Incompatibilidades

No trabalho psicoterápico é frequente ouvir pais se queixarem das "incapacidades" dos filhos. A idéia de incapacidade é sempre avaliada em função do rendimento escolar e da socialização. Crianças autistas, crianças com deficit intelectual, consideradas fronteiriças quanto ao QI, ao serem conduzidas às escolas, não conseguem o rendimento desejado. Geralmente os pais não aceitam a afirmação de que tanto faz que seus filhos sejam bem-sucedidos nas letras e números ou em desenho, pintura e dança, que não faz diferença se são alfabetizados, se se tornarão doutores, que o importante para a criança é ser aceita como ser humano que tem capacidades e possibilidades a desenvolver. Quando assim questionados, alguns chegam a afirmar que tudo bem se o filho ficasse só em casa, se não precisasse ir à rua, se não tivesse "vida social", que o avalia e inferioriza.

Público e privado, social e individual, sociedade e família são agrupamentos, são contingências que não se excluem, se completam a depender das integrações exercidas.

A criança aceita como ela é, se torna feliz, espontânea e esta disponibilidade criará algo onde ela poderá exercer excelência. Crianças super capacitadas quando criadas diante de padronizações, mantêm divisões como nós e os outros, sociedade e família, por fim mínguam, colapsam seguindo regras inflexíveis. Este não ver em volta pontualiza, reduz as vivências, as dimensões contigenciadas por utilidade e inutilidade, lucro e prejuizo.

Estabelecer e alimentar o conflito entre indivíduo e sociedade é se dedicar a criar pontes, mediações, aderências destruidoras do processo de ser com o outro à medida que tudo é transformado em posição, pontos a atingir e superar.

Ser humano é ser uma possibilidade que não deve estar estabelecida em parâmetros baseados em necessidades de outros, consequentemente distantes e destoantes de si.

Quando os pais percebem que a sociedade e a família não são antagônicos, que não existe divisão, que tudo é contínuo, eles apreendem a unidade significada pelo filho problemático, deficiente e assim conseguem mudar suas demandas, seus esquemas de pode não pode, libertando seu filho, anteriormente escravo de suas aspirações frustradas. As incompatibilidades são transformadas. Surgem dançarinos, artistas, atores, doutores, professores, cantores, cozinheiros, jogadores de futebol e experts em vida, em felicidade.


















- "Dibs: em busca de si mesmo" de Virginia M. Axline
- "Brilhante - a inspiradora história de uma mãe e seu filho gênio e autista" de Kristine Barnett

verafelicidade@gmail.com 

Comentários

  1. E só quando apresentam baixo rendimento escolar, é que os pais acham que seus filhos precisam de acompanhamento com psicológo. É como se a nota na escola sendo boa, eles não tem suas carencia afetivas ou inseguranças pessoais. Com dois filhos, passei por esta situação. O que estava mau na escola foi para terapeuta o outro "não precisava". E foi aí que percebendo esta "deficiencia" dos pais. Não demorei muito a levar os dois, contra todos que criticaram-me. Hoje eles encaram uma terapia como algo do cotidiano deles e eu sei quantos problemas deixaram de ter ou conseguimos resolver por causa disto.

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    1. Oi Raquel, perfeita a sua observação que conseguiu interromper um processo de problemas que poderia ser muito comprometedor para seu segundo filho. Para estar atento e conseguir observar o que ocorre, é preciso não ter metas - muito boa a sua presença no cuidar de seus filhos! Parabéns.

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  2. Em tempo: "o que estava MAL na escola". E ..".dos pais, (virgula) não demorei". desculpa na pressa, não revisei. Um grande abraço.

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