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Mostrando postagens de 2021

Percepção do Outro - o outro percebido como eu mesmo VIII

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  "O outro sou eu" - essa divisão - implica em autorreferenciamento. Os níveis do autorreferenciamento chegam a tal ponto de fragmentação que não existe mais questionamento ou comunicação. Como ilhas, nada esbarra, nada questiona. O outro é a própria pessoa. Nas vivências delirantes, nas alucinações psicóticas, no desejo de explorar, de se dar bem, de utilizar o outro - seja filho, parente, amigo ou inimigo para consumação dos próprios desejos - esse processo de autorreferenciamento é encontradiço. "O outro sou eu próprio". Esse é o artifício que exila qualquer possibilidade de reconhecimento e questionamento.  Reduzir tudo a si mesmo, pontualizar a existência é um desejo desesperado de ter um ponto de atuação, um ponto de gravitação a partir do qual as situações se estruturem e se definam. Uma vez pontualizado, só por meio da recriação de retas que se encontram e desaparecem é que se pode recriar processos. No processo psicoterapêutico é frequente encontrar essas e

Percepção do Outro - o outro percebido como fonte de exploração VII

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  Escravidão ou escravização, esse processo que utiliza o outro para exploração, existe em vários níveis: desde a mãe explorada para cuidar dos filhos deixando de ter vida própria ou para ajudar o marido cuidando da família com segurança sem maiores ônus econômico-sociais, até a mão de obra mal paga ou não paga. Usar o outro para satisfazer desejos, dos sexuais aos sociais, intelectuais ou econômicos é também uma forma de escravização.  Toda vez que alguém é submetido, essa submissão serve a algum propósito no qual apenas o dominador lucra e tem autonomia. Necessariamente, em todo processo de exploração ou escravização existe a perda de autonomia do dominado. Virar marionete, ser títere é uma maneira de desumanizar-se. Muitas pessoas só sobrevivem explorando, outras submetendo-se. O engano, o disfarce são formas aparentemente mais suaves de exploração, de submissão, mas são também muito prejudiciais, pois amarram o outro a mentiras, a enganos exploradores. Quantas mães alienam e destro

Percepção do Outro - o outro percebido como proteção (insegurança) VI

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  Transformar o outro em muralha protetora, em cobertura que ampara é algo gerado pela insegurança, pela verificação do que se precisa de apoios, de boas bases de sustentabilidade para realizar o que se quer. Transformando e dando continuidade às relações familiares que existiam ou que não existam, como por exemplo pai e mãe protetores, reais ou imaginários, os indivíduos reduzem o grande mundo, os grandes espaços às dimensões de seus impasses, de seus propósitos. Precisar atingir ou quebrar limites e para tanto utilizar ou contar com o próximo é transformar o outro em peça da engrenagem a ser mantida, é também descaracterizá-lo pois seu modelo estruturante é o das figuras parentais ou os de casas e bunkers protetores. É infantilizador transformar as parceiras em mães, os parceiros em pais, tanto quanto o mestre, o professor e auxiliares em amigos. Relacionamentos calcados na busca e realização de proteção são, por definição, esvaziadores. O outro não é o que é, é o que se precisa que

Percepção do Outro - o outro percebido como o que traz novidade V

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  Quando tudo é percebido como igual, como monótono, é preciso novidade, acabar com a mesmice que desencadeia o tédio desagradável. Os processos de não aceitação transformam o cotidiano em uma vivência homogeneizante. Nada acontece. Tudo é igual. É necessário que alguém apareça trazendo boas novas. O mensageiro da nova ordem, da nova vida é aguardado. Tudo se resolveria caso aparecesse alguém com recursos, com motivação. Ter uma companhia, alguém que ajude, oriente, participe, tudo ao mesmo tempo, ou não, é o que se deseja. Não conseguir se motivar por não aceitar seu presente cria expectativas. Vive-se esperando que alguém mude a carência, o vazio. Esse deslocamento decorre da não aceitação de si e de sua realidade. Esperar que o outro divirta, que crie novidade, é esperar o príncipe encantado ou a fada que tudo resolverá. Adiar a vida, delegando ao outro e às circunstâncias as dinamizações do que se descontinua é adiar desejos não realizados, cristalizando frustrações. O outro é espe

Percepção do Outro - o outro percebido como complemento (satisfação de necessidades) IV

