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Dados relacionais

O encontro, a percepção do outro e das situações enquanto elas próprias estabelecem os referenciais, os contextos do comportamento humano. Caso os problemas, as angústias, os medos e os desejos se interponham nestes referenciais, começam a surgir distorções, problemas gerados pelos posicionamentos autorreferenciados. O encontro é, então, transformado em objeto que impede ou facilita a consecução de objetivos, e assim, o outro é esmagado seja como objeto retirado, seja como apoio facilitador. Este processo autorreferenciado transforma os dados relacionais em resultantes do que se quer vivenciar, do que se quer atingir, pouco significando enquanto realidade vivenciada. Sem diálogo com o que ocorre, com o presente, começam a existir verificações atordoantes, tanto quanto merecedoras de posições balizadas por sucesso ou fracasso. O indivíduo se transforma em um sistema de convergência, e também em um sistema divergente ao se afastar do que não interessa a seus propósitos. Tudo que ocor

Viver - sentido, obrigação e resultados

Atualmente quase não se coloca a questão do sentido da vida, ou quando isto é feito sempre o é na direção de justificativas, de resgate ou desespero que ocorrem quando tudo desaba, quando as ilusões estão perdidas e os sonhos desaparecem. Conhecer a si mesmo, saber o que significa estar no mundo com os outros, descobrir e atingir o absoluto - Deus -, são diversos sentidos que podem ser dados à existência. Os problemas, as dificuldades, a destruição começam a se estruturar quando o sentido da vida é transformado em justificativa da existência ou em finalidade da mesma. Posicionar-se em porque ou para que faz perder o processo, o como da existência, do estar no mundo, do presente, e consequentemente, da transitoriedade e impermanência, únicos constituintes que permitem permanecer inteiro, apto e capaz de acompanhar o sentido, o ritmo, os processos do estar-aqui-e-agora-com-o-outro(s)-no-mundo. Fazer frente aos compromissos, atender obrigações necessárias à sobrevivência criam impas

Crianças desobedientes

Conviver com o filho desobediente que congestiona o dia a dia é uma situação difícil, desagradável. É um obstáculo, gera frustração, decepciona, é um problema. Sempre que se precisa resolver situações problemáticas, se estabelece níveis de soluções satisfatórias, se lista o que é necessário mudar, o que é necessário resolver e poucas vezes surgem questionamentos acerca de por que esta criança, por exemplo, por que o filho, está assim. Esta segunda pergunta muda o contexto de percepção dos distúrbios causados pela criança, mostra que muito do que atropela e desagrada é causado por outras questões. Neste momento abrem-se maiores perspectivas de mudança, pois a criança é vítima, além de agente das dificuldades. Existe nela condições de se comportar diferente, desde que muitas frustrações e rejeições sofridas devem ser consideradas, devem ser resolvidas. O psicoterapeuta é importante para mostrar estes novos aspectos, para fazer entender, por exemplo, que a criança está sendo “bode expia

Sonho e mentiras

É frequente ouvir: “viva seu sonho, não desista dele” . Esta auto-ajuda televisiva e, infelizmente, até mesmo ouvida em aconselhamentos psicológicos, é destruidora, é como colocar “a cenoura na testa” do cavalo, para que ele não ceda ao extenuamento muscular que sofre. Sonhar é ir além da própria realidade, é viver em um tempo diferente do presente, é deixar para depois o que se precisa e quer. Isto cria seres amealhadores, avaliadores irredutíveis, determinados em conseguir o que precisam para realizar seus sonhos, não importa como. Todo sonho se realiza, basta dormir; em outras palavras, a questão não é atingir o pote no final do arco-íris, a questão é ter o pote à mão. Viver em função de um sonho, do que se deseja ou se quer realizar, é unilateralizar a vida, é, por exemplo, transformar o outro em ponte, objeto, alavanca, é candidatar-se à solidão. Neste contexto, tudo que se deseja, que se consegue ou realiza, implica em trabalho, esforço e sacrifício, que quando atingidos

