Nada além do que se vivencia

 



Nada além do que se vivencia, essa aparente pontualização, nada mais é que a total vivência de estar no presente contextualizado no próprio presente.

A vivência do presente contextualizada no presente é característica da infância feliz (cada vez mais inexistente, pois invadida pelas regras e normas de utilidades, vantagens e necessidades). É também frequente, embora fugaz, nas vivências afetivas nas quais, pela intimidade, pelo prazer se é cercado por um turbilhão circunstancializador. São cada vez mais raras essas vivências, pois as expectativas de resultado, o medo de ser rejeitado, tanto quanto os anseios de conquistas interferem nas vivências do presente. Criam ilhas de expectativas e os recursos apelativos de performances e imagens voltadas para conseguir realizações geram simulacros, escondendo o que se é e revelando outros aspectos considerados aceitáveis e irreprováveis.

Sem vivenciar o presente contextualizado no presente são construídas paredes protetoras, que são também as escadas para se realizar os desejos, as metas. Essas paredes fazem o sol nascer quadrado. São prisões que protegem e isolam. Estar sozinho, entregue à busca de realização, de consecução de objetivos, é perturbador, é apoiar-se em todos os clássicos incentivos para realização, é mergulhar no tumulto das não aceitações e expectativas. Nessa balbúrdia, nessa confusão se perde discernimento. Qualquer coisa que agrega para o que se objetiva é agarrada. Perde-se, assim, critérios, ética. De repente a mão que espanca é a que aquece e situa nas trevas da solidão.

Quando não se vivencia o que ocorre enquanto situação que ocorre, quando se agrega a ela valor, medo, metas e objetivos, o mundo é diluído em medos ou espera, em antes ou depois que apenas nega o vivenciar, agregando inúmeras variáveis às mesmas distorções, mesmo que aparentemente reconfigure melhor aspecto à vida. Essas aderências são esvaziadas pois se referem ao que não existe, às situações que não se dão enquanto aqui e agora e assim, consequentemente, são criados limbos esvaziadores.

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