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Mostrando postagens de 2019

“Tenho tudo, não preciso de nada e nada me deixa feliz”

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“Tenho tudo, não preciso de nada e nada me deixa feliz, minha vida é vazia” é um desabafo que aparenta ser vazio e tédio, mas concluir isso é ilusório, incongruente. Jamais tédio e vazio  resultam de avaliação. A consistência da avaliação, ou seja, o enumerar possibilidades e neutralizar conflitos é a medida, o peso que tudo determina e contabiliza. Fazer a conta, pesar, medir, avaliar é estabelecer recursos, etiquetas e rótulos. Preencher espaços jamais enseja vazio e tédio. Nada ver, nada deter, nada sentir, esvazia e entedia, mas avaliar é um procedimento que obriga sempre a completar e quando isso ocorre não há o que fazer, a não ser renovar o processo, destruir e buscar complementar, enfim, iniciar novas avaliações que permitam constatar e não ter o que fazer, apenas manter o conseguido. Essa constante repetição é como Sísifo ainda na esperança de conseguir libertação. Como aconteceu com Sísifo, tudo foi entendido. Ficou claro que sua vida é fazer e refazer, mas ir além

Utilizar, enganar, exibir

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Nas diversas dificuldades comportamentais, nas impossibilidades de convívio social, familiar e de trabalho, quando se deixa de lado as problemáticas, as não aceitações que definem e caracterizam o viver, nessas situações frequentemente é estabelecido um vazio, a despersonalização. Não se sabe o que fazer, salvo se entregar ao medo, à depressão, à inveja, à raiva e ao desespero. Nesse quadro, quando surgem pequenas melhoras de ânimo, os indivíduos resolvem disfarçar suas histórias, suas vergonhas, suas características. É o clássico ir à loja e comprar muito, para dissimular; é o clássico copiar e editar perfis, frases e comportamentos alheios. Não há critério para as utilizações, tampouco para os objetivos de enganar - o que se quer é ser diferente, exibir nova fácies, novo aspecto: cultura, riqueza, status . Mas viver tentando ser diferente do que se é, ocultando as próprias dificuldades, é índice revelador de problemas. As apropriações criam mais problemas. Não se sustentam, f

Receios e cautelas

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Quando a vivência do futuro, a expectativa do que vai acontecer preside e organiza o cotidiano, o nível de insegurança aumenta. Tudo ameaça. Nenhum recurso pode ser esperdiçado. Para essas pessoas, viver é preparar o depois para quando não se consegue mais ter condições de agir. O medo de deixar filhos desamparados, a preocupação de ter uma velhice solitária ou sem ninguém ajudando, antecipa as próprias dificuldades temidas, que sequer são percebidas pois o indivíduo está instalado em seu futuro temido, ou almejado. Viver para, ou viver por, aliena, desestrutura, tira o chão, faz perder significado, pois tudo é colorido por amargura e medo. Não sabe o que fazer a não ser juntar dinheiro, amizades e condições para o futuro, por exemplo. Negar a própria vida e a própria realidade é uma maneira mágica de esperar recuperá-la mais tarde. Virar zumbi para conseguir sobreviver é um passo desesperado. Tudo evitar, tudo conseguir, tudo cuidar para ter condição mais tarde, é uma

Credibilidade

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O que é crível, passível de ser acreditado, depende da facticidade respeitada, depende do que se constata e observa, tanto quanto depende também de quem e de como se veicula essas constatações e observações. As narrativas são as malhas que sustentam e amparam as constatações. Apenas constatar nada significa pois o relato das mesmas, o diálogo em torno do observado é invadido por outros referenciais, principalmente os que situam quem relata, quem reproduz os fatos, quando isso é feito e a quem é feito. Narrar um acontecimento é validado em função do narrador; sua importância, dificuldade, compromisso e disponibilidade o transformam em pessoa que pode ser acreditada, que é confiável ou que é alguém que apenas amealha desconfiança, não é pessoa de se acreditar, não tem credibilidade. A questão das coisas não significarem enquanto elas próprias é intrínseca - é a estrutura dos próprios processos. O símbolo invade o real, o real também se camufla no simbólico. Este vai e vem

“Eu fui o erro que ele cometeu”