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  "As metades da laranja" que se encontram, as almas gêmeas, o reencontro, todas essas ideias animam a busca por satisfação de necessidades e realização de projetos de vida por meio do outro, ou seja, com ajuda, participação do outro. É a ideia de reencontro que valida o encontro, mas esse prévio invalida a vivencia presentificada. Nessa distorção sempre tem que haver uma base, uma plataforma identitária comum para que se processe a convivência. O prévio justifica e antecede o acontecimento. Isso é a contravenção total em função dos desejos de realização.  O outro como complemento é também a expectativa que justifica o querer o outro para realizar o que não se tem condição. As próprias incapacidades e dificuldades serão sanadas pelo parceiro rico, por exemplo, ou em certos contextos os acessos serão atingidos pelo outro acostumado a sobreviver com feras ou com despossuídos, situações nas quais acessar as quadrilhas ou os grandes salões e corporações, se torna viável quando o

Percepção do Outro - o outro percebido como desafio III

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  O outro como desafio é o motivador, é a meta a ser atingida. Ter os conhecimentos e habilidade do amigo, conseguir vencer na vida como o vizinho e o patrão conseguiram, tirar do caminho o colega que está em cargo hierarquicamente mais alto são apenas alguns exemplos do outro percebido como desafio. Podemos também lembrar o desafio cotidiano que consiste em querer conquistar, pelo matrimônio, o colega, a colega que são ricos e poderosos. A vida parece ficar resolvida se fizer parte de significativo clã. O chegar lá, o se igualar aos que possuem muito - habilidade, inteligência, bons relacionamentos ou dinheiro, fama e sucesso - são posições constantemente desejadas. Para alcançar metas, vale tudo, até tirar do caminho o padre guardião de direitos das comunidades menos favorecidas, por exemplo, e isso é muito comum quando se planeja ganhar com uma situação engendrada e se percebe o outro como muralha que atrapalha escaladas. "Ou eu ou ela", "ou eu ou ele" são frases

Percepção do Outro - o outro percebido como ameaça II

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  Frequentemente o outro, o que está fora das esferas familiares, das esferas conhecidas e consideradas social, cultural e economicamente iguais, é percebido como diferente. Ser diferente é não possuir pontos de congruência, consequentemente de compatibilidade. Abismos educacionais, o não haver linguagem em comum, enfim, inúmeras situações fazem com que se exclua, rejeite e estabeleça restrições. Assim fazendo, uma multidão de estranhos é criada. Tudo pode ameaçar. O fazer parte de outra ordem econômico-social ameaça. Os ricos se sentem ameaçados, os pobres também. O diferente é sempre suspeito. Faltam padrões comparativos. A busca desse padrão gera a tentativa de estabelecer confiança entre os que processam a mesma fé, como por exemplo os da mesma religião ou os torcedores do mesmo clube; são fatores aglutinantes que geram familiaridade. O ser adepto de uma mesma coisa diminui a ameaça. Entre as famílias, e também entre bandidos, isso é verdade. Busca-se o apoio do sobrenome, assim co

Percepção do Outro - diante de mim o outro I

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    O outro diante de mim, essa é a grande constante do viver, do estar no mundo. Nunca se está só mesmo que o outro seja o objeto com o qual nos relacionamos, como: parede, floresta, cama, cadeira. Psicologicamente, enquanto imanência relacional, o outro me constitui. É exatamente aí que são definidos sujeito, objeto e comportamentos. Nesse processo perceptivo, a continuidade estabelece posicionamentos representativos de funções. Essas funções significadas por normas, regras determinam novos relacionamentos. Maria, a mãe, por exemplo, é ampliada pelo genérico mãe, cheio de significados, exigências, direitos, processos e história, regras e normas culturais, e então a mãe, antes de ser Maria, é também a continuidade de processos históricos, culturais, sociais, genealógicos. A mãe, assim, tem diluída sua totalidade na especificidade família. São os outros representativos além do constante processo diante do indivíduo. A reversibilidade dos processos, suas reconfigurações estabelecem perm

