Muito desespero cria esperança


Foto: Paul Gawsewitch


É quase um oximoro dizer que desespero cria esperança. Psicologicamente essa situação não é vivenciada enquanto paradoxo graças à divisão criada pela não aceitação do que se vivencia, do que ocorre.

O auge do desespero pode ser vivenciado enquanto submissão ou revolta, pode neutralizar contradição ou acirrá-la à depender de como seja vivenciado.

Submeter-se ao que desespera, amargura e infelicita é típico de indivíduos habituados à passividade. Para eles, não agir, não reclamar é a garantia de alguma coisa receber, alguma coisa conseguir. A omissão, resultado da submissão, abre portas. Essa é a esperança acalentada: quanto mais se suporta, quanto mais se sofre, quanto maior o desespero, melhor e mais possível é a recompensa, não há contradição, desde que o que desespera é o caminho para o final feliz, é a esperança de melhora. O chegar ao “fundo do poço” abre perspectivas, cria esperança, desde que pior não pode haver e assim se unifica contraditórios, se acredita em mudança.

É necessário sempre se deter nos estruturantes individuais para compreender e perceber suas divisões, distorções e contradições, frequentemente neutralizadas pela magia do não percebido, do não configurado por eles. Na submissão tudo pode ser apaziguado, desconsiderado, divisão e antagonismos negados em função de carências e expectativas. A certeza de que nada há além do fundo do poço é uma figuração que torna densa, que dá corpo à esperança, propicia saídas solucionadoras nas quais nada confortante é vislumbrado.

Não aceitar o limite, negá-lo por meio de hipóteses solucionadoras é alienante. Cada vez mais afastado de si mesmo o indivíduo se encontra no outro, que assim é reduzido ao braço amigo ou à mão que alimenta. Viver para receber suprimentos cria fileiras de pseudo incapacitados esperando ajuda. A passividade, decorrente da submissão, estrutura os alienados esperançosos de melhores dias, esperançosos por chefes e políticos amigos, salvadores e Messias.

Quando o desespero, em seu limite máximo, é vivenciado como revolta, tudo muda. O novo se instala e o indivíduo percebe sua alienação, sua submissão e já não há esperança. É necessário agir, agora buscando parar a roda do que desespera, seja aceitando-a, por impotência, seja desmantelando-a. Destruir o que desespera é destruir o que aprisiona, limita e engana. Nesse caso não há paradoxo, a atitude é unitária, o indivíduo inteiro confronta o que o desespera e assim recupera suas dimensões humanizantes, seja por aceitar, seja por mudar o que o desafia, comprime e massacra.

Quanto mais desespero, mais alienação, mais esperança, consequentemente mais submissão, tanto quanto, quanto maior for o questionamento ao que desespera, menos alienação, menos desumanização, mais libertação.


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