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“Eu fui o erro que ele cometeu” é uma frase que pode ser entendida como uma autocrítica, crítica, acusação ou constatação vitoriosa. Ter decepcionado, não ter preenchido as expectativas do outro, deixa clara a escolha errada, o convívio errado e falho. Insinuar-se para conseguir o que quer, desviando o outro de seus propósitos, trabalho e raízes para depois execrá-lo, sentir-se vitoriosa por destruir o outro é exemplificador de ganância, violência e maldade. Em algumas situações, perceber que o encontro com o outro se constitui em erro gera autocrítica por perceber como utilizou a confiança e crença do outro para consecução de objetivos próprios. A crítica ao outro pela escolha feita reside em tê-lo enganado. Buscar o outro para realizar objetivos e desejos, enganando, é mentir para conseguir viabilizar propósitos e no fim usar e destruir quem confiou e acreditou. De qualquer forma, se personalizar por meio do erro cometido pelo outro é muito comum nas situações na

O herói

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O desespero resultante de suportar, de viver e escorregar na mesmice do indiferenciado, homogeneíza pela neutralização de contradições que são vivenciadas como necessidade de sedativos, de amortecedores ou criadores de bem-estar. Quanto maior o apaziguamento - a negação do que infelicita - por meio de crenças e esperança de melhoria, maior o desespero, maior a imobilização no que esmaga e tritura. No aclamado filme Coringa as sequências vivenciadas pelo personagem central são bons exemplos dessa situação. Na fragmentação, vivendo de sobras, resíduos de afetos mentirosos, o Coringa é comprimido e esmagado; entretanto algum alento, algo humano sobra. Tecendo impossíveis cordas para evadir-se, o personagem enlouquece e nesse processo descobre outros alienados também esmagados por submissão às máquinas trituradoras representadas pelos sistemas sócio-econômicos vigentes. Seus gritos e passos de revolta o transformam em herói. É o predestinado, quase o Messias, o milagroso que tod

Humanidade

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Uma de nossas características mais marcantes é a possibilidade de perceber e categorizar e assim entender quem somos e como agimos, entender os acontecimentos e organizar nossa convivência, nossas vidas em comum. Criamos as regras, nos adaptamos aos valores e enfrentamos disputas, conflitos diversos, desvios, ameaças às definições que assumimos como definidoras de nossa humanidade. A capacidade de se sensibilizar com o outro é um desses pilares definidores. Ser afetado pelo outro não só demonstra que o percebemos, mas também que nos envolvemos com ele, nos dirigimos a ele, o cercamos, implicamos nossas vidas mutuamente, enfim. Que outro fundamento poderia definir melhor “humanidade”? Afinal não é ao conjunto, à vivência em comum, que esta palavra se refere? Mas conjuntos são abstrações conceituais e a humanidade é, supostamente, formada por seres humanos, por indivíduos. O indivíduo, para ser reconhecido como humano, precisa exercer, atualizar os valores que definem sua humanid

Desejos - ausência de questionamento

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Cada vez é mais constante correr atrás da cenoura na testa, os incentivos, a exacerbação gananciosa como maneira de justificar, realizar e se sentir feliz por estar vivo. No sistema atual, o mais desejado é ter dinheiro, ser rico, ter segurança econômica para tudo realizar e fazer. Todos em função de ganhar dinheiro. Só se olha nessa direção, para cima. Não se enxerga o que está do lado, e assim todos se sentem iguais: buscam o mesmo objetivo. Querer a melhoria, querer ser rico, iguala. Todos estão irmanados em vencer ou vencer. Essa polarização unifica pessoas e situações díspares. Nessas motivações as diferenças sociais e econômicas pouco significam. Qualquer um pode enriquecer: modelos, jogadores de futebol, empresários, ganhadores de loterias, enfim, tudo depende da realização do que se deseja, do polarizante atingido. A meta de ganhar dinheiro, unifica a todos. Não se considera nenhuma especificidade, companhia ou área de trabalho responsável por isso, o que se considera sã

