Omissões e conveniências



Certas contradições, quando não enfrentadas, banalizam o paradoxal. Como não enfrentar o marido que espanca? O patrão que sonega direitos? O colega que humilha? A conveniência, o levar alguma vantagem funciona como impermeabilizadora do conflito, da contradição, transformando ângulos em retas. Nada acontece, tudo é igual. Essa não diferenciação, essa homogeneização de atitudes cria espaços infinitos que permitem deslocar os problemas. Não é o disfarce, o não perceber, é o não agir por conveniência, uma omissão que tenta adiar o inadiável, negar o evidente e explícito. Tais contorcionismos geram tensão, dores em todo o corpo além de pressões responsáveis por desejos, raiva, inveja etc.

Omissão por conveniência estabelece condições para ampliação da não aceitação de si mesmo, aumentando também a necessidade de deslocamentos, desde o abrir mão de direitos para escamoteamento de atitudes, até o chorar e suplicar, como mendicante, por melhores dias, melhores condições, cuidado e apoio.

No ponto de vista psicológico, a omissão por conveniência é um estarrecedor paradoxo, é o equivalente a alguém que para viver e ser feliz, resolve não ter de cuidar, e ainda, destruir o que quer. Fragmentar as possibilidades de ser no mundo a fim de solidificar a satisfação de necessidades é o processo de desumanização que assola as vivências do medo e submissão. Ser fraco, ser vítima, nada possuir justifica o não se aceitar, transforma os problemas em exemplos a exibir ou esconder. Vive para isso, em função dos próprios referenciais, medos, dificuldades e vergonhas, e assim se sente prestável, não prejudicando a própria expectativa de, quem sabe, um dia ser resgatado, absolvido de suas misérias. A vítima sobrevive e espera até que a ansiedade a aprisione.

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