Tristeza, fome e frustração

 

 

 
Interrupções, perdas, mudanças abruptas assim como mudanças temidas geram tristeza, que é uma ocorrência inevitável no processo da vida, na vivência dos afetos quando esses são modificados. 

Quando essa vivência é transformada em referencial a partir do qual tudo é percebido, quando é mantida como situante relacional, ficar triste é uma atitude resultante da não aceitação de realidades passadas e agora posicionadas. É o resumo conseguido após avaliação, como por exemplo sentir-se feio, fraco, covarde, sem sucesso, que resulta de avaliação e comparação com os outros, com os padrões, com os desejos, com o que se esperava. É quase sinônimo de desânimo (a manutenção contínua desse desânimo, dessa falta de motivação é a depressão resultante de estar isolado, emparedado). Sentir-se feio, fraco, covarde sem sucesso são os frutos amealhados pela comparação com normas e padrões existentes, tanto quanto com os sonhos falhados. 

Perdas afetivas, calamidades, acidentes, pandemias causam tristeza, mas, nesses contextos a tristeza é exacerbada pelo acúmulo de impotência repetida, frequentemente mantida por realidades absurdas e inexoráveis (como: pandemia da Covid-19 no Brasil, campos de concentração na II Guerra, perseguições políticas nos regimes ditatoriais). A fome, o não poder trabalhar para se sustentar, para sobreviver e cuidar dos familiares é também uma situação de extremo desespero e impotência, e da mesma forma gera impotência a frustração de não conseguir realizar propósitos, desejos e sonhos de mudança.

Como sobreviver, como transcender esses limites desmotivadores? Cada pergunta e solução vai depender dos horizontes relacionais de quem pergunta. Essa diversidade possibilitará mudanças à medida em que as demandas, queixas, reivindicações e lutos sejam contextualizados no presente, no que está diante de si enquanto aqui e agora. A vivência do presente exila expectativas e medo, surgindo liberdade, quebra de emaranhados sobreviventes e alienadores. O indivíduo ao se perceber vivo, movimentando-se estabelece antíteses aos processos alienantes. Geralmente, aceitar e seguir uma psicoterapia (na tristeza), assim como na fome e nas perseguições unir-se à grupos - a união é a força que transforma - possibilitam saídas. Viver no presente, aceitar suas dificuldades e capacidades, seus limites, sua impotência, neutraliza os fantasmas e faz que se descubra o estar no mundo com alegria, surpresa e felicidade, e consequentemente o presente é recuperado, a impotência é aceita. Essa aceitação é transformadora, pois os limites quando integrados desaparecem!

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