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Mostrando postagens de outubro, 2019

A dor

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Geralmente todo corte abrupto é sem anestésico. Psicologicamente, a vivência da dor, da falta de alguém, por exemplo, ou do medo ou traição causada pelo próximo cria paroxismos dolorosos. A continuidade dessa vivência gera hábitos como maneira de suportar o vivenciado de deixar de sofrer ou de ter dores, mas é ficar na expectativa do inesperado que pode ser mais doloroso. Apanhar dia sim, dia não, seja do pai, da mãe, do marido ou do amante cria regra. Frequência que passa a modular pelos seus intervalos: as intermitências preparam os momentos para apanhar. Conviver com o que maltrata ou destrói é, muitas vezes, viciante. Na sociedade, as explicações econômicas e as atitudes dos exploradores passam a ser bem esperadas pois trazem pão, água e às vezes afagos. Come-se o pão que o diabo amassa para se chegar ao alívio da fome ou até para se chegar a Deus. Assim, o conformismo é muito oportuno, é pela submissão que se sobrevive e continua sendo alimentado e mantido. “ O homem é

Exílio e esquecimento

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Ser exilado da própria terra, do lugar onde se nasceu e vive, seja por guerras, fome ou perseguição político-ideológica deixa marcas, resíduos não superados. A expectativa do não mais sofrer torturas nem abusos, como aconteceu aos presos políticos da ditadura brasileira de 1964; o ter se salvado dos campos de extermínio nazistas por fração de minuto na saída de um trem de prisioneiros, são vivências que marcam e dificultam flexibilidade e disponibilidade. Imaginar que poderia ser aprisionado, ver que milhões de outros foram exterminados ou torturados são referenciais que causam tristeza, desesperança, medo e mágoa. A construção de novas vidas supõe quase um apagar das anteriores. É uma transformação, às vezes uma violência que se exige. Tem que desaprender, esquecer, deslembrar, como dizia Fernando Pessoa. Parir-se de si mesmo e por si mesmo é um acontecimento que ultrapassa todas as identidades construídas e adquiridas. Mas a terra nova apesar de estranha é também familiar, p

Legalidade e legitimidade

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Legalidade não significa legitimidade. Discussões em torno do que é próprio, adquirido, legítimo, natural, em geral se constituem em divagações sobre as realidades discutidas ou questionadas. Essa técnica ou essa síntese das contradições pode legalizar, mas não legitima. O legítimo dispensa construções em torno. Luypen, fenomenólogo, já escrevia: “quando se trata de direito, não há legitimidade” . Não se discute a legitimidade da fala, embora se possa discutir sobre o direito de falar, proibindo ou permitindo. As relações configuradoras de legitimidade são intrínsecas ao legitimado, enquanto as relações configuradoras de legalidade sempre são extrínsecas ao legalizado. Esta questão sobre ser intrínseco ou extrínseco é fundamental, pois estabelece direções e cria também distopias. O legítimo não impõe, nem resulta de processos, é o próprio configurador de estruturas, de situações. Quando se tenta julgar ou afirmar legitimidade, já se incorre em complexidades, pois afirmar legit

Estratégias

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Estratégias são constantes como maneiras de atingir objetivos. Nem sempre os objetivos significam realizações materiais, às vezes eles significam camuflagens e como tal não deixam de ser uma realização enquanto ação com o único objetivo de esconder. As imagens fabricadas decorrentes dos processos de não aceitação de si, das origens familiares e realidade sócio-econômica levam as pessoas a inúmeros disfarces, a criar infinitas estratégias. Compensar, dissimular fracassos, ou o que se quer evitar que seja descoberto, é constante. Nosso sistema sanciona e incentiva as estratégias: das plásticas rejuvenescedoras, às atitudes pseudo generosas e solidárias - por tabela - quando se quer demonstrar boa formação social e humanista. A política é um campo fértil para estabelecer estratégias: o sorriso amoroso, o abraço afetuoso em crianças,  as visitas e o tempo gasto nas periferias das cidades, e exibido pelo marketing, são poderosos ingredientes de vários articulações. O disfarc

Às apalpadelas

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De esbarrão em esbarrão se consegue descobrir o que evitar e por onde andar, assim como consagrar a experiência como uma chave que tudo abre e ilumina. Sem apreender as relações que constituem os fenômenos, a totalidade do que aparece se parcializa, dicotomizando o vivenciado. O todo não é a soma de suas partes, ele é o qualitativo que tudo esclarece, daí ser apreendido por meio de insights - apreensões súbitas de suas relações constituintes. As distorções na percepção da totalidade descaracterizam o vivenciado enquanto presente, pois o que se percebe é inserido em outros contextos. A conhecida parábola do elefante e dos homens cegos é  emblemática: um grupo de homens cegos, que nunca se depararam com um elefante antes, tentam defini-lo tocando partes de seu enorme corpo. Cada cego sente uma parte do corpo do elefante, mas só uma parte, como um pedaço de uma pata por exemplo, ou a trompa, ou a orelha. Então, cada cego descreve o que percebe, baseando-se em suas experiênci