A dor

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Geralmente todo corte abrupto é sem anestésico. Psicologicamente, a vivência da dor, da falta de alguém, por exemplo, ou do medo ou traição causada pelo próximo cria paroxismos dolorosos. A continuidade dessa vivência gera hábitos como maneira de suportar o vivenciado de deixar de sofrer ou de ter dores, mas é ficar na expectativa do inesperado que pode ser mais doloroso. Apanhar dia sim, dia não, seja do pai, da mãe, do marido ou do amante cria regra. Frequência que passa a modular pelos seus intervalos: as intermitências preparam os momentos para apanhar. Conviver com o que maltrata ou destrói é, muitas vezes, viciante. Na sociedade, as explicações econômicas e as atitudes dos exploradores passam a ser bem esperadas pois trazem pão, água e às vezes afagos. Come-se o pão que o diabo amassa para se chegar ao alívio da fome ou até para se chegar a Deus. Assim, o conformismo é muito oportuno, é pela submissão que se sobrevive e continua sendo alimentado e mantido. “ O homem é

Exílio e esquecimento

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Ser exilado da própria terra, do lugar onde se nasceu e vive, seja por guerras, fome ou perseguição político-ideológica deixa marcas, resíduos não superados. A expectativa do não mais sofrer torturas nem abusos, como aconteceu aos presos políticos da ditadura brasileira de 1964; o ter se salvado dos campos de extermínio nazistas por fração de minuto na saída de um trem de prisioneiros, são vivências que marcam e dificultam flexibilidade e disponibilidade. Imaginar que poderia ser aprisionado, ver que milhões de outros foram exterminados ou torturados são referenciais que causam tristeza, desesperança, medo e mágoa. A construção de novas vidas supõe quase um apagar das anteriores. É uma transformação, às vezes uma violência que se exige. Tem que desaprender, esquecer, deslembrar, como dizia Fernando Pessoa. Parir-se de si mesmo e por si mesmo é um acontecimento que ultrapassa todas as identidades construídas e adquiridas. Mas a terra nova apesar de estranha é também familiar, p

Legalidade e legitimidade

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Legalidade não significa legitimidade. Discussões em torno do que é próprio, adquirido, legítimo, natural, em geral se constituem em divagações sobre as realidades discutidas ou questionadas. Essa técnica ou essa síntese das contradições pode legalizar, mas não legitima. O legítimo dispensa construções em torno. Luypen, fenomenólogo, já escrevia: “quando se trata de direito, não há legitimidade” . Não se discute a legitimidade da fala, embora se possa discutir sobre o direito de falar, proibindo ou permitindo. As relações configuradoras de legitimidade são intrínsecas ao legitimado, enquanto as relações configuradoras de legalidade sempre são extrínsecas ao legalizado. Esta questão sobre ser intrínseco ou extrínseco é fundamental, pois estabelece direções e cria também distopias. O legítimo não impõe, nem resulta de processos, é o próprio configurador de estruturas, de situações. Quando se tenta julgar ou afirmar legitimidade, já se incorre em complexidades, pois afirmar legit

Estratégias

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Estratégias são constantes como maneiras de atingir objetivos. Nem sempre os objetivos significam realizações materiais, às vezes eles significam camuflagens e como tal não deixam de ser uma realização enquanto ação com o único objetivo de esconder. As imagens fabricadas decorrentes dos processos de não aceitação de si, das origens familiares e realidade sócio-econômica levam as pessoas a inúmeros disfarces, a criar infinitas estratégias. Compensar, dissimular fracassos, ou o que se quer evitar que seja descoberto, é constante. Nosso sistema sanciona e incentiva as estratégias: das plásticas rejuvenescedoras, às atitudes pseudo generosas e solidárias - por tabela - quando se quer demonstrar boa formação social e humanista. A política é um campo fértil para estabelecer estratégias: o sorriso amoroso, o abraço afetuoso em crianças,  as visitas e o tempo gasto nas periferias das cidades, e exibido pelo marketing, são poderosos ingredientes de vários articulações. O disfarc

Às apalpadelas

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De esbarrão em esbarrão se consegue descobrir o que evitar e por onde andar, assim como consagrar a experiência como uma chave que tudo abre e ilumina. Sem apreender as relações que constituem os fenômenos, a totalidade do que aparece se parcializa, dicotomizando o vivenciado. O todo não é a soma de suas partes, ele é o qualitativo que tudo esclarece, daí ser apreendido por meio de insights - apreensões súbitas de suas relações constituintes. As distorções na percepção da totalidade descaracterizam o vivenciado enquanto presente, pois o que se percebe é inserido em outros contextos. A conhecida parábola do elefante e dos homens cegos é  emblemática: um grupo de homens cegos, que nunca se depararam com um elefante antes, tentam defini-lo tocando partes de seu enorme corpo. Cada cego sente uma parte do corpo do elefante, mas só uma parte, como um pedaço de uma pata por exemplo, ou a trompa, ou a orelha. Então, cada cego descreve o que percebe, baseando-se em suas experiênci