Motivação pontualizada

A maior parte das teorias psicológicas entende motivação como intrínseca ao organismo humano: nossas necessidades primárias - sexo, sono, fome, sede - são drives responsáveis pelo comportamento (na visão dos behavioristas), são os motivantes da conduta. Na psicanálise, estas necessidades primárias foram entendidas como demandas instintivas, vindo daí a motivação para o comportamento. Para os gestaltistas, a motivação é externa ao organismo, portanto, não existem ‘motivações inconscientes’, não existe orgânico, mental, inconsciente como determinantes do comportamento. “Entendo que o ser humano está sempre motivado pois sua vida é relacional. Para mim perceber é relacionar-se, então entender motivação é entender o processo relacional do ser humano no mundo. É o estar no mundo, ser é ser (estar) motivado, em última análise. Como explicar, dentro dessa conceituação, as abulias, as depressões, as apatias, o isolamento, a recusa à participação? Se o ser humano está sempre em um proces

Antítese e oposição

A dialética dos processos consiste em antíteses, em oposições, entretanto, nem sempre se vivencia este processo, nem sempre se vivencia este movimento, pois se está ancorado em algum bem-estar ou mal-estar. Imaginar que não pode quebrar, que não pode mudar o momento feliz, que não pode mudar o processo considerado perfeito ou, por outro lado, que nada vai salvar nem mudar a infelicidade do que se vivencia, é um exemplo deste pensamento, deste autorreferenciamento otimista ou pessimista. Tudo muda, tudo se movimenta, este é o contexto humano, tanto quanto sempre podemos estar posicionados, sempre podemos estar situados. As passagens são feitas em volta de referenciais, e a percepção da imutabilidade, às vezes da eternidade, daí decorrem. A continuidade deste estado gera uma vivência de não contradição, mas esta vivência é tanto realizadora, quanto anestesiadora. Estas possibilidades antagônicas - dualidade - são uma maneira de recriar movimento, de recriar contradição. As grandes hi

Aplacamento - reificação ad infinitum

Na falta, às vezes, qualquer coisa completa. O complemento é o preenchimento que aplaca. Fome e sede, sempre que são satisfeitas e saciadas estabelecem bem-estar, neutralizam desesperos e anseios. A continuidade destas vivências cria a busca e a espera. Estas demandas propiciam direção e objetivos, ou seja, em função de faltas são estabelecidos mapas, padrões e sistemas sinalizadores do que resulta bom, do que supera desvantagens e aplaca prejuízos. Esta vivência binária, de ter ou não ter aplacadas as necessidades básicas, transforma as possibilidades relacionais humanas em constantes, em frequentes realizações de comportamentos endereçados ao objetivo de buscar satisfação, de evitar insatisfação, de evitar resultados frustradores, que não atendem ao pretendido como satisfação necessária à sobrevivência. A repetição gera a manutenção do processo responsável pela substituição de possibilidade em necessidade. Tudo tem que ser preenchido e realizado, o ser humano torna-se máquina q

Oprimidos e submissos

Opressão e submissão andam juntas, embora o conceito de opressão seja mais utilizado para caracterizar situações sociais e políticas, enquanto o de submissão fica reservado a atmosferas menos amplas, mais íntimas, como a família e relacionamentos pessoais, por exemplo. Opressão e submissão existem quando há poder,  autoridade que configura as regras, os domínios e as posses, que determina o que se pode ou o que não se pode realizar, pensar e até mesmo almejar. Os regimes, os sistemas absolutistas que exerciam poder até a Revolução Francesa, foram destruídos e substituídos ao longo dos últimos dois séculos por democracias nas quais a igualdade, o direito, a cidadania são os pilares de suas proposições, inspirando-se no que aconteceu na Grécia Antiga, a primeira democracia (poder do povo) existente. A democracia, em última análise, se caracteriza pela representação do povo no poder. Representar é colocar em outros planos o representado, é um deslocamento, uma engenhosidade estratégic

Restrições e realizações

As supostas liberdades ilimitadas são sempre invocadas quando se critica regras, métodos e parâmetros determinantes de comportamentos. Qualquer pessoa pode ser o que desejar, em qualquer esfera: das sociais ao exercício individual de seus desejos afetivos relacionais. É um fato, é uma realidade, é o exercício de possibilidades. Entretanto, esta possibilidade de realização só se exerce quando há determinação, quando há adesão ao que se deseja vivenciar. Não é por ensaio e erro, por jogos aleatórios no exercício do que se quer, que se formalizam as determinações. As vivências geram comprometimentos, afetos, apegos, desapegos, tanto quanto implicam em satisfação ou insatisfação. Elas não são exercícios de poder ou de querer, inocuamente realizados. Elas impõem escolhas, impõem renúncias que sempre delineiam necessidades, temores e prazeres. Quando se confunde necessidade com realização, surgem dicotomias e indiferenciações responsáveis pelo “querer é poder”. Centralizar as escolhas

