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Mostrando postagens de 2023

Torcendo que aconteça

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  Apostar no futuro é gerar expectativa. Esperar é temer quando se imagina que nada do necessário e prometido vai acontecer, tanto quanto esperar é comemorar o que já está para acontecer, o que se deseja que ocorra. Valorar como positivo ou negativo o que vai acontecer cria ansiedade à medida que antecipa acontecimentos. As antecipações funcionam como apostas. É o indivíduo com ele mesmo decidindo. Esse autorreferenciamento implica sempre em divisão. O indivíduo se transformou em outro que é o juiz, a vítima, o que vai decidir o processo. São criados os atores, outros eus resultantes da divisão suportada por contextos e atmosferas de ansiedade.   As vivências voltadas para resultados sempre são apoiadas em ansiedade e é por essa condição desvinculada da realidade que elas angustiam e atritam, é a poeira que cega. Não há discernimento, não se sabe o que está acontecendo, nem mesmo como acontece.   Aspectos culturais incorporam vivências. Existem ciclos e datas

A armadilha da superação

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    O desejo de ultrapassar ou neutralizar obstáculos é uma das mais legítimas condições de superação, entretanto essa legitimidade se ancora em desejo. Ancorar no flutuante - no desejo - é em si um entrave a qualquer possibilidade de mudança, apesar de ser um forte alarde, um grito contra o fato de estar submisso, aprisionado a obstáculos imobilizadores.   Superar vicissitudes físicas, orgânicas, que invalidam o comportamento e o desempenho físico, depende de constante aceitação de limites e paciência diante da demorada melhora e remoção desses mesmos limites por meio de exercícios e remédios. Esse é um embate diário com o que é limitante, e é o que traz transformação ou mudança.   Nem sempre a questão da superação é decorrente de impactos e dificuldades ligadas a contingências e circunstâncias limitadoras. Frequentemente ouvimos e sabemos dos desejos e motivações de superação em relação aos impedimentos, dificuldades oriundas da não aceitação. Por exemplo: o

Temor

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Avaliar situações e ver escorregar as possibilidades de sucesso e realização cria ansiedade quando não se tem autonomia, quando sempre se está almejando paz e tranquilidade. Não suportar estar só, entregue a si mesmo, por exemplo, é a constatação do vazio, do medo, da incapacidade. Precisar de disfarce funciona como impermeabilização que protege da dor. Disfarçar o fato de se sentir só e desesperado é caminho para o medo, para o temor criador de omissão.   Estar em suspenso, não tocar os pés no chão, fugir da realidade, na maioria das vezes é uma situação alcançada por meio de drogas. É o vício do remédio que anestesia, do excitante que traz esperança, do estupefaciente, do que como tapete mágico transporta para outro faz de conta. O importante é não ver o que acontece, não sentir o que se teme. Viver nas nuvens - nefelibata - é a busca falível da terra do nunca, do que não existe, que existe para configurar tempo e espera, pessoas e monstros inventados. Nesse ma

Convencer não é questionar

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  Certo dia li uma frase de José Saramago: “Aprendi a não tentar convencer ninguém. O trabalho de convencer é uma falta de respeito é uma tentativa de colonização do outro” . Pensei: convencer é arbitrário, mas questionar é o que faz mudar, é fundamental. Proselitismo não é mudança.   Podemos pensar em paralelas ou em ângulos. Os pontos de encontro, os pontos de atrito geram mudanças. Perceber o que acontece ao outro, o que acontece no mundo como paisagem, como filme, como obra de arte ou notícia de jornal é se colocar em andaimes ou prisões guardadas. A impossibilidade de acesso impermeabiliza. Estar presente, diante do outro, participar do que ocorre obriga a reações, a diálogos, obriga a questionamentos.   Regras sociais, convenções religiosas - é a vontade de Deus , por exemplo - são explicações do que se vê, do que se ouve, do que se sente, que insensibilizam. Gritos, uivos e ais exibem, no mínimo, sustos, e são mudanças de postura. Essa impermeabilização

O que faz o humano, humano?