Escapatórias

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Diante de impasses ou opressões os indivíduos buscam espaço para respirar e sobreviver. É o deslocamento. Densificar esse anseio é necessário e assim amuletos e preces surgem. Alguém vai ajudar, alguém vai libertar. Fórmulas mágicas podem criar super heróis, Hulks, Golems que tudo resolvem. O que foi criado não obedece ao seu criador desde que ele é fruto de desesperos e impasses, ele é apenas uma quimera. Um sonho. O príncipe encantado que vai tirar da pobreza, o bem amado que vai surgir para acalentar e acompanhar as noites vazias são esperas constantes. Vive-se para realizar o sonho. Tanta dedicação ao não existente cria cogitações, fantasias e assim o que se necessita que apareça começa a povoar sonhos e delírios. Exigências de fidelidade, provas de crença são frequentes. O dia a dia é preenchido pelas preocupações de quando o eleito aparecer, “ quando o carnaval chegar ”, quando o mundo mudar. Desde a constante espera da noite feliz de natal até o regozijo pelas eterna

Rejeições sistemáticas e apropriações indébitas

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Rejeições sistemáticas e apropriações indébitas - esse é o processo vivenciado por certos indivíduos em relação aos pais quando são continuamente rejeitados, nunca aceitos pelo que são e submetidos a constantes sugestões, como: “fique melhor, faça alguma coisa, deixe de ser assim, me ajude, cuide de mim” . Esse processo cria submissos, sobreviventes e insatisfeitos, dedicados a conseguir um lugar ao sol, uma mão amiga ou algo significativo que valide sua existência. Ser um grande médico, um cientista que salve a humanidade, um artista maravilhoso seria redentor. Este lugar dos sonhos, se atingido, é mais esvaziante, pois não significa enquanto o que é, significa pelo que deve ser. É mais um elo da escravidão, mais uma garantia para preencher os temores da rejeição. No entanto, na velocidade e dinâmica de novos processos, o indivíduo sucumbe ou seu trabalho, sua trajetória pode trazer outras dimensões, um novo espelho no qual se percebe. Surge mudança, ele vê sua capacidade, se

Transformando resistências

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Enfrentar ou cortar o que atrapalha e impede é uma maneira eficiente de abrir perspectivas, tanto quanto de transformar situações. Geralmente o que se erradica e enfrenta em determinados contextos permanece indene em outros. A continuidade do que atrapalha é preservada numa ilha de vazio. Ao longo das jornadas tudo fica renovado, porém sem questionamentos à suas estruturações originantes. É o amor exigido da mãe que se abandonou após longo desentendimento, por exemplo; são também situações de renúncia que se caracterizam pela dificuldade assumida. Quando permanecem resíduos, quando o corte não remove tudo, começam a surgir bloqueios e desvios causados pelos remanescentes. Nesse processo podem ocorrer deslocamentos responsáveis por comprometimentos imprevisíveis: angústia diante do sorriso de uma criança, choro repentino por um canto de pássaro, impossibilidade de criar o próximo cenário da peça na qual se trabalha, incapacidade de criar. A angústia gerada pela constatação das

Limitações

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Por que é mais fácil se deixar explorar do que reagir à exploração? Por que é melhor se submeter ao companheiro que espanca do que o abandonar? Por que é melhor silenciar diante de abuso sexual, físico ou econômico do que denunciar? Por que é mais fácil procurar um médico do que um psicólogo? Por que é mais fácil dizer que o problema é do outro do que de si mesmo? Por que é mais fácil esperar que as coisas se resolvam do que enfrentá-las? Por causa do medo - omissão -, da esperança que Deus ajude; por causa das capitalizações, das conveniências e deslocamento, enfim, por causa das necessidades não satisfeitas, desde fome, sono, sexo até o emprego que não vem, o indivíduo precisa sobreviver. Nessa dinâmica ele é apenas o animal mais desenvolvido, e segue a manada, segue o rebanho. Busca sobreviver, cumprir as ordens que seus mestres, seus patrões, seus protetores ditam e organizam. Humanidade sobrevivente é por definição não humana, é um conjunto de máquinas e an