Biológico censurado e regulamentado

Criar caminho para escoar as necessidades biológicas gera regras. Estabelecer regras e padrões sempre existiu ao longo da história nas várias sociedades. Ordenar é fundamental para sanear e manter convívio entre indivíduos e entre várias espécies, mas os bons resultados destas organizações extrapolam seus usos. Sistemas de transporte e armazenamento para alimentos, criação de estruturas de saneamento, estabelecimento de passagens e caminhos, tudo se faz eficaz, entretanto, seguir esta matriz, estabelecendo o que é bom para a felicidade e o bem-estar dos seres humanos ao determinar o que é adequado e inadequado para realizar sua sexualidade, por exemplo, extrapola limites e possibilidades individuais, tanto quanto cria a censura do biológico, enfatizando aparências. Para o humano, sobreviver é exercer suas necessidades biológicas. Fome, sexo, sede e sono são necessidades biológicas responsáveis pela realização do homem como organismo. Fome e sede foram contingenciadas, deixando de

Organizar e problematizar

As soluções estão sempre ao nosso alcance, embora, geralmente, o que é vivenciado e pensado são as soluções buscadas fora do contexto gerador dos problemas. Basta haver um problema, para que haja possibilidade de solução, que só é alcançada se as pessoas se dedicarem aos problemas e não à buscar a solução. Não pode haver solução sem problematizar. Em psicoterapia esta questão é enfática. Sempre que se busca uma solução fora da situação problemática, ela não é encontrada, ou ela surge como tampa buraco excludente, remendo que embaralha informações e dados. As soluções surgem a partir de como se colocam as questões, de como são questionadas as atitudes, as motivações e as dificuldades. Para mudar não é necessário sanar situações consideradas problemáticas, consideradas desagradáveis. Para mudar basta questionar os referenciais criadores das dificuldades. Dificuldades, problemas são sintomas de situações mal postas, mal arranjadas, parcialmente configuradas. Às vezes, basta olhar

Manipulação

Enfatizar um detalhe é criar totalidades decorrentes de situações parcializadas. Esta ampliação de dados frequentemente gera distorções perceptivas, tanto quanto altera acontecimentos a fim de possibilitar percepções e pensamentos decorrentes de outras configurações não existentes. Alegar, por exemplo, que se bate em uma criança para educá-la, mostrando o transtorno criado pelo seu comportamento, é enfatizar consequências e resultados. Não se bate para educar, bate-se para castigar, para exercer domínio, para gerar submissão. As manobras educacionais, a seriação de incentivos, de emulações com prêmios e castigos são mecanismos alienadores e submetedores. Trocar o contexto, extrapolá-lo cria expectativa de resultados e manipula os referenciais de compreensão, desvirtuando comportamentos, comprometendo motivações, e o pior: faz com que o que acontece jamais seja percebido enquanto tal, pois a tessitura estrutural do ocorrido é transformada. Propagandas enganosas, mobilizações polític

Modelos midiáticos

Infelizmente, os modelos relacionais oriundos do relacionamento com o outro - família, amigos, parceiros - são substituídos por regras, por métodos alardeados pela TV, facebook e redes de informação. O que vai se fazer da própria vida está subordinado às modas, às preferências do que é bom - e deve ser buscado -, e do que se deve evitar - o considerado ruim. Por sua vez, as mudanças comportamentais são necessárias para vender roupas, livros, remédios, pois os novos estilos de vida vão sempre exigir artefatos e novas aparelhagens. Deficientes físicos, por exemplo, depois dos Jogos Paraolímpicos, são alvo de propostas solucionadoras e redentoras. O esporte passa a ser utilizado como padrão de superação e inclusão social. Tudo é possível neste novo universo. Vendem-se próteses, vendem-se roupas, vende-se ânimo, tudo é possível e passível de ser superado, melhorado, arranjado, transformado. Entretanto, confluências de soluções de superação são questionáveis, mas isto não é considerado e

