Política

“O homem é um animal político”, dizia Aristóteles, ou seja, o homem é da Polis - cidade. Ser cidadão - ser politico - é, então, uma característica natural do homem, segundo Aristóteles.

Com o passar do tempo, o conceito de política fica cada vez mais dissociado do significado básico aristotélico e passa a indicar ações de grupos de poder com seus métodos e propósitos, assim como militância e voto. Política, na modernidade, é sinônimo de estratégias necessárias e constantes para realizar e alcançar cidadania. Exercer a política, hoje, é poder decidir, polarizando anseios, verdades e conveniências de seus representados. Toda ação política, representa, significa, atos libertários ou opressores, democráticos ou ditatoriais.

Os processos históricos das comunidades sinalizam direções que se realizam segundo vetores econômicos. Aqui no Brasil, por exemplo, até o século XIX, vigorava uma sociedade latifundiária-escravocrata, uma organização econômica que mantinha agricultura, engenhos de açúcar, consequentemente, hierarquia social determinante de lideranças políticas. O escravo era o "negro sem alma”, sem voz, sem direito, mera força de trabalho. Transformações econômicas, políticas e estratégias o transformaram em homem livre. Mas, neste processo, desvinculado de seus grilhões, foi transformado em pária social, "negro liberto", sem teto, sem profissão, ex-escravo transformado em “negro de ganho” e mendigo - estabeleceram-se preconceitos e estígmas: de “negro sem alma” foi transformado em feiticeiro, improvisador e fora da lei.

A urbanização, novas políticas democráticas de inclusão e cidadania fizeram perceber que o negro não é ex-escravo, que antes de qualquer coisa, ele é descendente de africanos, com cultura e religiões próprias. Esta nova percepção se impôs, muitos preconceitos e mitos foram mudados ao longo das últimas décadas, cidadania e direitos foram alcançados. Mudando a percepção, muda-se o comportamento: perceber-se descendente de africanos, ao invés de descendente de escravos, permitiu impor-se como herdeiro e detentor de uma cultura, consequentemente de uma religião, permitiu lutar pelo seu reconhecimento e direito de exercê-la livre e dignamente.

Persistem, no Brasil, mentalidades responsáveis por resoluções que tentam novas políticas, estratégias que levam a destituição de direitos, de liberdades anteriormente estabelecidas. Na semana passada, por exemplo, um juiz do Rio de Janeiro tenta inaugurar nova política discriminatória* contra grandes contingentes religiosos e sociais de nosso país, ao postular que “as manifestações religiosas afro-brasileiras não se constituem em religiões”; fundamenta sua afirmação em um conceito judaico-cristão de religião (segundo ele, religião tem por característica definidora “um texto base, estrutura hierárquica e veneração a um Deus”). O que parecia um ato isolado de discriminação tomou proporções mais aviltosas quando a Associação de Juizes Federais do Rio de Janeiro e Espírito Santo posicionou-se em defesa do magistrado. Dias depois, resultado de forte pressão e crítica da sociedade civil e de organizações - OAB da Bahia por exemplo - o Juiz volta atrás e admite que existem religiões africanas. A atitude etnocêntrica esbarrava em todo um processo histórico de forte e densa cidadania: as religiões de matrizes africanas têm inúmeros herdeiros e seguidores no Brasil, além de sacerdotisas e sacerdotes culturalmente engajados e considerados na sociedade abrangente.

A estratégia, a política não se consolida através de ações arbitrárias; quando isto ocorre, o determinante de sua manutenção ou destituição é o processo histórico e econômico estruturante das sociedades e comunidades.

Política é um confinamento ou é uma abertura, permite restrição ou realização; é estratégia e deliberação e como tal é aderente ao estar-no-mundo, embora possa ser intrínsecamente ameaçadora da sobrevivência comunitária e individual.


* Folha de São Paulo: “Umbanda e candomblé não são religiões, diz juiz federal” 16.05.2014





- “The Voice of Africa” de Leo Frobenius
- “Mãe Stella de Oxossi - Perfil de uma Liderança Religiosa” de Vera Felicidade A. Campos
- “Caminhos de Odu” de Agenor Miranda Rocha


verafelicidade@gmail.com

Comentários

  1. Vera, olá! Me chamo Agenor Batista, há muito não vejo este livro Caminhos... Escrito por meu Pai Agenor M. Rocha, nesta segunda edição. Parabéns e guarde-o com carinho, pois contém coisas preciosas no entrelinhas!

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