Liberdade, Igualdade, Fraternidade

“A Tomada da Bastilha” por Jean-Pierre Houël (1789)


A grande revolução social - a francesa - erigiu este lema: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. A Queda da Bastilha consolida os ideais revolucionários. A liberdade se instala, já não se mantêm confinamentos e torturas destruidoras do homem. A Queda da Bastilha na prática e simbolicamente realiza o ideal dos cidadãos livres: é a prisão destruída.

No final do século XVIII, com a Revolução Francesa, a Queda da Bastilha, a consolidação da independência dos Estados Unidos rompendo com a Inglaterra, assistimos à expansão dos ideais de não submissão a governos absolutistas e a reis déspotas.

Duzentos anos depois, no século XX, não conseguimos entrar no reino da igualdade, malgrado todo esforço do socialismo soviético. Suas dachas escureceram esse ideal.

No século XXI acirram-se as contradições, a desigualdade é tão forte que ameaça a liberdade. Os indivíduos pensam apenas em sobreviver, não importa como. Tragados pelos mercados heterogeneizadores, o mundo está reduzido aos que podem comer, dormir em casas ou ser equivalentes à dejetos urbanos. Solidariedade desaparece a cada disputa por abrigo, segurança e conforto.

Este século XXI é decisivo para realizar igualdade, até mesmo como forma de sobrevivência da liberdade. Sem igualdade não há como manter a liberdade. Frequentemente liberdade e igualdade caminham em sentidos opostos, é paradoxal, mas é a essência do arbítrio dominador, da manutenção do poder, da mais valia e do esgotamento de recursos do ser humano e de seu habitat. Todos confinados submetidos e ameaçados pode vir a ser o confronto, a destruição igualitária que conduza à fraternidade, sendo que antes da mesma ser inaugurada continuaremos assistindo aos canibalismos atuais: exploração de mulheres, pedofilias, redução do homem à condição de boca que come, corpo e músculo que trabalha.

Os grandes ideais iluministas - Liberdade, Igualdade, Fraternidade - estão, agora, transformados em segurança - fechamento em ilhas condominiais de conforto -, índices de preferências - dos vinhos aos prazeres e locais de entretenimento nos quais o fraterno, o semelhante é o que não ameaça, o que contabiliza recursos para manter longevidade.

Acontece que para o ser humano a percepção da existência é fundante, não se ancora na necessidade de existir. Essa possibilidade de transcender limites e contingências permitirá mudanças e assim sairemos das trevas atuais para iluminações vindouras nas quais o priorizado será a fraternidade, a irmandade que implica na percepção do outro como continuação de si próprio e não como alavanca, instrumento a ser utilizado para realizar desejos, metas e necessidades.

Se conseguiu liberdade mas não se conseguiu igualdade. Será somente pela fraternidade - que resulta da antítese entre o livre e o igual - que a afirmação humana ocorrerá. O homem povoará a terra enquanto tal, como indivíduo, e não por meio de hordas colonizadoras e engenhos massificadores. Será nosso único resgate possível enquanto humanidade ou então morreremos confinados em espaços murados que nos protegem, que, asfixiantes, nos destroem, nos deixam imóveis sob redomas diferenciadoras e destruidoras. Após a luta entre livres e iguais atingiremos a fraternidade. Bastando ser, bastando respirar e conviver. Ordens, regras e hierarquias serão quebradas, o Iluminismo buscado no século XVIII atingirá sua verdadeira dimensão: ser no mundo com os outros em espaços iguais, comuns e fraternos, harmônicos. Só com essa mudança será possível manter a liberdade, a igualdade: não há padrão, não há medida, existem apenas seres individualizados em função de seus contextos, suas possibilidades e disponibilidade. Os grupos, as manadas e rebanhos destruídos trazem novos significados a seus integrantes (liberdade) e a igualdade é percebida, ela é um agrupante pois polariza solidariedade, fraternidade.

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