Trocas e recriações

Bernard Shaw dizia: “Se você tem uma maçã e eu outra, e as trocarmos, continuamos tendo uma maçã cada um. Porém, se você tiver uma ideia e eu tiver outra, e as trocarmos, cada um de nós terá duas ideias.” A discussão, o diálogo transformam o sentido e ultrapassam qualquer contingência, ultrapassam quaisquer igualdades e desigualdades. Podemos pensar em trascendência de limites, podemos imaginar como os encontros recriam e estabelecem vivências responsáveis por criação e transformação. Neste contexto, não é importante ter, não é importante amealhar. O importante é ser capaz de ter, ser capaz até de amealhar. Acumular impede mudança, enfatiza a repetição. Repetir é manter, é segurar, impedindo transformações. Garantir o que se precisa, manter a própria parte, ter estoque para trocas, faz com que a imutabilidade permaneça. O questionamento é o elucidativo das questões, é o que muda trevas em luz. Sem questionamento não haveria mudança, a realidade das pessoas jamais seria açambar

Aniquilação da motivação

Quando tudo é igual, a repetição é uma constante. Na cadeia de manter hábitos, o indivíduo se situa, se sente seguro, mas se esvazia em termos de autonomia, vira robô. Artefato de si mesmo, garantindo tranquilidade através de só fazer o que é necessário, ele repete, imita. A vida, jogo de cartas marcadas, é um passar do tempo, tedioso. Consegue segurar, produzir e cuidar de descendentes, por exemplo, mas dá voltas sobre si mesmo, esperando sempre autorização para se definir. Sem motivação a vida é um tédio, pois tudo é repetido e mantido pela imanência orgânica, biológica. Neste universo fisiológico, a motivação é vivenciada como inquietação, que vai desde a fome excessiva até o sono dopante ou a vigília excruciante. Qual o sentido de estar vivo? É pergunta constante, sempre aplacada por supostas ajudas ou dedicação aos outros. Comparar, avaliar criam o universo da repetição, da segurança, mas também exilam qualquer possibilidade de novidade. Nada acontece que não esteja planejad

Fragmentação e organização

Organizações polarizadas para objetivos independentes das estruturas que as organizam, geram pontos de confluência alheios a seus estruturantes. Na continuidade da polarização, estes pontos criam tensão, espalham vetores e geram fragmentação. Se pensarmos nas divisões econômicas e sociais vemos como se pode aplicar o enunciado. As organizações, sejam de capital - sob a forma de recursos e produção - sejam das motivações individuais, sempre gerarão fragmentações quando estiverem polarizadas. A polarização pressupõe situações diferentes das organizadas, é sempre um extra contextual (um outro contexto). O querer o que não se tem polariza os objetivos de uma existência e gera ansiedade e depressão, por exemplo. Nas cidades, as populações desempregadas e as populações de baixa renda, se organizam polarizadas pela sobrevivência e surgem as favelas, os “puxadinhos”, enfim, cada fragmento é suportado e gerado por demandas alheias ao organizado. Não há mais panorama arquitetônico organizado

Olhar novo

Mudança de atitude é o que caracteriza a reestruturação perceptiva do que ocorre, de si mesmo e/ou do outro. Após questionamentos e vivências de impasses, o ser humano descobre que quanto mais ele se movimenta e se situa nas contingências de sua realidade, de limites e medos (omissão), mais ele se posiciona, perdendo dinâmica. Este posicionamento cria pontos de convergência que passam a ser os polarizantes comportamentais. Vive-se em função do porquê e do para quê. Não há continuidade, não há processo ou estes foram substituídos por expectativas, conveniências, apostas e empenhos. Perceber que o antes considerado pequeno mundo é o seu mundo e neste sentido é imenso para abrigar todas as possibilidades de interação e configuração, amplia universos. A dinâmica muda, interessa e seduz, desde que independe dos próprios limites, desejos e medos. Descobrir a familiaridade do que antes era vivenciado como estranho é tão motivador quanto ver a estranheza do familiar. Os próprios desejos, s

Falta e excesso

Falta e excesso dependem sempre de avaliações, desde que supõem um padrão a partir do qual as mesmas são configuradas. Para Lacan a vivência da falta é a definição do desejo, enquanto para Deleuze é o excesso que o caracteriza. Neste paradoxo estabelecido entre Lacan e Deleuze, o desejo como a mola, como o propulsor de comportamento é o ponto de concordância entre eles. Desejar o que nos falta é querer mais e mais, não por “carência, mas por excesso que ameaça transbordar” , pensa Deleuze. Para ele somos máquinas desejantes e não vamos nos satisfazer com o alvo desejado, com o supra real, com a transcendência como afirmam o cristianismo e Lacan. Para nós, desejo é deslocamento do impasse, é a maneira de negar o existente, seus limites e configurações, buscando outros horizontes onde instalados os pontos de fuga - desejos - as realizações aconteçam. A falta ou excesso são iguais se consideramos a realização insatisfeita. Nada há que satisfaça, sobram situações que precisam s

