Insuficiências

Sentindo-se incapaz, inferiorizado e subdimensionado para o que pretende e precisa, o ser humano acentua sua impotência e reestrutura suas necessidades e possibilidades a fim de enfrentar e superar situações questionantes e obstáculos, ou, apropria-se de soluções, recursos e métodos por outros estabelecidos.

No segundo caso, o prét-à-porter de solução é aniquilador de autonomia, honestidade e autenticidade, tanto quanto entroniza e cria impostores que de tanto usar o estabelecido, o significante solucionador, se transformam em donos do saber e muitas vezes em salvadores da pátria. Por mais que se tente disfarçar, insuficiências e imitações se evidenciam na esfera privada e pública. A estratégia utilizada para esconder insuficiências é responsável pela criação de tiranos, logo transformados em heróis e heroínas da ordem constituída, pois vivem para esconder tudo que é desagradável, sem nenhuma consequência ou coerência. São aqueles que não conhecem o que é resumido pela reflexão de Heráclito: “É estando em desacordo consigo mesmo que se tem coerência consigo mesmo: uma harmonia que retesa para trás, como um arco ou uma lira.”

Só através do questionamento se restabelece a coerência, a harmonia, o viver a própria vida, acompanhando e decidindo sobre as próprias contradições, suficiências e insuficiências. Isto é diferente de avaliar as próprias capacidades e/ou incapacidades, que é uma atitude valorativa gerada por metas, por comparações; é inveja, medo, vingança que estabelece inferioridades ou superioridades, encobrindo as possibilidades de mudança, as possibilidades de superação.



“A fragilidade da bondade”,  de Martha C. Nussbaum

verafelicidade@gmail.com

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