Avaliação e vazio


 

Verificar tudo que se tem e que não se tem, a condição e falta de condição para realização de objetivos, gera, entre outras coisas, atitude pragmática. Nesse horizonte, o principal é avaliar o lucro e o prejuízo para que se possa evitá-lo. É uma maneira de preencher o vazio. É o contar e recontar, é ver se armazena para somar, enriquecer, atingir bem-estar na vida, em um mundo considerado ameaçador e perigoso.

Transformado em autômato - desde criança quando o que importava era a boa nota no boletim escolar, o não quebrar coisas e não criar problemas - o indivíduo se endereça para obter a chave do que considera válido e útil, cuidando também que ninguém o atrapalhe e prejudique. De tanto fazer conta, descobre que nada serve. O que vale é que não corra risco, ou ainda, tudo aproveitar. Transformar situação de gasto em situação de lucro é uma arte, um malabarismo diariamente por ele praticado. Essa magia acaba extenuando e colapsa. Buscando lucro está sempre no prejuízo, não sabe o que perdeu, pois a ele só importa ganhar traduzido como constante amealhar de moedas, números e resultados positivos de investimentos econômicos e sociais. Dedicar-se ao resultado lucrativo de suas ações é “passar batido” pelo que acontece. Não se sabe o que está acontecendo, só se sabe onde chegar e o que evitar. Essa dissociação do presente é criadora de insegurança, de vazio, medo e incertezas. Vivendo para utilidade, para preenchimento de padrões arbitrados, se vive para ganhar, não perder, ou no mínimo tentar que isto não aconteça. Esse aparente movimento meritório, traz em sua configuração a redução do mundo, do outro e da vida em um sentido no qual se vence e se evita perder. Esse movimento também está sempre dividido pois as metas e perdas de hoje não são as de amanhã, e assim, por definição, já se perdeu na corrida. No decorrer da existência, esse processo se caracteriza por depressão, desânimo e inseguranças, onde as vitórias são traduzidas como amontoados que naufragam, pois são méritos e ganhos defasados, não operacionalizáveis. O prazer do bem-estar, o tudo ter nada significa: a vida realizada é a vida protegida entre quatro paredes, é o leito bem cuidado.

O erro inicial foi a fixação do propósito para o depois, para sempre, negando assim tudo que acontecia e obrigava a questionar, buscar mudanças e ampliar horizontes independente de resultados.

Vida é imprecisão, é mutabilidade, surpresa e movimentação constante. Posicionamentos funcionam como antítese polarizadora de atrito e despedaçamento. É interessante notar como o famoso choque de gerações é basicamente causado pelo questionamento de atitudes pragmáticas e utilitárias que estabeleceram as normas familiares.

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