Diferença e estranheza

Diferença e estranheza geralmente são estabelecidas por comparação. Entretanto, esta regra é quebrada, dispensando comparação quando surge o diferente enquanto raro, único, sozinho em uma dada situação. As relações de quantidade e qualidade se impõem na apreciação de diferença e de igualdade. Variação de aspecto, forma e configuração, se muito frequentes, estabelecem campos: os do tipo X , outros do tipo Z , criando também critérios do que é pior, do que é melhor. Estes critérios, por sua vez, se apoiam em outros para estabelecer o que é bom e o que é ruim, por exemplo. Quando existem preconceitos e discriminação racial nas sociedades com predomínio de população negra o branco é ruim, tanto quanto o negro não presta nas sociedades onde se discrimina o ex-escravo ou o ex-colonizado. São os aspectos das diferenças, carregando em si, estruturas sociais e econômicas, sendo, através delas, avaliados e julgados. Não foi sempre assim. Houve um tempo no qual o diferente se impunha por si m

O diálogo nos conecta tanto quanto nos distancia

Toda e qualquer percepção é estruturada, isto é, depende de seu contexto. Esta é a explicação da Lei de Figura/Fundo ( Gestalt Psychology ). A cor verde percebida no contexto de azul é diferente da cor verde percebida no contexto de amarelo, muda o Fundo (azul, amarelo, neste exemplo), muda a percepção do verde. A variação do Fundo muda a percepção da Figura. Transpondo esta lei para escalas mais amplas, para comunicação e interação humanas, por exemplo, verificamos que tudo que é percebido depende de seu contexto, depende de seus estruturantes relacionais - posicionamentos e temporalidade. Os posicionamentos contribuem para o estabelecimento de regras, a priori e expectativas, tanto quanto estabelecem os limites das comunicações e interações. No diálogo, por exemplo, são estruturantes as regras do que se pode falar, do que se deve falar ou não se deve falar, do como e quando falar. As finalidades do diálogo estão sempre subordinadas às necessidades dos mesmos, transformando-os as

Seleções parcializadoras

Ter prévios, dos preconceitos às avaliações, cria uma série de regras e dogmas para o ser humano. Tudo fica submetido às cartilhas, aos protocolos de como agir, e frequentemente são avaliados e verificados o saldo, as perdas e lucros dos comportamentos. É quase impossível agir sem seleção quando os recursos estão cotizados por vantagens e decorrências de suas utilizações. Aproveitar o máximo, minimizar perdas é um obrigatório que enrijece e desmotiva. Vive-se para observar, controlar e captar. A necessidade de acerto, de adequação e aprovação são constantes e para estes observadores, para estes controladores, ter medo não existe, desde que tudo esteja protegido e garantido, daí que o prévio - a vacina que impede tormentos - é fazer a escolha certa em manter o não desperdício. Nada pode ser tentado por tentar; só existe ganhar para não ter o que perder. Esta relação ganho/perda é a espada de Dâmocles que tudo determina. Amarrado à certeza e garantia de que nada vai desequilibrar, nada

Religião - anseio de absoluto

Olhando em volta sem nada compreender devido à parcialização de sua percepção, o ser humano busca organização, busca sentido no estabelecido, no percebido como disperso. Este anseio de ter o infinito dentro de si, de absorver, compactar e entender o mundo, faz com que ele crie deus sob a forma de absoluto que tudo explica. Pensar no absoluto como separado do relativo gera uma ruptura de imensas implicações, quebra a unidade, a polaridade absoluto/relativo. O único absoluto existente é o relativo, ou ainda, deus não está acima ou diante do homem, ele está no homem. O não desenvolvimento das implicações das questões, ao buscar apenas resultados, origina mais dualismos. As religiões organizam o absoluto, um rascunho do mesmo. Rascunhar o absoluto é uma tentativa de separá-lo da ordem reinante e criar sistemas de convergência. Assim, ser religioso, acreditar nas explicações teológicas e teleológicas é eximir-se das próprias percepções, consequentemente, dos próprios pensamentos. É vi