Sistematização

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Ao sistematizar se transforma dificuldades pelo fato de criar padrões, de estabelecer limites que possibilitam continuidades. Ocupar espaços, perceber novas configurações é uma maneira de estabelecer critérios que definem a continuidade. Transformar as vivências em motivações, em padrões que permitem sistematização automatiza o cotidiano, transformando também o indivíduo em robô, maquina bem cuidada para realizar funcionamentos. A sociedade, a família, a empresa sistematizam e cabe ao indivíduo perceber esses processos como referenciais, chão por onde caminha, mas sempre questionando onde leva esse caminho e que paisagens oferece. Se perder na estabilidade é uma forma de despersonalização. Se encontrar na desestabilização é também uma forma de despersonalização. Só por meio de constantes questionamentos se vivencia o que ocorre, o presente que tudo personaliza. Utilizar apoios e engrenagens é apassivador. A vida é para ser vivenciada, não há onde chegar, nem de

Definição e conceituações

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Impossível definir alguma coisa sem inseri-la em seu universo conceitual, mas essa impossibilidade é cotidianamente o mais fácil e frequente, e assim, tudo é definido, decifrado e explicado. Vamos nos deter na questão do igual ou da igualdade. O que é igualdade enquanto relacionamento, enquanto vivência e constatação? É fácil pensar, entender e verificar os vários níveis de igualdade, mas tudo se complica ao se perceber que o igual ou a igualdade só pode existir em relação a alguma outra coisa ou a alguém, enfim, debaixo, atrás da igualdade, amparando-a e determinando-a está a comparação. Esse processo, esse comparar, destrói ou realiza a ideia de igualdade? Percebemos uma forma, dizemos que é um triângulo, que são retas em outras posições, outras configurações, mas o plano é o mesmo, é igual. Igual a quê? Compara com o quê? Essa imprecisão e incerteza assolam o cotidiano. O outro é o semelhante que é também o diferente. Semelhante e diferente enquanto roupas que usa, p

Esmagadura

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Quanto maiores são as expectativas, desejos e metas, maior o medo do futuro. São altos e baixos, esperando e torcendo por bom resultado, que tensionam e geram ansiedade. Conviver com a ansiedade equivale a ser envolto em densas fumaças que impedem ver e respirar, enfim, impedem tudo fazer. O deslocamento das expectativas em função do que vai acontecer geralmente é caracterizado sob a forma de medo, nome dado à paralisia da imobilização, à impotência que é transformada em omissão. Estar omisso, paralisado é o medo. A vivência de não ter saída e a continuidade desse processo torna exíguo o dia a dia. O espaço comprimido gera angustia, taquicardia, desespero, ódio, raiva. A pluralidade de sentimentos é tão densa que esmaga, consequentemente esvazia. Não se sabe mais o que fazer. Surgem clichês aplacadores: os bons vencem, Deus ajuda, os poderosos sempre ganham. Perdido nessa miríade de conclusões e constatações desvitalizadoras o indivíduo sobrevive como vítima que precisa

Desvinculação de responsabilidades

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Nas vivências autorreferenciadas nas quais tudo se configura em função dos próprios interesses, justiça, solidariedade e responsabilidade em relação às próprias obrigações e deveres não existem. Na esfera individual isso é problemático e quando desenrolado em ambiente familiar cria muitas dificuldades e abusos. Sociedades doentes, precárias, resultam de famílias doentes no sentido de membros autorreferenciados nos próprios interesses. Os ricos esperam e fazem com que os filhos tenham destaque e sucesso, os ladrões ensinam os filhos a roubar e os pobres/remediados lutam para que os filhos consigam o que eles não tiveram. Não há ideia ou conceito de convivência. O que existe são regras e métodos para conseguir, para se eximir de responsabilidades e de punição. Nas sociedades latifundiárias grilar as propriedades alheias era e é uma forma de enriquecer e nessas sociedades leis e tribunais foram criados para permitir isso, para absorver e absolver. Atualmente, a impunidade, os

“Abra a porta do avião que eu quero saltar”

