, a tábua, vai mudar o processo.   Não há saída, não existem mais recursos, pontos ou esboços. A realidade é a não saída, é o fim. Criar uma tábua, arbitrá-la como salvadora só subsiste nos universos não reais, no mundo da fé, por exemplo, ou no das transformações arbitrárias onde o que não existe passa a existir. Sonhar abre portas exatamente por não existirem portas, tudo é sonho.   A trajetória, os caminhos das tábuas de salvação são preenchidos pelas esperanças, colorindo medos e remendando frustrações... e assim as vidas prosseguem.   Adiar, procrastinar, esperar são atitudes que fundamentam a criação de expectativas e apostas nas situações salvadoras.   “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer” já dizia

Blindagens e distorções do autorreferenciamento

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  Inúmeros indivíduos se sentem com dificuldades de lidar com pessoas e/ou situações, se vitimizam se sentindo incompreendidos e desamparados, e nesse contexto a alienação impera e não há a percepção de si mesmos, dos próprios problemas, não há constatação ou questionamento, o mundo começa e acaba na própria pessoa e tudo é percebido em função de suas satisfações e insatisfações, seus desejos, suas conquistas e fracassos, avaliando e decidindo em função dessas pontualizações. Percebendo o mundo, os acontecimentos, a partir dos próprios referenciais, das próprias necessidades, tudo é categorizado nesse contexto. É o autorreferenciamento – essa maneira distorcida de neutralizar não aceitações – se posicionando no que é valorizado, no que entende como importante e sinalizador de sucesso e aceitação.   Esse processo resulta necessariamente em surgimento e ampliação de sintomas – tonturas, tiques nervosos, pânico, ansiedade, depressão etc. – em posicionamentos sob

Delimitações e impermeabilizações

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      Inúmeras vezes o isolamento, o estar separado do que ocorre aqui e agora, do outro, do mundo enfim, resulta de estar protegido ou protegendo-se, de estar sempre verificando possibilidades e avaliando, buscando o melhor para si, gerando em última instância, impermeabilização característica do autorreferenciamento, das respostas contextualizadas em referenciais próprios.   Rezar, torcer para que tudo dê certo, apoiar-se no pensamento positivo, criar redes de afeto e proteção através de atitudes consideradas transcendentais são exemplos de delimitações que impermeabilizam. A meditação, por exemplo, considerada pelos espiritualistas como um instrumento de ultrapassagem de variáveis do estar no mundo, cria impermeabilização sustentada pelas bases residuais do que se ultrapassou. Isso acontece com qualquer delimitação, seja busca de transcendência, seja busca de situações mundanas a alcançar e a evitar. Tudo que é transformado em contexto para estabelecer participação, em pon

Mentiras são necessárias?

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    “Se privar uma pessoa comum de sua mentira vital você também a privará de sua felicidade”   - Henrik Ibsen -   Lendo O Pato Selvagem, de Ibsen, pensei nessa verdade/mentira. A ambiguidade da situação, uma ambiguidade quase quântica que é gerada pela própria colocação do problema. A mentira, no caso, é considerada por Ibsen como vital, isso porque ele acredita que através da mentira os próprios sonhos são realizados.   Acontece que a mentira exime a culpa, tanto quanto esconde e amordaça a impotência. E sendo assim como afirmo, fazer de conta que tem condição, quando não se tem, não é salvador, pelo contrário, é aniquilador. Essa pessoa sem sua mentira é apenas uma pessoa com sua realidade - provavelmente significadora de frustração, recheada de medos e vacilos. Sem a mentira ela percebe seu problema, e ao percebê-lo ela tem condição de não o suportar. Ao contrário, quando tolera se desumaniza, se aniquila. Ficando privada da felicidade construída na mentira, ela percebe

Quando tudo é explicado por a priori, nada é explicado - 2

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    Da mesma maneira que preconceitos com relação à nossa origem ( “portugueses degenerados”, “negros tribais escravizados” e “indígenas selvagens” ) são abordagens repulsivas e apriorísticas que distorcem e impedem a compreensão de nossa cultura, a visão oposta, de enaltecimento da herança de determinadas características culturais desses mesmos povos, nada explicam ou contribuem para o entendimento de nossa identidade cultural, nossos problemas sociais e suas possíveis soluções.   Cheios de boas intenções, imaginando neutralizar preconceitos e discriminações, muitos exaltam os saberes proporcionados pelos povos originários - os indígenas -, o acervo cultural trazido pelos africanos, suas danças, comidas, seus deuses, sua religião enfim, como chaves para nos desembaraçar de nossas atribulações.   Esse se voltar para o passado, escolher excelências formadoras de motivação e comportamento e considerá-las significativas no processo, é também um questionável

