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Ser humano - II

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      A vivência do presente, enquanto ocorrência, fato, realidade e consistência é o que nos possibilita diálogo, encontro. Quando se busca resultados, quando se utiliza o que acontece como matéria prima para realização de desejos, planos e metas, tudo que acontece é transformado em jogo, corrida de obstáculos ou varinha mágica facilitadora de propósitos.   Estar no mundo com o outro é um processo sempre cooptado por um viés utilitarista, isto é, a sobrevivência, pois a palavra de ordem, o objetivo básico do viver é sobreviver. Quando chegamos a essa evidência, viver para sobreviver, deixamos de ser os mais evoluídos animais da escala zoológica, ficamos iguais a todas as outras espécies e sobreviver é a regra, o objetivo. Nesse ponto, vêm as explicações deterministas do comportamento humano, assim como as explicações mágicas fundamentadas em Deus, seres supremos e superiores ou em reencarnações.   Transformado em sobrevivente, o outro existe para ser ...

Ser humano - I

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      O homem, antes de qualquer coisa, é um ser humano. Essa afirmação o classifica na escala dos seres vivos como humano. Seres vivos compreendem Homo sapiens , animais, vegetais e micro organismos tais como bactérias, algas e fungos. Na escala zoológica, o ser vivo mais desenvolvido é o humano. É a complexidade de suas células, agrupadas sob forma de tecidos e órgãos, que lhe possibilita estar nessa posição. Graças a sua estrutura biológica, ele dispõe de maiores condições de relacionamento, alcançando e realizando uma série de possibilidades.   Ele se configura e define por sua possibilidade de relacionamento, e essa abrangência lhe permite vivências amplas. Em uma analogia geométrica, pela verticalidade realiza vivências temporais, e pela horizontalidade exerce o estar no mundo constituído como ponto de encontro de inúmeras coordenadas, de infinitos dados relacionais. Estar no mundo se caracteriza por incontáveis aspectos que podem ser entendidos como iman...

Aletheia – verdade, revelação

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      Do ponto de vista da etimologia podemos lidar com a palavra aletheia não apenas como verdade, seu significado na filosofia pré-socrática, mas também como revelação do que existe. Nesse sentido, o prefixo a é a negação e lethe é o esquecimento. Portanto, aletheia , verdade, poder ser entendida como “não esquecido” ou “o que não está escondido”. Na filosofia grega era a resposta ao desvelamento da descoberta entre ser e realidade.   Freud e Heidegger muito exploraram essa ideia, transformando o significado de verdade em praticamente sinônimo da trajetória que consiste em sair do ocultamento: explicitado no inconsciente em Freud e entendido como o desvelamento do ser em Heidegger.   Saindo da polaridade descrita acima, da dualidade entre ser e parecer, realidade e ilusão ou objetividade e subjetividade, dizemos que verdade é o que se explicita. É o enunciado. Ela está sempre contextualizada no diálogo entre indivíduos, no que a...

Akrasia - é a incoerência

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    Há séculos a vontade como uma força propulsora do comportamento é discutida e problematizada na filosofia, principalmente em seu aspecto de contradição, quando, apesar da existência da vontade para agir de determinada maneira, age-se da maneira oposta. São vivências corriqueiras como ter vontade de ler todos os dias, julgar e decidir que se trata de uma atividade enriquecedora, mas, não exercê-la, não ler todos os dias. Ter vontade de parar de fumar, mas, continuar fumando. São inúmeras discussões que giram em torno da relação entre saber-conhecer, vontade e ação. Afinal, por que, mesmo sabendo que algo deve ser feito, não o fazemos e agimos de uma maneira que, nós próprios, consideramos imprópria? A resposta simplória de que se trata de vontade fraca não esgota a questão. Os gregos chamavam essa atitude de akrasia (falta de domínio).   Akrasia poderia ser definida como incoerência, agir contra o que se pensa e deseja. Essa incongruência, essa incoerência, ger...

