Delimitações e impermeabilizações

 


 

 

Inúmeras vezes o isolamento, o estar separado do que ocorre aqui e agora, do outro, do mundo enfim, resulta de estar protegido ou protegendo-se, de estar sempre verificando possibilidades e avaliando, buscando o melhor para si, gerando em última instância, impermeabilização característica do autorreferenciamento, das respostas contextualizadas em referenciais próprios.

 

Rezar, torcer para que tudo dê certo, apoiar-se no pensamento positivo, criar redes de afeto e proteção através de atitudes consideradas transcendentais são exemplos de delimitações que impermeabilizam. A meditação, por exemplo, considerada pelos espiritualistas como um instrumento de ultrapassagem de variáveis do estar no mundo, cria impermeabilização sustentada pelas bases residuais do que se ultrapassou. Isso acontece com qualquer delimitação, seja busca de transcendência, seja busca de situações mundanas a alcançar e a evitar. Tudo que é transformado em contexto para estabelecer participação, em ponto de convergência a partir do qual são configurados os relacionamentos, cria isolamento.

 

As tentativas de neutralizar problemáticas psicológicas – medo, ansiedade, depressão etc. – através de práticas de auto-ajuda têm gerado mais fragmentações, alienando e contingenciado as pessoas a suas necessidades. Podem ajudar a sobreviver, mas aprofundam o isolamento, a fragmentação dos processos relacionais, a impermeabilização, a falta de espontaneidade, afastando o outro, afastando o questionamento que propiciaria a quebra do enclausuramento e do ciclo vicioso de dificuldades.

Comentários

  1. Vera, concordo com o parágrafo em que diz que as práticas de auto-ajuda fragmentam e aprofundam o isolamento. Mas a questão da busca do transcendente me confunde, por exemplo a religiosidade (não encontro a etimologia nem o conceito de religião como o entendo), implica a crença na espiritualidade, a meu ver; não falo do uso dela politicamente, utilitariamente, como instrumento de opressão e poder, muito pelo contrário, a vejo como percepção(acredita?) , e de uma maneira que contraria como em geral usam o "sobrenatural " Ih! não estou conseguindo me expressar. É um assunto complicado de colocar em palavras. Assim como a experiência da meditação. bjo grande

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    1. Ana, leia o texto no próprio contexto do mesmo. Quando falo em transcender estou me referindo ao que as pessoas pensam estar fazendo. A ideia básica do artigo é que sem metas, se aceita o que acontece. Só assim se cria condições de transformar o acontecido, ou integrá-lo. É assim que as coisas podem mudar. A fé, a crença é sempre um deslocamento. É a esperança, que no geral gera distorções, no mínimo sob forma de expectativas. Mas é muito boa sua ideia de espiritualidade como percepção, ou seja, vivência.

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  2. e gostaria de ler mais sobre memória e lembranças. Me indica algum livro? bjs

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    1. Quanto a livros sobre memória e lembranças, você vai encontrar o assunto incluído nas várias teorias psicológicas: behaviorismo, psicanálise, gestaltismo. A questão de lembranças amplia um pouco para a área de romances, histórias vividas, desde o nosso Éramos 6, até Montanha Mágica, Os Buddenbrooks etc. Beijos

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  3. Memória e lembranças... exatamente Vera! Disse tudo. Obrigada. Bjs

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  4. Minha experiência com autoajuda foi decepcionante, pois observei que gera frustração e mais baixa estima em muitos casos. Teve um livro que gostei, sobre como se livrar de manipuladores. Não entrega em geral o que promete.

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