O que faz o humano, humano?


 

O que faz o humano, humano? A vida, a possibilidade de mudança, o nascer, crescer e morrer. Essa definição iguala homem, animal e plantas. Isso significa ser vivo, e a partir desse ponto se começou a pensar em alma, consciência, espírito como diferenciadores do humano. Animais não têm alma? Para os representantes da Igreja, dos descobrimentos à escravidão, os negros e os índios não tinham alma, podendo por isso ser escravizados, não eram humanos.

 

Definir alguma coisa por um supostamente existente – alma, por exemplo – é logicamente precário. Como definir e diferenciar homens de animais? Tentou-se definir pelo pensamento. Afirmar que o homem é um animal racional implica em admitir irracionalidade para os animais. Mas, quando nos detemos nos processos perceptivos, no conhecimento que isso estrutura, vemos que os homens pensam e os animais também, pois ambos percebem e pensamento é prolongamento da percepção.

 

O que faz o homem humano é a possibilidade de questionar e de se questionar. Esse processo simultâneo e reflexivo os animais não têm. Vamos até admitir que eles questionem ao reclamar, ao avançar, entretanto, eles não se questionam.

 

Só o homem se questiona quando transcende os níveis de sobrevivência. Ir além do fato, das circunstâncias, do resultante é a possibilidade de se questionar. Isso é humano, é o que se chama comumente de subjetividade. Subjetivo/objetivo é um binômio antigo em psicologia e já discorri sobre ele inúmeras vezes. Subjetividade é um termo que implica na noção de vida interior e subjetiva e vida exterior e objetiva. Acontece que o que está dentro está fora, já falavam os gestaltistas. Não existe nada que não seja resultado de percepção, da relação com o outro, com o mundo, consigo mesmo. Não há um dentro, não há um fora. Há um dado relacional. A ideia de dentro e fora, decorre dos pressupostos dogmáticos e metafísicos de alma, espírito, vocação e talento.

 

Questionar-se é perceber onde se está, o que está à volta. É a percepção do passado, é memória, é antecipação do futuro, é pensamento. É continuidade, evidência, verificação. Essa mágica correlação de inúmeras variáveis, de infinitas realidades é o que define e caracteriza o humano.

 

Quando religiões, famílias, sistemas políticos, sociedades totalitárias, sociedades democráticas, filosofias comprometidas com valores e ciências dedicadas à facilitação de vantagens econômicas reduzem as possibilidades de perceber, de questionar, elas desumanizam e criam escravos, robôs, servos dedicados a manter o que se conseguiu. Isso desumaniza e esvazia a humanidade. Fazer tudo confluir para resultados, para um programa previamente estabelecido é como a criação de currais, fazendas e empresas que vão extrair e extorquir o máximo de matéria prima, seja da natureza ou do homem.

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