Perceber o próprio problema é libertador

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    Estar triste, desconfiado, inseguro sem saber o que vai acontecer, sem saber como se comportar cria expectativa, desejo de melhorar, de buscar soluções, tanto quanto, pela continuidade de frustrações e não realização dos objetivos, gera medo, depressão. Viver entre as quatro paredes de suas certezas, submetido às incertezas do que ocorre, separa o indivíduo de seu ambiente, aumentando também o seu autorreferenciamento, pois tudo que acontece é por ele percebido, entendido e traduzido como frustrações, ameaças e despropósitos à sua pessoa, aos seus planos e desejos. A culpa, o problema é sempre dos outros, do sistema, da educação, dos pais, do racismo, injustiças e preconceitos reinantes no país, no mundo, e desse modo é criado o círculo vicioso no qual tudo o que acontece é explicado pelo que não está acontecendo, pelo que poderia ou deveria acontecer. Institui-se assim as vítimas, os párias, os necessitados de ajuda, apoios e cuidados e também a grande legião de revoltados, infeli

Implícito

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  Implícito é o contexto, o Fundo, a base (relação Figura e Fundo), o intervalo que elucida. É o implícito que permite a continuidade de nossas vivências. Ora é o caminho, sem ele não há caminhar, ora é o pé no chão, sem ele não há caminho. Essa configuração, Figura e Fundo, tudo estrutura. É o ser no mundo, ser com o outro, continuidade, fragmentação. Prazer e desprazer, aparentemente opostos, são apenas polos da mesma reta, aspectos da mesma totalidade. Casca e miolo formam o implícito, que em algum sentido pode ser a fruta. A fruta, o resultado, é explícito em relação ao que está acontecendo e implícito ao que foi estruturado. Não há dualidade, não há causalidade. Só no presente, no estar aí, é que se percebe e vivencia o implícito. Essa é a verdadeira base das relações, das configurações problemáticas, tanto quanto das soluções psicoterápicas, e consequentemente da resolução de problemáticas. É vida, é escolha, é integração. A apreensão do implícito é a procura de totalidades, do q

Sutilezas

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    Sutilezas, esses amorfos, se tornam densos quando contextualizados. Receber o café frio ou observar os olhos levemente arregalados podem exprimir o cansaço do estar junto, do nada mais ter que motive. A manutenção, o cansaço negado podem ser gritados por sutilezas. É a relação entre o que ocorre, como, quando e onde ocorre, que tudo explicita. Frequentemente temos que contextualizar situações em outros acontecimentos que encaixam muitas coisas - como acontece nas brigas reais - para entender início, meio e fim de processos. Gritos de agonia ou de prazer nada expressam isoladamente. O isolamento, a percepção descontextualizada transforma em ruídos os sons mais diversos. As formas sutis de amor ou de ódio são sempre manifestadas, embora nem sempre percebidas. A sutileza é o qualitativo que tudo atravessa, embora geralmente só signifique enquanto quantidade expressa. Nesse sentido, a sutileza só aparece quando se quantifica e nesse momento ela se nega. Explicar a piada, repetir a lada

Insight não é comprometimento

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  Algumas vivências podem ser atrapalhadas, confundidas pela memória. O presente contextualizado no presente permite a percepção do que está se dando, acontecendo enquanto situação que se dá, que ocorre. Quando o presente é contextualizado no passado, esse fato, esse contexto interfere na percepção do presente. Cria semelhança ou dessemelhança buscadas/encontradas. Esse processo quebra o vivenciado enquanto situação que se dá, que ocorre. Constatação acontece por estar presente, nunca antes ou depois. É necessário não deixar a memória interferir para que não surjam comparações que se misturam no que está ocorrendo. Estar totalmente no presente é se permitir a apreensão do que ocorre em toda sua beleza, em todo o seu horror, no que esvazia, no que integra. Constatar é definidor, é ampliador de limites e de possibilidades. É caminho, é o novo que resplandece. É o insight. Outro artigo meu sobre este tema: " Constatação - Impasse e movimento " (https://wsimag.com/pt/bem-estar/19

Ressignificações

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  Novos significados só são possíveis quando surgem novos contextos estruturantes. Trabalhar o significado simbólico e o lingüístico exige sempre contextualizações para que haja comparação dos mesmos. Símbolos estabelecidos, linguagem escrita, falada ou desenhada são sempre fatores de discriminação seja para entender ou conhecer (discriminar), seja para separar, excluir, isolar. Recortes parcializadores criam preconceitos. A história está cheia de inúmeros exemplos, dos mais habituais aos mais esdrúxulos como o vermelho da beterraba na sopa borsch da Rússia ressignificado e entendido como sangue de crianças na sopa; ressignificação para induzir o horror aos comunistas, horror considerado fundamental e necessário na guerra fria. Em alguns casos, ressignificar nada mais é que "puxar brasa para sua sardinha", isto é: transpor formas, e isso é sempre gerador de destruição se não forem mantidas as coerências significativas das formas. Nesse sentido falta às ciências humanas, tant

