Ziguezagues

Toda dificuldade, toda insatisfação, todo problema não enfrentado, disfarçado ou postergado cria deslocamentos. Esses deslocamentos, desvios de tensão, impõem modificações ao cotidiano, chegando a criar novos hábitos capazes de absorver os resíduos criados pelos desgastes e fragmentações dos desejos não atendidos. É muito comum encontrarmos essa situação em relacionamentos afetivos, principalmente casamentos ou uniões estáveis, quando o relacionamento já não motiva, não significa e os parceiros apenas cumprem papéis e funções.

A invasão da ordem prática, a invasão das conveniências, é também acompanhada de medo, gerador de insegurança, gerador de deslocamentos que, por sua vez, criam dilema. Neste momento, instala-se o “vale à pena ou não?”, o “como fazer?”, o “será que a culpa é minha?”. Interrogações parecidas com questionamentos, mas que são tautológicas: viram e reviram as questões, caindo sempre nos mesmos pontos. Essas repetições, esse não questionar neutralizador de dúvidas, acumula indecisões. São as variações cotidianas, as circunstâncias que passam a decidir o que fazer, perdendo-se, portanto, autonomia, ao seguir a corrente, ao esperar que as coisas se resolvam.

De tanto diluir, cria-se adiamentos geradores de expectativas, medos ou certezas que todo dia têm que ser reasseguradas. Compensações se impõem e tapar buracos, preencher faltas é exigência cotidiana do vazio existencial resultante do medo (omissão) estagnador. Não existe participação, não há questionamento, só tristeza, apatia e dificuldade de perceber, entender e resolver as amarras inibidoras, de percorrer os ziguezagues labirínticos, de redefinir processos relacionais.




“Sujetos del dolor, agentes de dignidad”, de Veena Das

verafelicidade@gmail.com

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