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  O que faz o humano, humano? A vida, a possibilidade de mudança, o nascer, crescer e morrer. Essa definição iguala homem, animal e plantas. Isso significa ser vivo, e a partir desse ponto se começou a pensar em alma, consciência, espírito como diferenciadores do humano. Animais não têm alma? Para os representantes da Igreja, dos descobrimentos à escravidão, os negros e os índios não tinham alma, podendo por isso ser escravizados, não eram humanos.   Definir alguma coisa por um supostamente existente – alma, por exemplo – é logicamente precário. Como definir e diferenciar homens de animais? Tentou-se definir pelo pensamento. Afirmar que o homem é um animal racional implica em admitir irracionalidade para os animais. Mas, quando nos detemos nos processos perceptivos, no conhecimento que isso estrutura, vemos que os homens pensam e os animais também, pois ambos percebem e pensamento é prolongamento da percepção.   O que faz o homem humano é a possibilidade de questionar e de

Luta por poder e valorização

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Quando se coloca a variável de merecimento as coisas se bifurcam, se dividem e se complicam. Por exemplo, um lugar ao sol todos têm, todos merecem. Ocupar um lugar no espaço – estar debaixo do sol – é o que caracteriza a vida nesse nosso planeta. O uso figurado, valorativo dessa realidade - um lugar ao sol - aponta para situações de ambição e ganância, ou desamparo e justiça. Quem almeja o lugar ao sol pode estar na luta para ser entronizado, valorizado, tanto quanto pode ser a desesperada busca de poder apenas colocar os pés no chão.   Desde o desespero de conseguir cura para doença que impede o pôr os pés no chão, até a luta pela recuperação do chão solapado (terras roubadas, casas invadidas, países dominados...), o lugar ao sol é a legítima procura de exercer o que é devido e próprio. Crianças criadas para ser objeto de sevícia, para trabalhar, mendigar e trazer dinheiro para casa; mulheres vendidas a redes proxenetas; cães treinados para roubar, para competir e ser metralhados,

Nichos adaptativos

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  Os principais condicionantes e garantidores de adaptação/desadaptação - os nichos adaptadores/desadaptadores - são os representados pelo nível de consumo e aquisição. Essa recente redução da dimensão social humana às variáveis econômicas é desindividualizante, pois reduz os processos ditos subjetivos à mera expectação e contagem, à verificação do que ocorre.   Já se nasce com caminhos definidos: periferia ou centro, casebres ou mansões, contextos intercalados por inúmeras variáveis. Essa corda esticada – do lixo ao luxo, do pouco ao muito – é curta, é tensa e cada vez demarca mais os espaços, criando, a nível psicológico, resíduos paupérrimos: as motivações são reduzidas a ser rico, não ser pobre.   Tudo gira em torno do que pode ser conseguido, adquirido. Consumo de comida, de bens, de viagens e de conhecimento datado, tudo é significado como vara de condão, como a magia que leva aos contatos com vizinhanças valorizadas, com personagens de riqueza e po

“Reconheci a felicidade pelo barulho que ela fez ao partir” – Jacques Prévert

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  Não vivenciar o presente, estar sempre avaliando e amealhando gera frustração e arrependimento. É o resultado de não participar do que é vivenciado, do que ocorre, por estar constantemente verificando, calculando, constatando, medindo, ou seja, de não estar inteiro diante do que ocorre. Infelizmente, para muitos, a realidade, o mundo, o que ocorre é um extenso e complicado quebra-cabeças, com peças faltando ou escondidas.   Essa ideia de completar, de resolver enigmas ou problemas cria finalidades que ultrapassam o que está acontecendo ao gerar linhas de convergência. Lançar-se no futuro com a urgência de chegar a determinados pontos previamente estabelecidos e valorizados, buscando conclusão, comprovação, faz perder de vista o presente, a realidade. Esse processo cria desconfiança, percepção de ser enganado, de ter perdido oportunidades, de não ter visto o que acontecia. É dessa não percepção que fala o poeta Jacques Prévert quando diz: “ Reconheci a felic

