Arte

Adorno dizia que a arte é antissocial. A arte é superestrutura, neste sentido é reflexo da infraestrutura econômica; por ser reflexo não é antissocial, apenas reflete a infraestrutura que a gerou, entretanto, pode possibilitar novas percepções, questionamentos e constatações, pode expressar contradições, pode ser antissocial. Quanto maior a liberdade e a crítica, mais filtrados os componentes infraestruturais.

Sociedades reguladas por ditaduras (nazismo, stalinismo, castrismo, macartismo, inquisição, por exemplo) obrigam os criadores a tornarem-se reprodutores das ordens vigentes, reprodutores de suas palavras de ordem e conceitos, facilitadores da dominação. A arte soviética, as edificações nazistas, a beatificação geral do dia a dia são artes que reproduzem as ideologias que as abrigam e engendram e ao existirem assim, negam-se como arte, não são criações, são reproduções. Na arte é necessário ter um não, um diferente, um discordante, não legalizado, não estabelecido. Este diferente desautorizado é o antissocial, o que faz diferença e se propaga, se estabelece como arte. A criação regulada por códice político, sob forma de regras e acordos jurídicos, não é arte.

O caráter de antítese, o caráter de discordância da arte faz seu aspecto antissocial no sentido do não enquadrado, não regulamentado. É exatamente este antivalor que cria novos modelos e padrões responsáveis pela mudança, pela novidade.

O artista, através de sua arte, capta contradições sutis e estabelece novos padrões discordantes e antissociais; o pseudo artista se arregimenta de benesses e garantias e tenta se manter incólume e eterno dentro de modelos exíguos do que é aceito, mas o máximo que consegue alcançar é concordância e afirmação dentro do vigente.

Na Idade Média, os pintores ilustravam provérbios e histórias, principalmente as bíblicas; Bosch com seu “Carro de Feno” é exemplar: sua ilustração do real trouxe novos assuntos, novas revelações que se escondiam nas admoestações e assim a arte realizava sua função de antítese ao discurso dominante e justificador de como se vivia.

Abrir perspectivas, criar novos espaços, isto é arte e isto só é possível sem limites às infinitas variáveis que configuram e constroem o processo criativo, o processo artístico. O artista pode ver, pode perceber o que não se vê, o que não se percebe; ele transforma o detalhe em totalidade, possibilitando que novos detalhes e totalidades surjam a depender dos diversos contextos percebidos de sua arte, de sua criação. Lançar no espaço sem o objetivo de controlar onde vai cair é criação, é arte.



- “Teoria Estética” de Theodor Adorno
- “O Belo na Arte” de G. W. Hegel
- “A História da Arte” de E. H. Gombrich


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