Parrhesia – falar a verdade

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    Relembrando os gregos, mais especificamente Eurípedes, o poeta trágico autor de Medeia e Electra, falar a verdade, ter coragem de falar francamente é parrhesia . Palavra grega que significa essência, falar tudo ou falar livremente ( pan = tudo e rhesis = fala). Não é a simples liberdade de expressão, é a coragem de dizer a verdade, mesmo correndo riscos pessoais, é mostrar o que acontece, explicitar o implícito.  A noção de parrhesia foi muito divulgada na segunda metade do século XX por Foucault, principalmente quando ele falava do cuidado de si, enfocando a coragem de falar a verdade como uma das características básicas no comportamento social.   Considero que a primeira exigência ou condição para falar a verdade, para exercer integridade é não estar comprometido com resultados, não estar buscando objetivos que exerçam o ocultamento do que ocorre. Ao mostrar, ao falar a verdade, se abre o leque do que está ocorrendo, se apreende mot...

Autarquia é autossuficiência

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  Outro dia, relendo os estoicos, reencontrei a palavra autarquia. Autarquia é autossuficiência desenvolvida como autonomia, independentemente das circunstâncias. Assim como acontece com os objetos, as palavras também mudam, adquirem novos significados a depender dos contextos que as situam e reproduzem. A palavra autarquia, antes estruturada e referida na esfera individual, institucionalizou-se como instância coletiva, pública. Essa mudança começou com Aristóteles em seu livro A Política quando ele fala de autarkeia para caracterizar a autossuficiência da polis – da cidade – e do homem feliz. Ele afirma que autarkeia é necessária   para a constituição da polis. Trata-se do conjunto de cidadãos felizes e autônomos que podiam constituir a polis.   Acontece que o todo não é a soma das partes. Falar em cidadãos felizes, autônomos e autossuficientes como elementos formadores de uma cidade, que seria, assim, também autônoma, autossuficiente e feliz,...

Vítimas e carrascos

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  Não conseguindo realizar seus desejos e sonhos, muitas pessoas colocam a culpa na sociedade e na educação, ou seja, nos outros. Surgem, desse modo, as vítimas, os frustrados. Essa vivência se caracteriza por inveja, ressentimento e raiva. Transformados em aves de rapina de bico quebrado, nada conseguem, salvo chorar, reclamar e invejar, constituindo o batalhão de ressentidos, agressivos, preconceituosos e discriminadores. De vítimas se transformam em carrascos. Tudo que estiver sob seu controle e ordens é penalizado ora pela humilhação, ora pela exigência de excesso de trabalho. Chefes autoritários e frustrados por não serem os donos da empresa, por exemplo, e donos da empresa insatisfeitos por não serem multinacionais, eles, que não se aceitam e não aceitam a realidade que têm, se comportam como vítimas e como algozes.   Bastaria perceber que, se o mundo que vivenciam, se o que sentem é, por eles próprios, considerado inaceitável, esse estado de não aceitação é que é o ...

Desamparo e soberba

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  As situações antagônicas de desamparo e soberba, ocasionalmente podem   caracterizar algum processo de não aceitação.   Quando não se sente aceito, o indivíduo se percebe sozinho, desamparado, amedrontado, assim como omisso. Eventualmente esse processo é vivenciado e resumido como abandono. Na vivência de abandono surge raiva ou medo. Quando sente raiva é por se perguntar quem o abandonou. Quando sente medo é por sofrer o efeito do abandono sem indagações. Ao interrogar a vivência do abandono ele configura o fato de estar desamparado e isso gera raiva, não aceita ter sido abandonado e, assim, surge a questão: por que fui abandonado? Muitas explicações e razões são atribuídas, até que se esboça uma personificação, uma característica: fui abandonado por ser bonito, por exemplo, ou por ser feio, por ser forte, por dar trabalho. E a partir dessas respostas postuladas é delineada uma particularidade, um traço afirmativo: “sou bonito, sou feio, sou forte”, sou qualque...

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