Metas e vacilação

Só é possível decidir quando se está inteiro. O indivíduo dividido, circunstancializado e dependente de aprovações e resultados, não decide, avalia segundo critérios e valores e ao se resolver por algo - significante positivo em relação ao que quer - estabelece uma contradição com outras situações também significativas para si.

O medo de perder, de ser retaliado e outras contrapartidas despersonalizantes, cria dúvidas, tristezas traduzidas por choros, dores e desespero. Decisões fruto de avaliação são facilmente mudadas, são contingências estribadas em valores. Avaliações sobre o que será bom ou será ruim são usadas como pressões para fazer o outro agir conforme interesses. Criar situações funciona como verificadores do exercício do domínio/submissão que estão em jogo.

Quanto maior a fragmentação, mais difícil encontrar situações polarizantes. Nada é recomposto por muito tempo. Todo arranjo facilmente se quebra; as dores e incompatibilidades aumentam; consequentemente diminui a condição de decidir.

Não aguentar mais situações que são mantidas por conveniência, cria abismos, divisões impossíveis de gerir. A vivência desta impossibilidade desencadeia sintomas: crise de pânico, medo, dores e dificuldades de enfrentar o próprio cotidiano. A depressão pode aparecer como trégua necessária ao desespero de não saber o que fazer ou de saber e não conseguir, não querer, não poder.

Para o ser humano, abrir mão de sua condição de decidir é abrir mão de sua individualidade, é virar realizador das vontades alheias, instrumentalizador e gerenciador de vantagens/desvantagens. Sem decisão, apenas se segue a corrente. Esta circunstancialização, esvazia e desumaniza ao criar apegos, hábitos e vícios deslocadores das tensões geradas pela impotência, impotência essa criadora de ansiedade.

Sem questionar a impossibilidade de decidir, ocupa-se e preocupa-se com resultados, garantias e assim constrói ansiedade, ciclone responsável por tirar do próprio corpo e contexto, toda possibilidade de motivação e bem-estar. Esta  perda de espontaneidade, de decidir, de responder à totalidade do que ocorre, faz perder autonomia, gera dependência e despersonaliza.

O processo de despersonalização cria seres apegados, submissos, fragmentados, cheios de raiva, medo, revolta e contradição. Abrir mão da própria vontade em função de ser aceito, leva à situações nebulosas que arruinam as próprias bases estabelecidas de controle e avaliação.



















- “O Conceito de Angustia” de Søren Kierkegaard
- “A Felicidade Humana” de Julian Marias


verafelicidade@gmail.com

Comentários

  1. Após ler este belíssimo texto, agora mais do que nunca, lutarei a cada dia pelo que acredito e pelo que sou, quer desagrade alguns, que agrade nenhum.

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    1. Boa tarde Róger,
      Que bom que meu artigo incentivou suas determinações e questionamentos. Abraço, Vera

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