Mesmice

 


É comum ouvir acadêmicos, técnicos diversos e filósofos explicando alguns processos como sendo situações pendulares, como se fosse o ir e vir de contradições - indo ora para um lado, ora para outro lado - e confundindo isso com dialética de processos.

O ir para a esquerda, para a direita, para o sim, para o não, nada configura enquanto antítese, apenas explicita trajetórias na reta. As abrangências não são contraditórias. As divisões arbitrárias segmentam movimentos e criam pendularidade e nesses contextos não há sim, não há não, muito menos mudança. O que existe são passagens, oscilações que nada configuram além das alternâncias não contraditórias do movimento.

Psicologicamente, nas situações caracterizadas por constante dúvida entre fazer ou não fazer o que se deseja, cria-se oscilação, alternância de comportamento que pode se expressar em inúmeras situações, sejam elas inconsequentes ou graves, como por exemplo o uso de drogas lícitas ou ilícitas para manter o bom humor e o ânimo, resultando ora em uma pessoa que se alimenta, cuida da própria higiene e trabalha, ora em uma pessoa que é encontrada ao acaso, descuidada e ausente em seus compromissos. Essa é uma situação que pode ser explicada pela pendularidade, mas é uma variação que jamais elucida os conflitos, as contradições responsáveis pelo comportamento. O movimento pendular, a manutenção da alternância, da dúvida, é deslocamento de problemáticas, consequentemente não estabelece antítese, nem possibilita mudança.

Querer transformar o outro, o alternativo em contradição é arbitrário. Qualquer coisa que divide cria lados opostos, mas é bom não esquecer que estão na mesma reta. Não há contradição, a alternância é passagem, não é sequer mudança, e exatamente por isso é alternância. Na mudança há quebra de referenciais. No movimento pendular não existem referenciais quebrados.

O ir e vir em direções opostas é estar sempre no mesmo caminho, que só é visualizado como diferente quando se atrelam referenciais outros que não os dos processos configurados como pendulares. A quebra de referenciais, de paradigmas impede qualquer pendularidade pois cria novos espaços: as antíteses se reatualizam em teses responsáveis por novas configurações. A harmonia da repetição é quebrada, o novo se insinua como presente, lançando para outros espaços perpendiculares e antitéticos, que na continuidade do processo pode criar imobilidade - referenciais de novas configurações, início de movimento pendular. Manter o ritmo é uma forma de acondicionar, acalentar contradições, que pela monotonia instauram novos diapasões sedados pela manutenção do repetido, que assim impede antíteses e mudanças. 

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