Metamorfoses

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  Quando se perde referenciais de convivência pela justaposição de finalidades, outros caminhos são gerados. Essa transformação é criadora. É como a fusão de qualidades: juntar amarelo com azul cria o verde. A nova cor, a nova forma, a nova ordem é integradora de semelhanças e dessemelhanças. Observa-se sempre uma parte em comum: o básico estruturante que permite integração. Não havendo essa estrutura, ou seja, havendo fragmentação, não pode surgir integração. O todo não é a soma de suas partes. Aparências na justaposição são evidentes. Isso obviamente tanto se aplica à individualidade humana, quanto aos agrupamentos humanos. A despersonalização, a inautenticidade expressam sobreposições, conveniências e problemas. Associações com esses referenciais são híbridos, máquinas de guerra, máquinas para relacionamento, exercício de finalidades mas de núcleo vazio, fragmentos dissociados. Seres humanos quando se aceitam, coesos em seu exercício de possibilidades, ultrapassam necessidades e con

Sem medir, sem contar

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  Não avaliar, não pesar, estar com o outro, com o que acontece independente da avaliação, da verificação de valores e vantagens é humanizador. Nos relacionamentos humanos acumular, ter o pedaço maior ou o que avalia como o melhor, nada significa pois seis é um acréscimo de uns, de dois etc. a quantidade não expressa a felicidade, não a esgota, nem define. Perceber o outro, o mundo por meio de limites valorativos estabelece preconceitos. É essa discriminação que alija o outro. É ela que cria conceitos cruéis de inferior, superior, melhor, pior. Atualmente, o dinheiro e o poder são os padrões métricos do ter. As pessoas são avaliadas, são consideradas boas, ruins, superiores, inferiores a depender do que têm. O ser foi diluído, encoberto, transformado pelo ter, essa velha constatação - ser x ter - diariamente assume novas formas desumanizadoras. Avaliar é a chave mestra que tudo codifica e destrói. Nessa codificação existem as pessoas de bem (ricas), as de mal (pobres), as confiáveis (d

Estabilidade

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  Qualquer situação é passível de estabilizar ou desestabilizar. As diferenças decorrem das participações. Ao conviver com o que infelicita e corrompe se consegue dizer não ou se acomodar. Ao negar, contradizer o que aliena e infelicita se estabelece negação e contradição responsáveis por nova direção. Nos relacionamentos familiares e profissionais isso é constante. Não questionar, se omitir, se acomodar em função de medos, vantagens, desvantagens ou desajuste oprime. Cada situação que causa estranheza, deve ser questionada. Só assim percebemos que é melhor mudá-las ou que é melhor  transformar nossas atitudes em relação às mesmas. Odiar a casa que se mora, desejar outro chefe, querer amigos mais prestativos são indicadores de não aceitação e metas frustradas. Perceber as próprias insatisfações e frustrações amplia as possibilidades de se sentir melhor com o que está diante de si, tanto quanto cria a urgência de transformá-las. O bem-estar, a tranquilidade dependem da estabilidade. Ess

Aceitação do que ocorre

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  Aceitar o que ocorre, mesmo quando limitador e opressivo, é o que permite ultrapassar antagonismos. Aceitar é o ponto de apoio, o fulcro a partir do qual as situações são modificadas, transformadas. Situações cruéis e extremas, tais como descobrir que o amigo é o inimigo que ameaça, que o pai é o violentador, ou que é a própria mãe quem propicia sua venda ao próximo caminhoneiro por exemplo, tais situações fazem com que se mude de atitude quando se aceita a percepção de que não existe mais o amigo, o pai, a mãe. O que existe são lobos em pele de ovelha, que despistam suas ações perversas na corrida para conseguir seus objetivos. Nessa percepção, o chão, a terra desabam. Essa mudança, a aceitação do que ocorre, perceber que o pai é o monstro que ameaça (no exemplo acima) permite que se lute, fuja, denuncie, enfim, que seja tomada outra atitude. Enfrentar a crueldade do outro é possibilitador de mudança e o enfrentamento só é possível quando se aceita a realidade percebida. Se acomodar

