Ser humano - III
No nível de sobrevivência os seres humanos são detidos na satisfação das próprias necessidades entendidas como propósitos, objetivos e contingências a realizar ou evitar. O outro, o semelhante é percebido como o que atrapalha ou como o que ajuda, o que tem que ser evitado ou cuidado. Sobreviver é sempre preponderante.
A história das civilizações e culturas nos mostra isso, mas também mostra o ir além disso. Transcender esses limites é uma constante ao longo de nosso estar no mundo como seres humanos.
Pontualizados na sobrevivência, passamos a ser manipulados pelos sistemas que nos permitem sobreviver. É o ciclo vicioso instalado. É a dialética do senhor-escravo de Hegel e as explicações do Estado e luta de classes de Marx, ou, ainda, é o que diariamente encontramos como desumanização, medo, insatisfação, angústias, raiva e violência. Gritos de socorro, guerras povoando nosso cotidiano.
Perceber o outro é a solução e para isso é necessário deixar de olhar para o próprio umbigo. Não basta mudar o movimento da cabeça ou dos olhos, é preciso descobrir algo que se mova, que exista, independentemente da paisagem, da própria imaginação, desejo ou expectativa. Perceber o outro é quase impossível quando se está contido, limitado nos próprios referenciais. Esse é o grande problema: o diálogo foi transformado em monólogo e o outro englobado é metabolizado em função dos próprios interesses, medos e desejos.
Aceitar os próprios limites, dificuldades e incapacidade muda tudo. A primeira coisa que se consegue é a vivência do presente, é perceber o que existe, o que está diante. A vivência do presente liberta ao neutralizar e destruir metas, desejos e medos do que pode acontecer, do depois. Tudo que está diante de nós é presença, pergunta e resposta.
Sem metas, vivenciando o presente, destruímos o que nos desumaniza: expectativa sobre os fatos, apreensões, medos, desejos e a espera do que irá nos tornar felizes. Sem frustrações ou apreensões estamos disponíveis para vivenciar e dialogar com o que está diante, e, assim, nos transformamos em possibilidades, neutralizando e dinamizando a parada despersonalizante na sobrevivência.
A dinamização, o estar com o outro é o que faz mudar. Nesse sentido, o trabalho psicoterápico é fundamental quando são percebidos e questionados os autorreferenciamentos.
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"Para haver mudança não basta vontade e desejo de mudar, são necessárias antíteses, situações, realidades que se antagonizem" - Vera Felicidade, in: Emparedados pelo vazio - Bem-estar e mal-estar contemporâneos
"Transformar o indivíduo que está impermeabilizado em participante, via enfoque psicoterápico, é criar novos encontros, novas configurações" - Vera Felicidade, in: Autismo em perspectiva na Psicoterapia Gestaltista




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