Sincronização

Sincronização é vivencia do mesmo tempo. A fluidez do presente, a contínua passagem do tempo, permite, em seus instantes, esta vivência; faz com que o espacialmente distante fique próximo, tanto quanto faz com que o próximo seja distante. Ou como já foi expresso pelo poeta Israel Zangwill:


Um dia, estando entre nós dois o Atlântico,
senti a tua mão na minha;
Agora, tendo a tua mão na minha,
sinto entre nós dois o Atlântico.
- Israel Zangwill (1864 – 1929) -*


Sempre vivemos no mesmo tempo - o presente - e o presente sincroniza, entretanto, a espacialização do tempo é frequente. O autorreferenciamento, os desejos e necessidades de cada um, espacializam o tempo. As dessincronias surgem em função de valorações individuais. As sequências temporais são obturadas pela necessidade de focalização de cada um, gerando isolamento. Vivenciar o isolamento geralmente causa ansiedade pois atrapalha as expectativas e os processos de ansiedade quebram sintonias, apontando para os acontecimentos no sentido de evitá-los ou mantê-los. Saber, por exemplo, que todo dia, à mesma hora, o sol se levanta, encontrar regularidade e frequência, comprova expectativas que se realizam, mas as expectativas sempre extrapolam o vivenciado. Vivenciar o que acontece, sem estar preso às comprovações ou expectativas, permite participação, contemplação. Atalhos, pulos, indicam empecilhos, obstáculos, formações participativas arbitrárias, impedindo, portanto, a sincronização. Não havendo sincronização, instala-se a solidão. Sozinho se espera ajuda, participação, reconhecimento, sem se importar com a impermeabilização - com a solidão. Atribui-se críticas e culpas, assim como explicações revoltadas e vociferantes, como tentativa de reaver, de adquirir companhia.

A impermeabilização faz com que tudo que acontece seja tragado, engolido, embora sem deixar marcas, sem exibir trajetórias sequenciais. Este desenfreado engolir, este apoderar-se de vivências e acontecimentos, leva a constantemente verificar o que se tem conseguido, o que pode ser metabolizado, para que os processos alimentadores dos desejos se realizem. Viver em função do sucesso, do poder, de parcerias e prazeres, por exemplo, cria as intermináveis competições, gincanas, nas quais o mais forte, o melhor deve vencer. Esta vitória é também a consagração da solidão, não mais há com quem competir. Perde-se o semelhante, consequentemente as próprias características de sincronicidade, de participação, e nestes casos, o outro, quando apenas é um obstáculo ou um trunfo, deve ser banido como obstáculo, ou exibido como trunfo.

Sincronizar é coincidir, é encontrar o semelhante que constitui nossa humanidade, nossa temporalidade de ser no mundo.

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*  in Poesia de Israel - Tradução: Cecília Meireles


“Ser e Tempo” de Martin Heidegger

verafelicidade@gmail.com 

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