Nada além do que se vivencia

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  Nada além do que se vivencia, essa aparente pontualização, nada mais é que a total vivência de estar no presente contextualizado no próprio presente. A vivência do presente contextualizada no presente é característica da infância feliz (cada vez mais inexistente, pois invadida pelas regras e normas de utilidades, vantagens e necessidades). É também frequente, embora fugaz, nas vivências afetivas nas quais, pela intimidade, pelo prazer se é cercado por um turbilhão circunstancializador. São cada vez mais raras essas vivências, pois as expectativas de resultado, o medo de ser rejeitado, tanto quanto os anseios de conquistas interferem nas vivências do presente. Criam ilhas de expectativas e os recursos apelativos de performances e imagens voltadas para conseguir realizações geram simulacros, escondendo o que se é e revelando outros aspectos considerados aceitáveis e irreprováveis. Sem vivenciar o presente contextualizado no presente são construídas paredes protetoras, que são também as

Surpresa e cálculos

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  A percepção do que existe, a vivência do presente se torna exequível quando vivenciamos o que está diante de nós como o que está diante de nós. Esse se despir de desejos e significados faz apreender o que se dá, o que acontece enquanto ocorrência. Estar diante do outro, do além de mim, do que me continua, quebra aprisionamentos inclusive os de catalogação e sistematização. É a voragem - essa sucessão -, fluxo de vivências que dá continuidade ao que acontece, ou seja, ao que está acontecendo independente do que significa. Essa continuidade de vivências tudo muda. Via de regra acontece o que pode acontecer e assim nada causa surpresa, nem sai do lugar. As utilidades/inutilidades são os legalizadores do que acontece, do que pode ou não deve acontecer. Atualmente, até a própria morte ou a dos outros é calculada, estabelecida ou evitada. Inúmeras proteções e neutralizações são criadas até mesmo a ideia de morte necessária, utilidade descoberta para evitar desgastes, privações e tristeza.

Apreensão da totalidade

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Ultrapassar os limites da reação mecânica - reflexo dos e aos estímulos desencadeadores de respostas - permite ao indivíduo globalizar os acontecimentos, os fenômenos que ocorrem. A vivência do presente contextualizada no próprio presente, o estar inteiro e voltado para o que ocorre é o que possibilita essa vivência. Quando se está buscando atingir resultados e conclusões, tudo que acontece é conduzido para tais objetivos; sequer se percebe a totalidade das ocorrências, pois elas são segmentadas e utilizadas para o objetivo que se deseja. É a vivência fragmentada na qual a parcialização se transforma em impedimento para a percepção de totalidades. Na esfera individual, o querer realizar desejos é sempre obscurecedor, turva detalhes, deforma características. São clássicos os exemplos entre mestres e discípulos, como o de mostrar a lua para o aprendiz e ter como percepção pregnante por parte dele, o dedo que aponta e não a lua; é a transformação da parte/todo que aliena e exila possibili

O em si

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Kant afirmava que a coisa-em-si jamais poderia ser conhecida, pois não há um absoluto configurador. Para ele, é sempre por meio de outros conceitos, situações ou pessoas que a coisa-em-si é conhecida. Nem sempre os psicólogos pensam nos fundamentos epistemológicos das questões com as quais estão lidando. Para mim, entretanto, a abordagem epistemológica se impõe ao lidar com as estruturas perceptivas na própria prática terapêutica. Entendo que só por meio dos estudos da percepção é possível configurar o Ser, o Eu, o Si mesmo, tanto quanto o medo e a esperança, por exemplo. Não há o em si, não há a coisa-em-si, não há o absoluto, tudo que existe, existe enquanto relação. O estar diante, o estar com, o pensar sobre, o perceber o que ocorre são os dados relacionais que configuram e contextualizam. Não existe o absoluto, ou, o único absoluto é o relativo. Só há sombra se houver luz, morte caso haja vida, enfim, os opostos se continuam, gerando unidades polarizadoras. Os polos são aspectos d