Sobreviver ou existir

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Aceitar o limite ou ir além dele transformando e criando situações novas? Essa é uma pergunta, uma contradição que sempre vivenciamos em inúmeras situações.   Quando reduzido à manutenção de suas necessidades, o horizonte que resplandece para o homem é o da satisfação dessas necessidades e isso significa viver no limite da sobrevivência. Significa estar reduzido a comer, dormir, procriar e sedar a sede. Nada além disso, apesar das infinitas variações que esse processo oferece, desde a construção de moradias até as leis que suportam o convívio e o exercício do poder social e político.   Ir além das necessidades requer questionamentos estruturadores de transcendência. Um dos primeiros problemas na estruturação de transcendência é limpar resíduos gerados pela sobrevivência. Esses resíduos são inúmeros e se manifestam principalmente como medo, inveja, raiva, adaptação e divisões oportunistas geradas pela promessa do estar vivo e conseguir realizar desejos. Ao limpar, q

Por que o oprimido anseia por mais opressão?

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  Por que o oprimido anseia por mais opressão? Essa indagação aparentemente contraditória é esclarecida quando se inclui e trabalha com a realidade estruturada no que se percebe como segurança. Segurança é, em última análise, mesmice. A mesmice conseguida pela repetição, a não mutação de variáveis, a manutenção do existente.   A Terra é redonda, os processos existem, é a dinâmica, é o movimento que tudo configura e define, mas isso atordoa. Surge, assim, a necessidade de marcar, criar padrões, regras e normas, estabelecer referenciais seguros e imutáveis. Desde a família, a religião, as leis, os contratos sociais, o poder econômico que tudo solapa e edifica, até as determinações mesquinhas e autorreferenciadas “do que é meu”, “do que é próprio, do que é impróprio”, “do que faz parte de mim”, tudo conflui para a busca de estabilidade e conservação. Essas colocações, mesmo que só indagações, criam referenciais. Saber até onde se pode ir ou não se pode ir gera dever

Estar consciente do que acontece

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Estar consciente do que acontece só é possível quando nos detemos no que acontece, e se deter é geralmente impossibilitado pela quantidade de frustrações e desejos acondicionados que embrulham o ser humano. Esse sistema de acondicionamento e proteção é desumanizador, esconde e faz sumir humanidade. A pessoa passa a ser os invólucros protetores, os acondicionamentos e condicionantes. Assim, se torna mais importante construir casulos protetores do que exercer humanidade.   As vivências e suas implicações se constituem em estofo relacional. Antes e depois sempre estão presentes como continuidade do estar aqui e agora. A dinâmica exige contradição tal como a transitoriedade. O fugaz é o instante, é o lampejo que clareia, mas que impede estar consciente do que acontece, pois ilumina outras dimensões, principalmente as do resultado. O conhecimento que daí decorre não discrimina o que se consegue ou o que não se consegue, é apenas a catapulta que impele para outras área

Estruturas responsáveis por mudança

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  Perceber que os outros têm o que não se tem, ou perceber que se é injustiçado ou não é reconhecido são situações perfeitas para estruturar revolta. As comparações, a medida do afeto recebido, a falta sentida pelo que é necessário – a alimentação mínima, por exemplo – cria revolta. Assim como começa a existir revolta quando falta justiça, igualdade de parâmetros e de critérios. Em certos contextos, principalmente profissionais, não ser reconhecido como propiciador de mudança, como agente efetivo de transformação, pode também gerar revolta.   Não basta comparações que geram desigualdades, arbitrariedades e descaso para haver revolta. O principal núcleo estruturante de atitudes revoltadas decorre de comparações, verificações geradas pela não aceitação do que se vivencia. Sentir-se colocado em situações subalternas, desprivilegiadas e estigmatizadas, quando tudo é medido, observado e comparado, cria raiva, inveja, medo, fazendo com que o indivíduo se sinta preterido