Quando tudo é explicado por a priori, nada é explicado - 1

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    É muito comum, muito difundida a noção de que a causa dos nossos problemas sociais atuais está na herança de comportamentos de nossos antepassados e que a solução desses problemas estaria, em grande parte, no enfrentamento de preconceitos.   Explicar o presente pelo passado é um vício, uma rua sem saída. O antes não explica o depois. A continuidade de consequências, o querer entender o que acontece pelo que aconteceu cria explicações de causa e efeito, perguntas/respostas nas quais se sacrifica e nega a ideia de totalidade e contextualização. Explicar a dificuldade que a criança tem de aprender pelo fato de ter um pai muito rico, um pai muito pobre, uma mãe russa ou ainda uma mãe indígena é estabelecer um sistema de bodes expiatórios falantes e explicadores do fenômeno.   Qualquer análise histórica, política, social, comportamental psicológica deve se ater às forças estruturais do que está sendo estudado. Não são as funções, os símbolos, os padrões que determinam compo

Entendendo a imposição dos fatos

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    O conhecimento ou desconhecimento do que ocorre não é responsável pelo que ocorre. Na visão idealista é a ideia que cria a matéria. Nesse axioma, tomar conhecimento de um problema, de uma catástrofe climática que nos atinge, por exemplo, é o que trará mudança. Não é verdade. Quase três décadas de conferências sobre o clima apenas servem para gerar etiquetas, criar rótulos e vender selos de sustentabilidade e boa imagem para governos, países e empresas.   O que é claro é que apenas por meio de mudanças de atitudes governamentais é que é possível encarar a questão climática de forma eficiente. Para isso teríamos que não subordiná-la a interesses econômicos. Isso requer uma nova ordem econômica mundial. É uma mudança que não depende de desejos. É uma necessidade que surgirá quando forem inviabilizados os interesses atingidos pelas questões climáticas. Não depende de opiniões pessoais. Não é uma questão subjetiva, é uma questão estrutural do atual sistema cap

Imperativo categórico, grande insight kantiano

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    As pessoas podem ser bestiais, desumanas e cruéis quando agem em função de seus interesses e conveniências, enfim, quando não agem livremente, quando estão submetidas a injunções pragmáticas, políticas, a conveniências e circunstâncias.   Como agir livremente quando se está imerso e submerso em sociedades, empresas, famílias, clãs? Kant dizia que só agimos livremente quando agimos de acordo com o imperativo categórico e não de acordo com imperativos hipotéticos, pois os imperativos hipotéticos estão ligados a compromissos, ou a atingir resultados vantajosos, a fugir de situações estressantes, ou a preparar para algum objetivo conveniente posteriormente. O imperativo hipotético faz com que nossa vontade não seja determinada por nós e sim por forças externas, por nossas necessidades circunstanciais, por desejos. Só através da autonomia, ele dizia, podemos escapar dos ditames da natureza e das circunstâncias, e agirmos com liberdade, segundo leis universais e determinação que no

Abrigo

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  O abrigo, inúmeras vezes, é o encontro do presente que transforma e define trajetórias de continua solidão, de frustração estruturante de dúvidas e omissões.   Quando ansiedade e medo habitam o cotidiano, sem saber o que fazer, sem saber para onde ir, nem o que acontece, o indivíduo se desespera, se desgasta, se omite. Essa omissão é implosiva. Sozinho, sem se comunicar, surge o isolamento. Tudo ameaça. É o deserto sem oásis. Nesse desespero, nessa solidão, quando se encontra um apoio - o abrigo - as coisas mudam. O inóspito começa a ser povoado. As reestruturações se impõem. É o novo trazendo transformação.   Encontro amoroso, vivências psicoterápicas, descoberta de problema engendram soluções. Novos sentidos são configurados, os processos continuam e assim são descobertas novas dimensões individualizantes, e essa continuidade personalizada destrói o abrupto das imposições, das ameaças e violências. É a mulher que se sente livre, é a criança risonha, é o me