Problemáticas humanas - questões estruturantes VI

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  Ter autonomia é ser gerido, regulado e orientado pelos próprios referenciais de sustentação. Essa é a base relacional, processual que permite vivenciar o que acontece enquanto esclarecimento. É o diálogo com o que se dá, com o que ocorre e que delineia direção e motivação. A globalização desse processo  implica na manutenção da unidade individualizada, fazendo com que não se vivencie o que ocorre em função de referenciais passados ou perspectivas futuras. Estar contido, limitado ao presente é estar sendo esgotado e situado no que acontece. Essa totalização de demandas, de configurações, unifica, pois o vivenciado é açambarcado enquanto possibilidades realizadoras e superadoras da própria vivência. Não se fragmenta em circunstâncias, não se divide em conflitos. Fundamentalmente essa vivência impede a trituração que fragmenta, dispersa e faz ancorar, estacionar nas circunstâncias que aplacam necessidades. Estar coeso, inteiro é o contexto no qual se estrutura autonomia. Exercendo a con

Problemáticas humanas - questões estruturantes V

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  Quase a totalidade das pessoas que buscam psicoterapia o fazem para diminuir ou resolver sintomas que atrapalham seu bem-estar na sociedade: angustia, ansiedade, desespero, medo, inibição, insônia, apetite compulsivo, anorexia, desejos sexuais compulsivos e obstinados, por exemplo. Esse tipo de busca psicoterápica já esclarece o que se deseja adquirir, o que se deseja normalizar. Essa escolha - fazer psicoterapia - esconde a chave que tudo explicita: a não aceitação, o não se sentir aceito, o não se aceitar. Essa estrutura de não aceitação é o que é deslocada por meio dos sintomas e aplacá-los promove ajuste, satisfação, mas não transforma as individualidades. Quando não ocorre esse processo de transformação o indivíduo é sedado em suas demandas existenciais e adequado a suas necessidades de sobrevivência. Geralmente as psicoterapias são exercidas como processos educativos que oferecem as melhores possibilidades para exercer antigas e esclerosadas necessidades. Não esquecer que elas

Problemáticas humanas - questões estruturantes IV

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Quando o fundamental é esconder fragilidades - não aceitações -, se busca trocar de pele, de aparência, removendo marcas ou cicatrizes. Sem certeza do sucesso começam as desistências. Os topos, cumes de montanhas, foram alcançados, mas as marés quando mudam, quando crescem, tudo submergem. Ansiedade, tensão, medo, expectativa constroem angustia e o desespero do estar no mundo sem certezas e sem garantias. A única certeza, que é a morte, o final de processo, apavora. Essa desintegração do indicado estabelece depressão, delírios, taras nas quais o outro é usado para aplacar e servir sua impotência, sua degradação enquanto indivíduo. Maldade, crueldade contra os mais fracos são constantes. Submeter e utilizar crianças para os próprios prazeres sexuais - substitutivos do não conseguir se realizar sexualmente -, maltratar e oprimir, são exemplos da incessante repetição da utilização do outro como exercício de poder, de prazer e crueldade. Quanto mais esse processo fragmenta, mais o indivídu

Problemáticas humanas - questões estruturantes III

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Ao se confrontar com os valores culturais se coloca a questão de adequação ou de inadequação. É a verificação, a constatação do estar ou não estar dentro do padrão valorizado. Saber se representa, se significa o que é socialmente considerado bom, melhor e adequado cria escalas de medida, padrões. Caindo em índices inferiores, estando abaixo da média, ou fora da mesma, do que é considerado válido, bom e passível de investimentos e aplausos, o indivíduo se sente subtraído, inferiorizado, mas se amolda, se adapta ao lugar que lhe é destinado. Esse processo é caracterizado por constantes ajustes e desajustes. Buscar adaptação quando se está abaixo do estabelecido como bom constrói pistas de competição onde driblar é uma constante. Nesses casos, parecer ser o que não é passa a ser um despiste fundamental para conseguir sucesso. Truques e muitos recursos são utilizados, tanto quanto um arsenal de comparações é mobilizado. Ostentar o anel de doutor no dedo, ser afilhado da autoridade paroquia

