Preocupação x Ocupação

A preocupação é uma vivência do não presente, é uma antecipação da ocupação; ocupar-se de é relacionar-se com algo existente. Em geral, o indivíduo, ao invés de se ocupar com os próprios problemas, se preocupa com os sintomas que os encobrem como se os problemas não existissem. Assim, se torna preocupado com a velhice, com a conquista de um emprego valorizado, com o desempenho profissional, com relacionamentos garantidos e seguros, com o desenvolvimento dos filhos, com a aparência física e  imagem social, com os sintomas que surpreendem etc ao invés de deter-se na problemática de onde tais preocupações são decorrentes. Ocupar-se da própria problemática e não de como ela aparece, possibilita a vivência do presente.

Preocupar-se com imagens, com sintomas, por exemplo, é esvaziador, desumanizante por transformar o outro no testemunho circunstancial do fracasso ou do sucesso; faz perder autonomia, transforma os referenciais relacionais em sinalização de apreço ou desapreço, consideração ou desconsideração, aceitação ou não aceitação. Decorrente deste funcionamento fragmentado, já não se sabe se o que se sente é o que se sente, se o percebido ou pensado é real ou imaginado, desejado ou temido. Nesta constante dúvida, a necessidade de avaliação e controle se impõe. Cheio de preocupação, antecipação e ansiedade, paira acima do que acontece, sendo impossível viver o presente. Saber o que os outros estão pensando a respeito de si, saber se agrada ou desagrada, se é aceito ou não, é o que importa. A contabilização, a constante verificação de resultados conseguidos e de empreendimentos realizados e a realizar, gera uma rede administrada de empenhos e negociações. O controle do que acontece é mais importante que o que acontece. Das perdas ao luto, do ganho às vitórias, tudo deve estar sob controle. Eliminar o que atrapalha ou tira do sério é valorizado como adequação, eficiência. Este controle de aparência e imagem é o controle dos sintomas. Não importa o problema, o que importa é que ele não apareça, não atrapalhe.

Ter febre e esfriá-la sem ver que ela geralmente indica uma infecção ou algum transtorno orgânico, é comum no imediatismo gerado pelas vivências pontualizadas. Ignorar, não ser treinado educacionalmente, gera imediatismo, ansiedade que logo se converte em limites que podem ser aceitos e transformar; ou não sendo aceitos estabelecem uma maneira de ser e fazer continuamente fragmentada.

Preocupação e ansiedade andam juntas, transformam o cotidiano em uma arena onde tem que se vencer ou fugir para não morrer, fazendo assim, que se funcione como máquinas, tops de linha ou defasadas, obsoletas. O funcionamento como objetivo e meta, desestrutura. O ser humano é uma estrutura relacional que ao se pontualizar no exercício de funções e resultados, minimiza suas possibilidades e maximiza suas necessidades.















- "Ou bien... ou bien…" de Søren Kierkegaard
- "Pensamentos" de Blaise Pascal


verafelicidade@gmail.com

Comentários

  1. Oi Vera,

    Gostei muito do texto.Na leitura, pude constatar,mais ainda, algo que acontece comigo e ajuda a perceber sobre as minha atitudes.
    bjos
    Ana Cristina

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  2. Vera, obrigada. Eu me reconheci nesse texto. Excelente trabalho o seu!

    Stephanie.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada Stephanie.
      Que bom ter propiciado esta sua vivência.
      Abraço,
      Vera

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