A dor




Geralmente todo corte abrupto é sem anestésico. Psicologicamente, a vivência da dor, da falta de alguém, por exemplo, ou do medo ou traição causada pelo próximo cria paroxismos dolorosos. A continuidade dessa vivência gera hábitos como maneira de suportar o vivenciado de deixar de sofrer ou de ter dores, mas é ficar na expectativa do inesperado que pode ser mais doloroso. Apanhar dia sim, dia não, seja do pai, da mãe, do marido ou do amante cria regra. Frequência que passa a modular pelos seus intervalos: as intermitências preparam os momentos para apanhar. Conviver com o que maltrata ou destrói é, muitas vezes, viciante.

Na sociedade, as explicações econômicas e as atitudes dos exploradores passam a ser bem esperadas pois trazem pão, água e às vezes afagos. Come-se o pão que o diabo amassa para se chegar ao alívio da fome ou até para se chegar a Deus. Assim, o conformismo é muito oportuno, é pela submissão que se sobrevive e continua sendo alimentado e mantido. “O homem é o aprendiz, a dor seu mestre” é situação tão frequente que até mesmo merece poesia como essa de Alfred de Vigny.

Submissão, despersonalização, coisificação, alienação é transformação do ser humano em objeto, massa de manobra para alimentar as fogueiras ditatoriais, sociais, afetivo familiares e religiosas. Quando o ser humano é reduzido à sua dor, o que sobra dele é o grito, o uivo ou a foto resumidora do desespero. O quadro de Ernest Munch (O Grito), o poema de Ginsberg (Uivo) e a foto da criança queimada por napalm são ícones edificantes de nossa sociedade, pilares que marcam e mostram que o indivíduo, mesmo destruído, permanece e ilumina, educa, ensina.

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