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Mostrando postagens de julho, 2020

Disponibilidade

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A disponibilidade só é atingida quando não há existência de propósitos e desejos a realizar, isto é, quando o determinante de vivências, participações e escolhas são estritamente em função do presente. Essa condição é difícil de acontecer, ela só é possível quando o futuro - o que está colocado para depois - se constitui em perspectiva, em continuidade do presente. Mas acontece que frequentemente o futuro, o depois é espacializado e buscado, é o lugar, o ponto do sucesso a atingir, ou o lugar a contornar, a morte a evitar. Preso a desejos, o indivíduo transforma a disponibilidade, o estar aberto ao que acontece, em possibilidade de renúncia, em desapego. Essa colocação implica sempre em compromisso. Estar disponível não é o contrário de estar comprometido, pois as atitudes de disponibilidade são estruturadas pelos processos de aceitação do estar no mundo com os outros, de perceber possibilidades e necessidades, de enfrentar, transformar e aceitar limites. Manter apegos é semp

Desumanizar

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Tendo o chão que pisa destruído e ficando sem base resta ao ser humano constatar o ocorrido. Isso é feito na vertigem. Nesse vórtice descobrimos que a natureza, o verde, o ar, a água e a terra diminuíram, quase desapareceram. Valores como fraternidade e solidariedade também são escassos. Sobra a tentativa de equilíbrio, sobram desejos e impotência. Manter-se em pé com possibilidade de conseguir andar e criar caminhos é tudo que se pode almejar. Nesse contexto aparecem também invasores, criadores de outras superfícies que agem acreditando que pular sobre as cabeças dos outros, cortá-las como apoio pode trazer resultados rápidos e profícuos. Ao perder seus referenciais humanizadores, quais sejam o mundo como realidade, a natureza mantida, o ar despoluído, o clima sem cataclismas, o outro vivo e livre com valores relacionais significativos, com autonomia e disponibilidade, ao perdê-los o indivíduo se encontra exilado de sua humanidade, só lhe restando lutar para sobreviver. A luta pela so

Preservar e continuar

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Pela memória conseguimos a proeza de preservar e continuar. A memória permite manter acesas inúmeras vivências que possibilitam sequência, continuidade necessária para identificar pessoas e tornar possível a manutenção ou abandono de experiências catalogadas como agradáveis, úteis, inúteis e desagradáveis. O potencial do ato de memorizar depende fundamentalmente de quanto se vivencia o presente. Disponível e dedicado ao que se vivencia, se consegue memorizar e oportuna e contextualmente reproduzir. Os palácios de memória elaborados por Matteo Ricci, por exemplo, eram um engenho para se conseguir memorização por meio de vivências presentificadas. O jesuíta italiano, que viveu como missionário na China a partir de 1596, impressionava os chineses com sua erudição e cultura geral, com sua capacidade de memorizar grande volume de informações. Ricci então escreveu o Tratado Sobre as Artes Mnemônicas com o intuito de difundir suas técnicas de memorização e de atrair os chineses para o

Humilhação

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Ser humilhado e sentir-se como tal implica em constatação e questionamento ao que humilha. Sem essa atitude, sem questionamento, não se vivencia a humilhação. O indivíduo totalmente submisso a suas necessidades, vivendo em função de aplacá-las, sente por perder o que tem ou o que quer conseguir, pouco importando ser ou não humilhado - ele não tem essa vivência de ser humilhado - ele vivencia apenas o que a sua submissão lhe permite: medo, raiva, ameaça e necessidade de contornar. Na dimensão sobrevivente se vivencia o começo ou o fim, não se distingue o que humilha. O que interessa é abocanhar o que lhe é dado, o que lhe é permitido. Esses aspectos de submissão em função das próprias necessidades são o que criam o rebanho. Segue-se o condutor, não importa se bom, se mau, se benéfico ou nefasto. A questão é seguir para conseguir o que se acha que vai melhorar a vida. Psicologicamente, sentir-se humilhado requer certa altivez, discernimento criado pelo dizer não ao que o destrói, mes

Acédia e mal-estar na atualidade

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Acédia é um estado de desânimo que frequentemente sinaliza o mal-estar gerado nas sociedades contemporâneas. Ficar deprimido, desmotivado, sem saber o que fazer caracteriza o dia a dia dos indivíduos há bastante tempo, independente das quarentenas atuais geradas pela Covid-19. Não saber o que fazer diante do abandono, das decepções, da destruição de patrimônio, da desestruturação do país e da própria família, por exemplo, cria depressão e desmotivação. Sem perspectivas, com horizontes temporais e relacionais diminuídos, o ser humano se encolhe e desiste. Não há como resistir pois não existe porquê nem para quê. Ficar reduzido a um presente esmagador no qual não há condição de deslocamentos exila o indivíduo da sua própria pele. Sem morada, ou confinado em quatro paredes, ele sobrevive em função do que o mantém. Isso gera acédia, desânimo. Sem para quê, sem metas que o iludam - a cenoura na testa que o mobiliza - resta ao indivíduo os lamentos. Esse lamento é convertido em esperança e e