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“Abra a porta do avião que eu quero saltar” é o que se pensa diante da dinâmica avassaladora da omissão, do medo, do pânico autorreferenciado. Querer negar o processo, buscar apagar e transformar em irreversível tudo o que se faz, é a saída mestra do arrependido, do incapacitado pela paralisia do instante. É o desespero diante do imponderável, diante do irreversível - é o pânico. Não aceitando a reversibilidade e continuidade dos processos, o indivíduo tem ações prepotentes e onipotentes que ele acha que o colocariam em outras dimensões. Esta atitude mágica, se persiste, cria o alienado. A alienação - o desespero diante do cotidiano - é gerada pela não aceitação dos próprios problemas, gerada também pela constatação da própria impotência e incapacidade. O ato desesperado de buscar saída, ou não saída, resulta de oportunismo nascido da vitimização e inveja. Chamar a atenção, pedir, desesperar-se tem sido a moeda de transação. Esse se expor é o que tem dado resultado. Os g

O outro como obstáculo

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Não conseguir perceber o outro enquanto ele próprio cria um sistema de utilização do mesmo. Nesse sistema as pessoas são úteis ou são obstáculo. Como obstáculo têm que ser eliminadas, destruídas. Não é João ou José no caminho, é um monte de coisas que tem de sumir. As violências - psicopatias resultantes do autorreferenciamento - demonstram isso. Autorreferenciados esses  indivíduos não percebem que estão com outros seres humanos, se percebem rodeados de coisas que ajudam e satisfazem desejos ou atrapalham. Justificam-se pensando: “não matei ninguém, apenas retirei o que obstruía meu caminho" . Além da violência dos extermínios, temos o roubo, apoderando-se do que precisa - para usar ou vender - e temos também as invejas e ciúmes, gerando destruição dos outros à volta. Viver sozinho, transformando o outro em apoio ou obstáculo estabelece violência, estabelece medo, estabelece desejos e motivações nas quais o semelhante existe como peça da engrenagem. O indivíduo se perc

Educação e alienação

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Os processos educacionais, por definição, são fundamentais para o indivíduo à medida em que o habilitam para estar no mundo com os outros. Educação é um processo basicamente proporcionado pelo outro e assim é representado pela família e pelos parentes. Chegar à escola é encontrar um prolongamento desse processo, ou, às vezes, sua obstrução pelo antagonismo aos valores familiares. Famílias estabelecidas em critérios de disponibilidade, individualidade e autenticidade, de repente têm seus filhos esbarrados em escolas conservadoras e discriminatórias, por exemplo, onde se ensina técnicas, se ensina a ler e escrever, mas também são acentuados conteúdos alienadores que precisam ser neutralizados pela família. Necessário preparar o filho para viver esse antagonismo não esperando que a escola individualize, sabendo que ela pode polarizar divisão, enfraquecendo critérios de autonomia e liberdade. Como Ivan Illich falava, as escolas que não se baseiam em convívio e autonomia, são ma

Vida para depois (2)

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Alguns indivíduos, como formigas operárias de construção, amealham e organizam o cotidiano em função de conquistas para, um dia, utilizar esses resultados. Postergar, querer deixar a vida para depois gera desespero, frustração, tanto quanto pessoas esperançosas e cheias de ânimo. Acontece que esse processo mecaniza, deixa rígidos os que ficam preocupados em realizar, em conseguir o bom e evitar o mal. Chega o dia em que processos de construção e expectativas se realizam: o casamento, a formatura, a aposentadoria e o que se conseguiu não é mais massa de manobra, passa a ser impedimento, obstáculo que deve ser transposto para se viver feliz e bem. O casamento, por exemplo, trouxe responsabilidade e situações que impedem o que se queria realizar no futuro, a profissionalização obriga a novas construções e na aposentadoria tudo foi conseguido, não é necessário mais trabalhar, entretanto falta perna, falta ar, falta vigor. A partir de então as construções passam a ser realizadas

