Ajustes e regulações

Padronizar, regular são adaptações necessárias que realizam o ajuste indispensável ao bom convívio, entretanto, isto pode apenas realizar opressão e submissão.

Ao querer dar certo, ser eficiente, se utilizam modelos decorrentes de avaliações circunstancializadas, de esperanças e consequentes ilusões, desde que o padrão, as regras defasadas são transpostas: são anteriores ao vivenciado, são passado, são voltadas para o futuro, se referem a limites, espaços diferentes dos agora situantes.

Este posicionamento expectante cria tensões, cria angustias e coloca o indivíduo à mercê de autorização, de validação alheia a seus contextos relacionais. Adaptar supõe sempre um propósito ou uma falha a ser corrigida. Os critérios de congruência e validade são fôrmas, moldes que esperam receber a "massa humana" e adaptá-la a objetivos genéricos, não individualizados. Ser moldado é organizador, adaptador, mas também aniquila a liberdade (autonomia).

As regras do bem viver não podem ser resultantes de avaliação e decisão sobre o melhor ou o pior em detrimento da individualidade. Contingenciadas, valoradas em parâmetros extrínsecos, elas invalidam seu objetivo. Alemanha nazista, ditaduras populares e militares, Inquisição, por exemplo, foram responsáveis pela entronização de valores destruidores do bem conviver, destruidores de vidas em função de causas arbitrárias.

Buscar o ajuste para ter sucesso, para satisfazer pais autoritários é fonte de mentiras e enganos na constituição de famílias ditas equilibradas, famílias que funcionam como cobertura de vidas duplas e esgueiradas do que é considerado desadaptado e anormal. Abrir mão dos próprios desejos e certezas para realizar as frustrações e fantasias dos pais, cria base para incestos, pedofilias e outras perversões intrafamiliares, por exemplo. É o ajuste para disfarçar e realizar violência e massacre.

Todo ajuste deve ser questionado para que não se torne uma máscara que se prende ao corpo, dilacerando-o. Vivênciar e questionar as implicações dos próprios atos e desejos é uma maneira de não cair nas armadilhas do devido, do sensato, terreno fértil para preconceitos.

Padrão corresponde sempre às frequências anteriores, regularidades que funcionam, mas que são bitolas defasadas. Comprimir, encaixar subverte o indivíduo criativo e também subverte o "doente", o mórbido, o maléfico. Não há como homogeneizar esta disparidade: o intrínseco do extrínseco, a imanência da aderência.

Liberdade e novidade imperam no mundo humano. Compromisso e repetição limitam o mundo mecânico dos sobreviventes, desumanizados pelos seus anseios e metas. Aceitar a própria condição, seus limites e possibilidades, é a única forma de criar bem viver, bom convívio, harmonia. A violência, que assistimos impotentes, é um dos sintomas das regras sociais, econômicas e psicológicas. Paradoxos e contradições não podem ser resolvidas por decretos, regras, submissão ao certo, devido, autorizado.
















- "Nova classe média? O trabalho na base da pirâmide social brasileira" de Marcio Pochmann
- "A vida do espírito" de Hannah Arendt


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