Abdicar




Para inúmeras mulheres que querem filhos, ter o maior desejo realizado pode se converter em fonte de medo e culpa. Ser mãe e não ter como sustentar o próprio filho cria medo e gera insegurança. Esse drama na maioria das vezes é o início de grande culpa. A mãe se sente responsável pelo futuro do filho e não quer que o mesmo sofra pela sua irresponsabilidade de colocá-lo no mundo sem condições de criá-lo. Essa justificativa é, sem dúvida, uma realidade, mas é também uma maneira de neutralizar a impotência.

Assumindo-se culpada, sai da impotência e busca alguém que cuide do filho, entendendo a doação como ato de amor, como ato de salvação. Dá o filho, não para se livrar dele, mas para colocá-lo no caminho da sobrevivência e do sucesso. Às vezes esse processo é também acompanhado da vontade de satisfazer necessidades e aí a ideia de vender o filho, de ganhar dinheiro, aparece.

Mães culpadas conseguem abrir mão dos filhos porque a renúncia como gesto para melhorar o outro, no caso o filho, resolve a culpa; no entanto, aumenta o vazio, a despersonalização, a impotência. Sentir-se irresponsável, culpada por ter gerado uma vida e não ter como cuidar, leva a renunciar. Quando isso acontece, acaba a culpa, aumentando a impotência e a omissão, que são facilmente manipuláveis pelos outros. Surge, então, a submissão, que não resolvida cria mais fragmentação e despersonalização: de mãe incapaz de sustentar o filho vira um objeto que se insere onde possa sobreviver, matar a fome e sedar a dor, sedar a impotência de estar no mundo.

Tudo que não é assumido ricocheteia submetido às contingências, medos e questões não resolvidas, e assim são criados mais problemas sociais, também resultantes de ampliações de impotência e desesperos individuais.

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