Abulia e medo

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Não querer, não ter vontade de fazer nada é abulia. Essa neutralização das motivações transforma o indivíduo em máquina captadora de demandas. Reagir e responder da melhor maneira é a forma que ele encontra para se locomover em sua pequena área de segurança. Essa locomoção é um posicionamento. Só pensa e faz o que não prejudica e ainda o que melhora. Acontece que mesmo mecanizado o ser humano é um ser vivo, ele sofre, decide e estabelece processos. Quanto mais posicionado em seus medos e avaliações, mais enrijecido, menos dinamizado, movimentando-se apenas pelo sim e pelo não, pelo que satisfaz e pelo que frustra. Nesse compasso pendular, sua oscilação se faz ao fugir da dor, ao buscar o prazer e assim sua construção de trajetória, seu plano de ação é retraimento, anulação. Desse modo se consegue transformar vontade, motivação em abulia - falta de vontade - criada pela filtragem das contabilizações e medos. Tudo que é pesado, medido e contado, recebe valores agregados qu

Segurança econômica como libertação e realização

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Viver em função da necessidade de superar as próprias carências econômicas e sociais, galgar os degraus da melhoria econômica faz com que se seja aceito e considerado socialmente. Essas ideias se transformam em conceito - só significa quem tem dinheiro - dando suporte às ações dos empreendedores e também dos emergentes, tanto quanto de inúmeras pessoas que se reduziram a essa situação econômico-social. São equivalentes a Midas, que tudo que tocava virava ouro e assim morria de fome, não podia comer pão nem maçãs de ouro, pomos discordantes que não saciavam a sua fome. A única diferença é que os processos variam no tempo. Para Midas não houve sequência, instantaneamente percebeu a possibilidade de sobreviver - ia morrer de fome. Para os emergentes e os que tudo fizeram para enriquecimento, enriquecer era a solução mágica para seus desejos e frustrações, virar rico tudo resolvia; só que quando o processo se efetiva o que se vê é um monte de ouro que tem que ser cuidado, administ

Antecipação

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Certezas antecipadas deprimem ou geram euforia. Saber que tudo começa e termina, que os processos existem, é entrar em circuitos infinitos. Quando isso acontece, as vivências se impõem e as certezas são suspensas. É o transpor de limites que tudo muda. Não necessariamente o que acontece mil vezes se repetirá a milésima primeira vez, como falava Kurt Lewin. Fazer a conta, ou seja, contabilizar é uma maneira de se retirar magicamente do que ocorre. Ou se vivencia, ou se contabiliza, isto é, contabilizar é uma vivência que superpõe e anula a outra vivência. Dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço. Essa superposição nega e resgata. Nega e resgata o quê? O que se pretende? Chegar onde? Os processos voltam a ser antecipados, é a certeza necessária que preenche o vazio do medo e da dúvida. A continuidade disso provoca compulsão: é preciso controlar, é necessário adivinhar para manter a antecipação. Nosso sistema econômico-social - capitalismo de mercado - ofere

Inexorável

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Inexorabilidade é o que caracteriza os processos quando considerados sob o ponto de vista da continuidade, do movimento. O movimento é inexorável, consequentemente há transformação, e é essa constante contradição que estabelece vida, morte, ordem, desordem. O desenvolvimento de qualquer processo, dos orgânicos, dos sociais e econômicos aos psicológicos é gerado por expressão de suas estruturas. Essa inexorabilidade processual ilude, manifesta-se como permanência e assim é caracterizada em um mundo onde tudo é impermanente. Essa contradição só é apreendida quando se configura o denso e o sutil, o aparente e o real. Toda dualidade inexoravelmente conduz, expõe a unidade: a expressão, a manifestação do que ocorre, do que acontece. A descoberta das próprias não aceitações é um processo que inexoravelmente conduz à mudança quando se questiona as imobilizações, tanto quanto quando se nega essas imobilizações surgem divisões, mentiras e utilização das descobertas como dogmas e reg

Inesperado

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Inesperado é o que solapa ou o que magicamente realiza desejos e sonhos. Estar à mercê nem sempre é uma atitude que se escolhe. O acaso permeia e situa tudo que está em nossa volta. O acaso e a necessidade, a contingência e o limite, o possível e o impossível, o desejo, o mundo, a vida, a morte, tudo isso se constitui no processo esperado e inesperado. As perpendiculares que se cruzam, que se encontram, que se esbarram são o inesperado, o próprio do processo tanto quanto seu impróprio, seu avesso. Uma paixão, um desejo, um cair doente são inesperados, entretanto, só acontecem a alguém ou a alguma coisa, ou seja, tem sempre um ponto de encontro, de captação. As grandes tragédias inesperadas são, por definição, sempre esperadas: é a falta de manutenção do avião, é o erro de sincronização, é a confluência do absurdo no real, é o encontro. Coincidir é esperar, é ter o espaço e o tempo para receber, tanto quanto o inesperado é o incongruente, o que não coincide. Às vezes

