Previsibilidade

Toda vez que os desejos e motivações de ser aceito, de vencer e conseguir são os determinantes do comportamento, a atitude dos indivíduos é previsível. Esta constatação rege a publicidade, tanto quanto os programas para angariar votos e criar plataformas eleitorais, por exemplo. Assim, transformados em peões, no grande xadrez das decisões empresariais e corporativas, é previsível o que o homem fará, o que lastimará, tanto quanto o que o deixará feliz e contido. Nas famílias, nas relações afetivas, no dia a dia das clínicas psicológicas, trabalha-se e vivencia-se estes resíduos.

Descortinar o futuro, saber o que vai acontecer aos “amores felizes” torna-se um mero cálculo aritmétrico: somar, dividir, diminuir, multiplicar. De peões a números, da estratégia utilizada para massa de manobras à quantificação de seus resíduos, o ser humano é transformado em quantitativo. Substituído, reciclado, quantificado - tudo é previsível: doenças, exacerbações temperamentais,  acessos de violência e acumulação de medos. O padrão depressivo ficará em alta, juntamente com as explosões de agressividade. As vendas de antidepressivos e o aumento dos megashows são esperados e significam bons investimentos econômicos.

Esperar, agora, é saber o que vai acontecer dentro do programado. A partir deste parâmetro, a espera, a indecisão, a dúvida criam uma ansiedade de controle. Sendo impotente ou capaz na administração de resultados viáveis e alinhados com as próprias motivações e desejos, o que se faz é exercer o controle do outro, o controle das variáveis, o controle do mundo como forma de acerto e vitória. É um jogo esvaziador. Sem novidade, sem surpresa, apenas repetição criando isolamento estruturador de autorreferenciamento e solidão; sequer se coloca “virar a própria mesa”, mudar as regras do jogo, não jogar. Vida limitada, desejos e soluções limitadas, a previsibilidade se impõe inclusive como forma de felicidade: o futuro programado, a aposentadoria amealhada desde cedo, os filhos preparados para conviver com 9 bilhões (provavelmente falando chinês) é o novo mundo previsível.
 














- “Observações sobre a Filosofia da Psicologia” de Ludwig Wittgenstein
- “Esopo Fábulas Completas”, Ilustrações de Eduardo Berliner



verafelicidade@gmail.com

Comentários

  1. Olá Vera ,eu gostei muito do seu artigo.Um Feliz 2014 !!!!

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  2. Nossa, muito bom! Concordo plenamente com tudo o que foi escrito em seu texto. As representações sociais dominam a humanidade... vivemos a era do individualismo, competitividade, consumismo e, infelizmente, a era da medicalização da vida....
    Sou recém formada em psicologia e me identifico muito com a abordagem humanista... tenho acompanhado o grupo no facebook da Psicologia Humanista e, através dele, descobri seu blog e tenho achado muito interessante seus textos.. parabéns!

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  3. Olá Karina,
    Pertinentes suas observações e muito obrigada! Abraço, Vera

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