Bolhas de sabão





Bolhas de sabão são quimeras, mentiras e fantasias estruturadas pela frustração, pela não realização do que se deseja. Esse mecanismo de escape - esse deslocamento - caracteriza o sonhador, isto é, o desesperado, o indivíduo que, ao não enfrentar os próprios problemas e limites, inventa mentiras, fantasias, narrativas, delírios.

Mentiras, fantasias e delírios são aspectos do mesmo problema: a não aceitação de si, do mundo e do outro. Acontece que as coisas são ou não são; existem ou não existem. Percebe-se ou não.

Inventar histórias, negar ocorrências, imaginar-se morador de um palácio quando se vive abrigado por uma ponte, é desorganizador pois sonega a realidade, único ingrediente capaz de realizar mudança. Lidar com o que se tem é estruturante, é denso, factível, permite recuperação. Lidar com o que não se tem, esvazia, não leva a nada, não ocupa, não significa.

A verdade é como a túnica de Cristo: inconsútil, inteira, sem costuras; é o que é. A mentira é o remendo, o costurado. Em outras palavras, verdade é continuidade, mentira é descontinuidade. A continuidade permite mudança e realização. A descontinuidade, nada permite, apenas envolve, enrola, dispersa, faz perder referenciais e referências.

Ser verdadeiro é ser inteiro, concreto e isso é diferente de fingir, manter aparência como bolha de sabão, que ao ser tocada estoura, desaparece. Os fragmentos invadem, criam desesperos e desempenhos, podem até constituir-se em obstáculos diferenciais, mas não permitem mudança e transformação.

A esperança, a expectativa de soluções futuras, é como a criação de bolhas de sabão diante do descontínuo, do instável. Ela nada vale, pois amortece a tenacidade, a resistência e a luta. Viver é enfrentar, não é a espera e busca de bolhas de sabão.



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