Problemáticas humanas - questões estruturantes II

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  Na neurose, estabelecer direções cria pontualizações e, consequentemente, vitórias e derrotas nada expressam salvo resultados.  Havendo globalização dos processos não importa onde se chega desde que se valorize o caminhar. A vivência, o estar com o outro, o estar consigo mesmo é o que permite descobrir capacidades e incapacidades, acertos e desacertos. Essa descoberta constante decorrente dos encontros, desencontros e impasses estrutura humanidade.  Sair da sua própria realidade ao estabelecer propósitos e metas é sempre esvaziador pois não totaliza, não engloba as diversas possibilidades humanas. Ter sido dragado e engolido por uma direção, mesmo que a mais privilegiada, é anulador de possibilidades. O privilégio de hoje, de ontem ou de amanhã, é uma circunstância aderente e configuradora de valores posicionantes, não é essencial. As circunstâncias são trajetórias, não se constituem como qualitativo definidor do humano. São como pegadas de processos, marca de pés, mas não o caminho,

Problemáticas humanas - questões estruturantes I

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  Toda problemática humana - ou em outras palavras todo comportamento neurótico - decorre da própria pessoa não se aceitar e sempre precisar ser aceita, validada, reconhecida, considerada. Sentir-se subdimensionada, diminuída, incapacitada, diferente do que é considerado agradável e harmônico obriga a uma verificação constante do estar sendo aceita e considerada. Essa frequente avaliação dos resultados de seus comportamentos estrutura o processo de insegurança. Pontualizado em função de resultados o indivíduo é polarizado para evitar falhas e buscar acertos, pois foi educado para conseguir bons resultados, para vencer na vida, superar seus deméritos, suas dificuldades e incapacidades. As vivências de aceitação e de não aceitação decorrem do relacionamento com o outro, inicialmente pais ou quem os esteja substituindo. Frequentemente os filhos são aceitos pelo que significam enquanto realização de sonhos e desejos, medos e temores, consequentemente, educados para repetir vitórias ou supe

A continuidade estabiliza

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    A continuidade estabiliza tanto para o bem como para o mal. O importante é a manutenção das estruturas configuradoras dos fenômenos que, pela permanência, podem ser questionadas, mudadas.  A miséria sem fim que aflige um terço da humanidade pode ser mudada quando configurada como falhas de sistemas econômico/sociais. Essa percepção passa a se impor e obriga a novas políticas econômicas e sociais. Muitas vezes os problemas paralisam e parecem insolúveis. Recentemente, por exemplo, o navio encalhado no Canal de Suez desafiou todos os esforços e técnicas para desencalhá-lo, mas a continuidade do problema, da impotência, abriu novos horizontes. O navio foi desencalhado e o tráfego restituído no canal, e os especialistas passaram a questionar a fragilidade da cadeia de comercio global.  O impasse redimensiona problemas e estabelece visões, insights criadores de solução surgidos pela impossibilidade, seja pela constatação de mediações necessárias ou pela inadequação dos sistemas. A persi

Solidariedade

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  Solidariedade é a ampliação de si pelo reconhecimento do que é familiar: o outro que continua sentidos e direções. Incluir-se em grupos, fazer parte da humanidade cria solidariedade. Atualmente a desumanização - a alienação do humano - torna difícil o exercício da solidariedade. Agir por tabela, ajudar a quem precisa porque sempre se ajuda a quem precisa, cria um direcionamento contingente negador da própria solidariedade, pois nesse esquematismo falta humanidade, sobra ação contingente, mecânica e utilitária. Ser solidário é ser com o outro, é continuar-se. As pontualizações de mecanismos alienantes muitas vezes transformam a solidariedade em uma sequência de ações alienadoras. Bastar ver campanhas para ser solidário é como se a aderência prevalecesse sobre a imanência. Ajudar não é seguir uma receita ou uma rota; é necessário criá-la independente de campanhas e aplausos. O voltar-se para os sentimentos de amizade, compaixão e boa vontade independe e é indiferente à felicidade, nece

Integração de limites

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  Limites podem ser integrados e quando isso acontece os obstáculos desaparecem, os limites passam a ser referenciais e dessa forma são transformados em apoio, em base. Esta base, o presente - os limites integrados - não dificultam, ao contrário, possibilitam fluidez. Dualidades continuadas, necessidades, possibilidades são referenciais agora despidos de significados amedrontadores ou alentadores. Saber o que se tem, o que se é, onde se anda, a paisagem que se descortina, tudo é configurador do estar no mundo, tudo sinaliza e orienta espontaneamente. A espontaneidade é o natural enquanto próprio, devido. Viver a própria vida é o único que se coloca. Olhos, braços, boca - corpo - são os constituintes, os estruturantes relacionais do conhecer, do viver. A percepção do ser, do si mesmo - possibilidade relacional - é exercida pelas próprias percepções. Vida é continuidade, é efeito virando causa, é causa virando efeito. Na realidade, a pontualização - em causa/efeito - é, como todo ponto,

