Riscos



Após experiências de abandono, tristeza e isolamento, o indivíduo pode concluir que nada há de mais seguro que a imobilização. Essa conclusão traz tranquilidade, mas também desespero. Ele começa a ter medo de perder a paz encontrada na imobilidade solitária, e assim se desespera. Acontecer alguma coisa que ele não consegue controlar, cujo domínio o exila, é aterrador.

No tratamento psicoterápico, a recuperação dessa configuração é difícil e lenta. Fazer a pessoa descobrir que existe um outro além dela própria, e que não a ameaça nem cobra, mas assiste, é o início da restauração, é a descoberta de estar no mundo e a recuperação do perdido. É uma vivência de tateios, de insegurança, de expectativas, mas é uma vivência de algo além de si mesmo, e isso é dinamizador. É se arriscar a viver, é sair da casca, é se levantar do chão.

Socialmente, o equivalente dessa situação psicológica é encontrado no modo como as mulheres (metade do planeta) são tratadas. Pequenas leis, novas políticas trazem de volta universos. A mulher descobre que pode decidir, que não precisa se submeter, que teto e segurança não são pagos se sujeitando a opressão e até a espancamentos. É uma mudança e é um risco enfrentar a fera (companheiro ou Estado) que agride e mata. Toda vez que se visualiza risco, que se percebe que para sair de situações desalentadoras é preciso mudar, é preciso enfrentar o poder, se percebe que isso é quase sinônimo de cair no abismo.

Ter vontade, ter individualidade, fazer escolhas, decidir é uma maneira de quebrar regras, romper grilhões aniquiladores. Em certas situações correr riscos é uma vitória, é o pomo de ouro conquistado.

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