Andorinha só voa, não faz verão




A mistura de fatos a fim de tudo explicar, ou para ser edificante embaralha, cria confusão, minimiza ou amplia situações e propósitos. Provérbios são edificantes, tanto quanto são senhas redutoras de explicações e questionamentos. Fazer o verão, atrelá-lo ao voo das andorinhas é um pequeno exemplo de metáforas redutoras. A andorinha enquanto voa, voa por voar somente. Lembrei do soneto de Cecília Meireles:

 ... Porque o poeta, indiferente,
anda por andar - somente.
Não necessita de nada.

Nesse caso, poeta resume disponibilidade enquanto falta de propósitos circunstanciais. Viver sem expectativas nem vantagens é ruim para muitas pessoas, pois o presente não basta, a vida não significa, o que se consegue é o que importa, é o que significa, e assim, filho é para garantir o porvir, trabalho é para o descanso na velhice. Essa é uma contradição que aniquila o vivenciado. O filho não é o filho, não é o amado que se tem, por exemplo, ele é o útil que não pode ser inútil, deve ser educado, cuidado, ensinado. O trabalho é a vantagem para o depois, é o investimento. Nada existe por existir, tudo é para alguma coisa. Difícil admitir que a andorinha voa apenas voando, exercendo, assim, sua condição; difícil perceber o que acontece enquanto acontecido, quando se tem tudo voltado para o depois - buraco negro que engole e faz desaparecer.
 

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