Artimanhas

Vencer obstáculos é enfrentar dificuldades. Nem sempre esta obviedade é realizada: medo, preguiça, oportunismo, “queimar etapas” para mais rápido atingir o que se deseja, se interpõem para neutralizar dificuldades e aproximar resultados. É uma contravenção, uma interrupção do processo responsável por criação de novos contextos enfraquecedores de obstáculos. Este arranjo cria variáveis diluidoras. As dificuldades, os problemas são escondidos, metamorfoseados.

As vitórias ou fracassos não mais se referem aos obstáculos e sim aos resultados propiciados pelo disfarce dos mesmos, ou seja, se referem aos suportes, imaginados, solucionadores ou problematizadores. Em lugar de vitoriosos ao enfrentar dificuldades, surgem arregimentadores de contradições que possam escamotear dificuldades. É o jogo. Tudo se desenvolve neste contexto de estratégias que orientam ou engrandecem problemas em função de interesses, comprometimentos outros que não os da própria situação originadora das dificuldades.

Nas situações legítimas de enfrentamento de obstáculos formam-se consistência, firmeza, determinação. Ao burla-los, as pessoas se pressupõem espertas, oportunistas, que tudo conseguem ao se apoiar em situações extrínsecas ao contexto de dificuldades para escondê-las em função de resultados previamente cogitados e acertados. Roubar, desviando águas de rio para criar escassez e com esta dificuldade vender água, por exemplo, é uma maneira de criar obstáculos, vender soluções e estabelecer lucro e poder, ou ainda, criam-se os vírus para vender os antivírus. São, assim, estruturados os oportunistas, pragmáticos e desonestos. Gerar medo e insegurança é um terreno para propalar esperança, otimismo e luta por melhores dias.

Enfrentar dificuldades é a única maneira de vencer obstáculos, de transformar limites e descobrir novas paisagens, tanto quanto a própria capacidade de mudar, tolerar e realizar. Nas artimanhas, tudo isto se perde. Nada se edifica, salvo quantidades de dinheiro, poder e alienação. Abrir mão das possibilidades humanas, do estar no mundo com o outro é se dedicar a construir gaiolas de abastecimento e proteção. Este Homo faber posiciona suas possibilidades em função de sobreviver, fazendo cada vez menor seu universo.



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