Indecisão

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  Toda vez que é necessário decidir é também necessário abrir mão, assim como segurar as rédeas, as direções do que se quer trilhar. A vivência dessa realidade, o enfoque desse processo, que é geralmente por problemas e não aceitações, é visto como perder oportunidades quando não se posiciona. A partir dessa percepção iniciam-se as avaliações: “posso ficar com ambas situações; não preciso desistir; tenho que compor forças”. Essas cogitações transformam decisão em uma imposição ocasional que pode ser adiada, disfarçada.   O tempo passa, as contradições se acumulam e o que era óbvio e fácil se transforma em dramática necessidade de escolher. Nesse momento, as contingências e oportunidades comandam as escolhas, chegando até a se descobrir que é mais fácil morrer que viver. A inversão de valores comanda o dia a dia, os deslocamentos se impõem, vícios, hábitos e medos (omissões) passam a governar o cotidiano. É assim que se instalam a depressão, a raiva ou o medo

Cortes arbitrários do que se vivenciou

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  Os processos estruturados pelas vivências de não aceitação sempre convergem para busca de resultados considerados positivos. Atingir o resultado positivo, evitar o negativo é se considerar e ser considerado vencedor ou vencedora. Buscar resultado é esvaziar cada vez mais as vivências, pois assim não existe continuidade, existem apenas pontos a atingir. A mecanização de processos é o tic-tac, o bate estacas esvaziador. Vive-se para conseguir, para ganhar, para realizar desejos. A vida passa descontínua. É o caminhar pela escuridão para tentar chegar à luz. Supostos paraísos, supostos oásis no deserto vivencial responsável pela estruturação de despersonalizados, robotizados pelo anseio de vitória, pelo medo de fracassar. O que se consegue? Empilhar propósitos realizados ou quase realizados. E isso é o significado das próprias vidas, é o propósito despropositado do existir. É a continuidade transformada em etapas - cortes arbitrários do que se vivenciou. É o vazio b

Certezas devastadoras e imobilizadoras

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  De repente fica claro como desfechos desagradáveis, uma morte ou a perda de uma gravidez, por exemplo, são vivenciados como inevitáveis. A vivência da impotência após a revelação, a descoberta do que se temia,   pode ser imobilizadora.   A certeza é sempre compacta, não deixa espaço para tentativas de mudança, entretanto, como se pode ter certeza do que não ocorreu? Como não se tentar mudar o curso do que pode ocorrer? Certas revelações quando feitas antecipam processos, estabelecendo também impotência. Nesse contexto, normalmente se pensa que não há o que fazer, não há o que tentar. As certezas antecipadas funcionam como: “se ficar o bicho come, se correr o bicho pega” . Não há tempo, não há espaço. Resta esquecer ou esperar.   Quando o que era antecipado ocorre, a impotência permanece, e às vezes é substituída por culpa, que é a tampa da impotência. A omissão em relação ao outro, em relação aos processos que estão ocorrendo é responsável pela estruturaç

Novos aspectos da Inteligência Artificial

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  O outro não é mais meu semelhante * Nestes últimos meses temos sido invadidos por reportagens, lives , debates e artigos sobre inteligência artificial (IA). Tornando-se um dos temas mais importantes de 2023, a questão da inteligência artificial é assunto diário. Como sempre, o maniqueísmo, a polarização impera nos debates. Para muitos, falar de IA é falar dos males que ela ocasionará em futuro próximo, como o desemprego, as ameaças e os erros de programação; para outros é a redenção da humanidade, pois a IA realizará o trabalho difícil, e além disso, as minúcias impossíveis de alcançar e operar serão resolvidas ou possibilitadas com IAs melhorando diagnósticos médicos e associações de dados em pesquisas científicas, por exemplo.   Sempre antropomorfizada, a inteligência artificial é vista como amiga ou como inimiga... mas, o mais preocupante é ser antropomorfizada. Esse virar pessoa, ser constituída como pessoa é quase uma desistência nossa de nossa humanidade. Imaginar que uma