Sedação

Omitir e mentir é o que se faz para esconder contradições, esconder diferenças e assim submeter o outro ao que se deseja, seja nas atmosferas familiares ou nas ditaduras e democracias.  É uma vivência cotidiana. Toda vez que alguém aplaca um desejo, toda vez que se satisfaz uma demanda, se estrutura uma relação de doador e receptor criando-se, ampliando-se planos de diferenciação. Estas variações espaciais geram dicotomias e consequentes categorias - tipos específicos agrupados. Aparecem fortes, fracos, doadores, assistidos e assim são resolvidas as reivindicações e necessidades, tanto quanto são aplacadas as tensões e divisões intrínsecas ao processo de exploração econômica e submissão familiar. Conflitos não resolvidos tendem a ser esquecidos, a ser superados através de deslocamentos - ao transformá-los em matéria-prima para justificativas de violências, toxicomanias e apatia. Destruir o outro, derrubar o que impede que o indivíduo se sinta completo, se sinta poderoso, reve

Diferenciações de uma mesma questão - Sófocles Édipo Rei

Sófocles, no Édipo Rei, escreve que “os sofrimentos atormentam mais quando são voluntários” . É uma afirmação muito discutível. Se considerarmos voluntário como autoimposto, pensaremos em renúncia. Renunciar é transpor referenciais contextualizados em função de significativos anseios e demandas que, quando realizadas, a neutraliza. Não há tormento. Quando este existe, quando persiste, são as divisões, as avaliações, o jogo pragmático que o recria. Precisa-se perder e não quebrar, ter de inventar e reinventar maneiras de ultrapassar limites irreversíveis, criando assim, tormentos, nada mais que a renúncia não admitida, ou mesmo falhada. Entretanto, se imaginarmos voluntário como escolhido, decidido como expressão de uma continuidade sucessiva de situações que apontam para escolha, escolher sofrer, às vezes, é um caminho que se coloca para integridade humana. Aceitar ser submetido às torturas, aceitar ser massacrado para não destruir organizações e comunidades que espelham as própria

Lidando com medidas, lidando com limites

O quantitativo sob forma de medida frequentemente invade o nosso cotidiano, é visível nos recursos financeiros, que não devem ser extrapolados para não criar dívidas, nas medicações, na comida ingerida, na bebida buscada etc. Lidar com a medida conforme as próprias conveniências é responsável por descalabros. A automedicação, por exemplo, o não cumprimento das indicações das receitas médicas criam situações responsáveis pela não remissão de sintomas e até agravamento dos mesmos. Muitas mães determinam que vão diminuir ou aumentar as receitas pediátricas de seus filhos, pois acham que é melhor para a criança. Seus critérios de bem-estar do outro ou de si mesmas, às vezes, estão submetidos ao custo da medicação: o antibiótico é muito caro, em lugar de administrá-lo de 6 em 6 horas administram de 8 em 8 horas, “dá no mesmo” elas dizem; não sabem, ou deixam pra lá, o fato de estarem ajudando a proliferação bacteriana. Comerciantes que diluem leite e outras substâncias para maior luc

Compactar é diferente de deslocar

As situações são polarizadas constituindo-se em empecilhos e apresentando necessidade de confronto e mudança. Nem sempre isto ocorre, muitas vezes não se enfrenta, não se confronta, pois se desloca as dificuldades, buscando diluidores das mesmas, responsáveis por novos atritos em outras situações e estes deslocamentos eternizam dificuldades. A melhor maneira de extinguí-las é compactando o que impede a continuidade do processo. Compactar é criar confluências, é permitir que o acúmulo das tensões seja percebido, configurado e enfrentado. É o clássico “ cortar o mal pela raiz ” só possível quando não é negado, quando não é camuflado. A sutileza da diferenciação é conseguida através de objetivação das variáveis estruturantes do problema, da dificuldade. Toda vez que qualquer problema é transformado em justificativa são criados deslocamentos imobilizadores, impeditivos da mudança. A tolerância é uma das máscaras utilizadas pela impotência e comprometimento. Abusos sexuais em crianças, n