Imprevisto

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O que não foi imaginado, ou ainda, o que não foi considerado, se constitui no imprevisto que neutraliza processos ou que, ao criar contradições, transforma em impasse a continuidade. Tsunami, morte, acidentes são imprevistos do ponto de vista de quem os sofre, tanto quanto são meras decorrências e continuidades processuais. Pensar que certas coisas estão fora de cogitação cria outras modalidades que açambarcam expectativas, escondem evidências e passam a ser vivenciadas e percebidas como imprevistos. Viver em função de objetivos, de resultados unilateraliza e assim fica-se cada vez mais à mercê dos imprevistos. O vencer ou vencer, o não ter condição de aceitar perdas vulnerabilizam. Transformar inúmeras variáveis em poucas ou únicas possibilidades é esvaziador. A certeza é um aniquilador de possibilidades quando passa a se constituir em apoio. A variação infinita e ambígua resulta da falta de referenciais estabelecedores de sua dinâmica. Não há eixo, tudo pode acontecer. Es

Humano considerado humano

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Considerar humano como humano seria o óbvio. Perceber o outro, perceber a si mesmo como ser humano seria a constatação frequente de todos que lidam entre si. Esse óbvio é negado por construções aleatórias determinadas por valores restritivos. As diversas crenças e fés religiosas discriminam. Fazer parte de religiões e iniciações impõe rituais e regras que quando não atendidas criam os ímpios, os “filhos de satanás”, os bruxos, as bruxas. As ordens econômicas determinam os que mandam e os que obedecem. Visões preconceituosas estabelecem os que são normais, pecadores, doentes, saudáveis, consequentemente os que têm direitos, os que são seres de bem, seres humanos. De tanta fragmentação do conceito de humano é muito raro considerar humano como humano. Classificações como as de baixa-renda ou de grande poder aquisitivo, de merecedor de milhões de clicadas, tudo isso transforma a humanidade em pigmentado cipoal, selva onde é muito difícil perceber o humano como humano. Nietz

Consumir

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Cinquenta anos atrás, consumir era sinônimo de alienação. Atualmente, consumir é um vetor de realização social. Quanto maior o consumo, maior a riqueza e a possibilidade econômica. Hoje em dia é por meio do sucesso econômico que se constrói o lugar social e nesse sentido os que não são bem sucedidos são alijados. Consumir é significar. Esse fazer parte individualiza por meio do pertencimento à equipe, é o team que se estende até a locais de entretenimento ou de moradia. No livre mercado o que importa são as moedas de transação. Ter o que vender e poder comprar estabelecem circuitos nos quais circulam o necessário, mesmo que indevidamente. Os que estão na base da pirâmide servem de apoio para que poucos atinjam seu topo. Tudo pode ser consumido, do próprio corpo à própria cabeça e alma. Autoconsumir-se obriga à criação de aparência, utilizando imagem, apoderando-se de narrativas sancionadas como edificantes e válidas. Esse processo canibaliza e esvazia, expressando-se de di

Ressentimentos e submissão - Ética do oprimido

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Queima de livros durante o nazismo Nietzsche dizia que “a moral do ressentimento é a moral do escravo” . O ressentimento agrupa e comanda pessoas submetidas a medos, ódio e raiva, e é nesse sentido que Nietzsche fala em escravos, ou seja, alguém que é diferente do homem livre, pois sem autonomia está submetido a seus opressores. Ter inveja, ter ódio, ter mágoa e não poder expressá-las produz ressentimentos e frustração. São as vítimas oprimidas que escolhem sempre bodes expiatórios para extravasar seus medos, seus ódios, ou pior, utilizam sugestões, aceitam bodes expiatórios para drenar seus ódios. No nazismo assistimos às multidões ressentidas e determinadas destruirem sinagogas. Nas atuais sociedades democráticas, a política, as redes sociais, os pilares democráticos corroídos e destruídos servem para veicular ódio, medo, rejeição a determinados segmentos sociais e étnicos. Ter inveja e raiva e não conseguir expressá-los por medo e submissão, seja a familiares, cônjuges