Pretensa capacidade como deslocamento da impotência

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    Sentir-se incapaz e sem condições de agir, de modificar situações que estão sendo desagradáveis cria inconvenientes questionamentos ao estabelecido, revoltas e muitas vezes propósitos de boas ações. A não aceitação da incapacidade é gerada pela culpa, maneira de deslocar a impotência diante de acontecimentos, camuflagem necessária para persecução de objetivos, comprovando assim a evidência conceitual: a onipotência é sempre um deslocamento da impotência. Não admitir a própria incapacidade, não admitir e escolher a si mesmo como objetivo fundamental leva à criação de camuflagens, desde que o indivíduo quer se manter em posição, por exemplo, como responsável defensor da família e consequente com seus ditames de "chefe de família". Para essas pessoas, abrir mão do outro é uma maneira de se afirmar, de subir na escada das realizações. O lema é: nada me atrapalha. Acontece que, seguindo nosso exemplo da família, é a própria mãe, o próprio pai, o irmão que precisam de ajuda e d

Tristeza, fome e frustração

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      Interrupções, perdas, mudanças abruptas assim como mudanças temidas geram tristeza, que é uma ocorrência inevitável no processo da vida, na vivência dos afetos quando esses são modificados.  Quando essa vivência é transformada em referencial a partir do qual tudo é percebido, quando é mantida como situante relacional, ficar triste é uma atitude resultante da não aceitação de realidades passadas e agora posicionadas. É o resumo conseguido após avaliação, como por exemplo sentir-se feio, fraco, covarde, sem sucesso, que resulta de avaliação e comparação com os outros, com os padrões, com os desejos, com o que se esperava. É quase sinônimo de desânimo (a manutenção contínua desse desânimo, dessa falta de motivação é a depressão resultante de estar isolado, emparedado). Sentir-se feio, fraco, covarde sem sucesso são os frutos amealhados pela comparação com normas e padrões existentes, tanto quanto com os sonhos falhados.  Perdas afetivas, calamidades, acidentes, pandemias causam tris

Dúvida como solução ou negação de limites

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    Quando dúvida em relação ao que se vivencia, ao que se quer ou se espera, se instala, são criadas artificialidades. Esses instrumentos artificiais aproximam ou distanciam o que se está percebendo, questionando, temendo ou resolvendo. É uma situação na qual se faz lembrar a clássica afirmação dos gestaltistas alemães: o afastamento do problema gerador de dúvida pode ser uma aproximação solucionadora de impasse. Essa afirmação é contextualizada no conceito de meio geográfico - que é o meio tal como a ciência o descreve - e no conceito de meio comportamental - que é o meio tal como o indivíduo o percebe. A dúvida que se estrutura no que se apresenta traz sempre soluções, entretanto, quando ela decorre de avaliação e comparação com o que se pretendia, o que se almejava (futuro), ou o que se temia (passado), ela cria mais dificuldades, mais problemas, afastando as possibilidades de solução. E nesse contexto, por meio da atitude de duvidar se exerce onipotência, desconfiança, o autorrefe

Arremedos

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  Imitar, copiar, repetir, plagiar são formas diversas de arremedar. Cópias rascunhadas, esboços, insinuações povoam o dia a dia. A mentira, as fake news , o parecer que é o que parece ser são arremedos de democracia, de ciência, de verdades diversas. Imitar para enganar é o que estrutura o ilegítimo, o mentiroso. Nas vidas pessoais, se pautar em parâmetros configuradores do "isso é certo, isso é bom, é o honesto" cria todo um mercado de ilegítimos, cópias que podem ser acessíveis a todos. Bens de consumo, mercadorias constituem o maior campo de imitação, cópias e arremedos. Visando a mentirosa participação de todos, degrada-se qualidade destruindo recursos naturais. O mais caro, o mais barato, o médio, tudo pode ser adquirido, não importa se o leite adulterado é 75% água, importa que pode ser vendido como leite. Essa imitação e invasão de estruturas quebra características e instaura outras direções: legítimo não é o que é, é o que parece ser. Ser ou parecer quando transposto