Impaciência

 




Sentir-se impaciente é uma das reconfigurações de dinâmicas psicológicas criadas por novos posicionamentos. A impaciência é um posicionamento a partir do qual o mundo é transformado em fantasia. Tudo pode ser destruído em função da ordem, da sequência e do pensamento lógico, das falsas verdades e espúrios compromissos. Não conseguir acompanhar as dificuldades alheias, por exemplo, estar dedicado a realizar seus objetivos cria atmosferas nas quais o que ocorre é precário e despropositado. A superação de fatos, o abandono de dificuldades e do que pode atrapalhar gera ninhos onde se nutre a impaciência e até mesmo a intolerância. Ela resulta da constatação de incapacidade, da não viabilidade diante do que precisa ser resolvido. O impaciente, assim posicionado, se transforma no único capaz, tanto quanto no frequentemente abandonado e desconsiderado. Ao ser percebido dessa forma, ele é isolado. Sozinho com suas conclusões é deixado de lado para exercer seus processos de impaciência e desespero. Agindo como único capaz e tentando transformar regras e verdades em polos condutores dos processos, ele cada vez mais se isola e é isolado.

É assim que a impaciência sempre conduz ao desaparecimento de perspectivas*, principalmente as de estar com o outro no mundo. Impaciência e isolamento andam de mãos dadas, sempre se apoiam no que deve ser feito e no que não pode ser realizado. É antecipação de processos engendrados pela dificuldade de comunicação com as dinâmicas do mesmo. O querer tudo pronto, o querer para ontem, exige sempre um faz de conta, uma mágica, que só nos mitos, nas quimeras e ilusões pode ser encontrada.

Geralmente, a impaciência é estruturada pelo posicionamento de resíduos, de certezas negadas, de surpresas descobertas que emparedam vivências. Esses resíduos posicionados criam demarcações que precisam urgentemente ser destruídas ou mantidas. A impaciência é o instrumento que se usa para isso e que neutraliza as evidências consideradas lesivas e desagradáveis. Destruir sem reconstruir é o principal posicionamento do impaciente.

Quando a impaciência é questionada, dinamizada, isso impede o surgimento de metas, refúgios e queixas, e só então começa a mudança.


* É irresistível lembrar de Kafka: "O homem tem dois pecados capitais, dos quais decorrem todos os outros: a impaciência e a preguiça. Por impaciência foi expulso do Paraíso e por preguiça não volta para lá. Talvez não haja senão um pecado capital: a impaciência. Por impaciência foi expulso e por impaciência não volta".

 

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