Sedação

Omitir e mentir é o que se faz para esconder contradições, esconder diferenças e assim submeter o outro ao que se deseja, seja nas atmosferas familiares ou nas ditaduras e democracias.  É uma vivência cotidiana.

Toda vez que alguém aplaca um desejo, toda vez que se satisfaz uma demanda, se estrutura uma relação de doador e receptor criando-se, ampliando-se planos de diferenciação. Estas variações espaciais geram dicotomias e consequentes categorias - tipos específicos agrupados. Aparecem fortes, fracos, doadores, assistidos e assim são resolvidas as reivindicações e necessidades, tanto quanto são aplacadas as tensões e divisões intrínsecas ao processo de exploração econômica e submissão familiar.

Conflitos não resolvidos tendem a ser esquecidos, a ser superados através de deslocamentos - ao transformá-los em matéria-prima para justificativas de violências, toxicomanias e apatia. Destruir o outro, derrubar o que impede que o indivíduo se sinta completo, se sinta poderoso, revela também, sua fragmentação desumanizada, seu conflito entre o que é, ou apenas o que os outros lhe permitem ser.

Esta busca de adequação é sempre redutora - as vasilhas são menores que as porções à receber - toda adequação sempre traduz uma inadequação, por isso que aplacar é despersonalizar, alienar, massificar.

No disfarce resultante dos processos de adaptações sedativas realizadas, principalmente, nos finais dos séculos XIX e XX - e atualmente encontrado nos seres humanos liquefeitos, despedaçados - nem mesmo os sedativos realizados democraticamente, educacionalmente, dão conta, nem aliviam suas dores. Guerras (armas) e drogas, das lícitas às ilícitas são o que sedam. Dedicar-se a atirar, saber destruir inimigos, conseguir esquecê-los, atingir nirvanas, paraísos forjados e inventados nos quais não há o que esquecer, não há o que lembrar, perfaz o interesse geral. Os próprios sonhos, são invadidos pelo manufaturado*, tudo é forjado e construído para rapidamente sedar e despersonalizar, aplacar a motivação do viver, criando a motivação pelo que esconde e seda a dor do estar vivo em um mundo povoado de dessemelhantes.

* O próprio lidar e representar atmosferas oníricas nas artes, no cinema, é invadido por ícones criados para representar densos que destoam de todo sultil à representar, por exemplo o filme “Alice através do Espelho” está cheio de “transformers” para transmitir atmosfera de magia e sonho.



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