Artimanhas

Vencer obstáculos é enfrentar dificuldades. Nem sempre esta obviedade é realizada: medo, preguiça, oportunismo, “queimar etapas” para mais rápido atingir o que se deseja, se interpõem para neutralizar dificuldades e aproximar resultados. É uma contravenção, uma interrupção do processo responsável por criação de novos contextos enfraquecedores de obstáculos. Este arranjo cria variáveis diluidoras. As dificuldades, os problemas são escondidos, metamorfoseados. As vitórias ou fracassos não mais se referem aos obstáculos e sim aos resultados propiciados pelo disfarce dos mesmos, ou seja, se referem aos suportes, imaginados, solucionadores ou problematizadores. Em lugar de vitoriosos ao enfrentar dificuldades, surgem arregimentadores de contradições que possam escamotear dificuldades. É o jogo. Tudo se desenvolve neste contexto de estratégias que orientam ou engrandecem problemas em função de interesses, comprometimentos outros que não os da própria situação originadora das dificuldad

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Irreversibilidade

Sempre que acontece o irreversível, acontecem também desejos e atitudes que procuram negá-lo ou modificá-lo. Pensar em modificação do que é vivenciado como irreversível equivale a negá-lo. Esta atitude é resultante da ignorância - do não conhecimento do que ocorre - e de suas variáveis estruturantes, o que implica em distorções perceptivas. Estas distorções parcializam os fenômenos, tanto quanto os ampliam em contextos deles alheios. Vários híbridos surgem, provocando a criação de faz de conta, de ilusão responsável por configurações outras que não as existentes. A impotência, a não aceitação do que acontece é responsável pelos deslocamentos que, procurando negar a irreversibilidade das situações, as aumentam, como as construções existentes apenas no campo do que se deseja, do que se teme, sem bases factuais. Transformar o que se quer ou o que se precisa em factualidade é uma mentira, um faz de conta complicador do enfrentamento de dificuldades. Para manter-se, outras variáveis e

Enigmas e encaixes

O resultado, a vantagem, o uso, tudo definem, validam e significam, esmagando a vida, a felicidade, a descoberta, a perplexidade da inocência que sempre possibilita transcendência, possibilita ampliação de limites, preservação da curiosidade e maravilhamento de estar no mundo com o outro. Lembrei da historieta sobre alguém que diz a Dante Gabriel Rosseti - que estava escrevendo sobre o Santo Graal - “mas, Senhor Rosseti, quando encontrar o Santo Graal, o que vai fazer com ele?” Para a maioria das pessoas a vida se constitui em unir pontos, descobrir trilhas de erros e de acertos, quase o equivalente de um jogo de 7 erros. Descobrir os encaixes, o adequado, o inadequado se constitui em objetivo de suas vidas. Neste propósito sempre encontram ajudas: cartilhas, programas, prospectos e mandamentos de como agir, de como não errar. No afã de sempre acertar, conseguir resultados é a tabela máxima que tudo supervisiona e determina. Resultados diferentes do esperado ou que ex

Caixa-preta - cogitações

Toda situação não globalizada cria linhas de fuga e de aproximação para que se possa perceber suas implicações; é a necessidade de perspectiva que se coloca. São invasões contextualizadas que, buscando ampliar as malhas do entendimento criam pontos cegos, pontos obscuros responsáveis por dicotomização, por divisão. Instalada a quebra da situação surgem necessidades de avaliação, de confrontos para estabelecer garantia de categorização, garantia de decisão. Conflitos, divisões e indecisões decorrem do que não é globalizado, do que não é percebido em sua totalidade. No contexto da ignorância, da não apreensão das variáveis configuradoras dos fenômenos, os valores, intuições, garantias e comparações costumam significar e passam a ser orientadores do que se precisa decidir para agir. São situações onde o popular “ se não sabe o que fazer, não faça nada ” não funciona, pois não fazer nada, não agir é uma atitude, uma decisão. Sacrifícios e heroismos são nutridos nestas situações de co

Transposições, sinestesias, histeria e poesia

Existem situações nas quais todas as variáveis percebidas são polarizadas para um alvo, um objetivo. Na dramaticidade do perigo, a expectativa de ser atacado por um animal feroz, uma cobra venenosa, por exemplo, cria impeditivos imobilizantes. Nestes momentos, o que se enxerga, o que se sente, cheira ou ouve, além do gosto de travo na boca, é referenciado na situação que imobiliza; tudo é polarizado em um ponto que permite transposições e unificações das várias percepções - é a  sinestesia. Voltagens rápidas, tubilhões de acontecimentos, medos, alegrias desenfreadas criam estas percepções unidirecionadas, unilateralizadas, sinestésicas. No pânico, o que se vê, o que se cheira, o que se sente, o gosto amargo na boca, tudo é unilateralizado em função do desbordante, da ultrapassagem dos limites. As vivências são tão intensas que não são suportadas pelos limites e configurações relacionais do que está acontecendo. Certas visões de cemitério, de câmaras de tortura, celas de confiname

