Orar, acreditar e esperar



Quando se sente impotente ou acuado e quer uma saída, amplia o desejo de solução rezando e esperando. É tão intenso o deslocamento das impossibilidades que os cascalhos ou resíduos da tensão construirão caminhos para solução dos impasses. Assim, rezar, fazer promessas para conseguir o emprego, dá a certeza que o emprego virá.  É instalado o universo mágico no qual a espera é solidificadora, pois tudo virá a seu tempo. Não há ansiedade, ela é substituída pela fé e os rituais (compulsões) que a entronizam.

A transformação do desejo, sustentada pela impotência, cria, por meio do deslocamento, a esperança e o otimismo. A fé é o pilar que tudo sustenta e este outro mundo criado, aos poucos é corroído pelas areias e pedras da realidade. Os suportes dessa crença, dessa fé decorrente do deslocamento da impotência, é sustentado pela alienação e medo, portanto, quanto mais se humilha, mais vitimização e necessidades nutrem seus sonhos e desejos. Jogar os desejos na infinitude da espera e da esperança é estar seguro na expectativa de receber as divinas dádivas e assim ter adormecida qualquer contradição que lhe permitiria andar, participar e lutar para transformar o que lhe deixa incapaz e impotente.

Enfrentar problemas é ultrapassar limites sem condicioná-los às expectativas de solução. Enfrentar esperando, enfrentar desejando, apenas divide a ação da motivação. Essa divisão desumaniza ao ponto de a esmola, a doença, a necessidade passarem a ser percebidas como soluções enviadas pelos emissários de suas preces e desejos.

É assim que, ao entrar no universo não existente, criado pelo deslocamento de não aceitação do desemprego, por exemplo, da fome, da doença, da separação do que ama, o indivíduo desloca e pela miragem atinge oásis onde crescem delírios e alucinações conduzidas pela ansiedade, o medo e a fúria que tudo destrói.

Negar a realidade é surfar no abismo do vazio no qual nada cresce e toda vitalidade evapora e é drenada pelos desejos construtores de abundâncias imaginadas.


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