Empréstimo e insatisfação

Querer ser considerado, querer significar faz com que as pessoas ultrapassem os próprios limites de sua condição social e econômica. Este desejo, sempre realizado à custa de limites ampliados, prefigura o conhecido “ jeitinho ”, a improvisação que se espera que dê certo. Casa de penhores, casa de aluguéis (roupas necessárias às festas que se quer ir, mas não tem as peças exigidas ou pretendidas), empréstimos, pedidos de ajuda a amigos, tudo vale para que se consiga realizar os objetivos de não faltar, não falhar diante de compromissos e oportunidades que se oferecem. Agir fora da própria realidade, dos próprios limites, para marcar presença, para ajudar o outro, é sempre indicativo de metas, culpas ou medos. Os gastos além das próprias condições financeiras, que são feitos pelas famílias para formatura e casamentos dos filhos, por exemplo, são sempre denunciadores de frustrações e compromissos com aparência, considerados vitais. São também investimento, um marco para nova vida do f

Deslocamentos da não aceitação

Durante os deslocamentos da não aceitação podem acontecer situações aparentemente paradoxais, difíceis de serem pensadas como deslocamento graças ao caráter contraditório que apresentam, mas que funcionam como drenos de tensão, de alívio, sendo, portanto, consequentes deslocamentos de conflitos e dificuldades geradas pela não aceitação de problemas. Nas vivências extremas destes deslocamentos, destas não aceitações, a psicoterapia pode ser também configurada como situação de não aceitação. O cliente não aceita ter medos, ter conflitos e dificuldades, fala de seus problemas, mas não aceita ser questionado, não aceita não ser aceito pelo terapeuta. Ao perceber que o terapeuta, através de questionamentos e constatação dos deslocamentos de problemas, mostra que ele cliente não se aceita, enuncia que ele embaralha narrativas e desloca, ele, então, se sente aceito ao ser flagrado, ao ser descoberto nos próprios relatos. Esta vivência de constatação funciona como apoio, ela é também o enc

Injustiça - rigidez na interpretação de regras

Sempre que se resolve aplicar regras sem questionar a propriedade e implicação das mesmas, se comete injustiças. O uso genérico do que é específico causa inadequação: sobra ou falta. Vemos isto em larga e pequena escala, como em situações cotidianas em bibliotecas, por exemplo, onde a regra de não falar alto para manter a tranquilidade do ambiente de estudo pode criar situações conflitivas quando alguém chora ou grita de dor e é apenas em relação ao silêncio perturbado, ao barulho feito, que surge reclamação e até punição da pessoa que, tentando ajudar, grita e faz barulho. É preciso, antes de aplicar as regras, saber o que ocorre e como ocorre. A rigidez penaliza ao unilateralizar configurações. Muitas vezes nem se entende o que aconteceu, não estava previsto nas regras, mas assemelhava-se e decide-se pela punição. Quando isto ocorre, assistimos também injustiça, pois as situações são avaliadas com o objetivo - que já é um comprometimento - de manter regras estabelecidas, sem aval

Frustração

Frustração é o desconcerto vivenciado ao perceber que não conseguiu, ao perceber que perdeu, que falhou na realização de propósitos e desejos. As vivências de frustração são variadas. Frequentemente a frustração resulta de uma expectativa, uma meta, um desejo não realizado, não atendido. Neste sentido ela está sempre estabelecida em um tempo futuro e é causada pelos outros e pelas circunstâncias. Voltada para expectativas, a frustração é muito próxima da decepção, de não ter sido considerado, não ter seus propósitos atendidos e resolvidos.   Às vezes as frustrações aparecem quando se descobre, através de impasses, as impossibilidades de resolver os próprios problemas. Descobrir-se incapaz, impotente e sem condição de resolver os próprios conflitos e dificuldades, causa frustração. Quando as mesmas são percebidas e aceitas, quando são enfrentadas, surgem questionamentos responsáveis por recriar, por mapear todas as trajetórias causadoras do impasse. Estas situações são antíteses,