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Mostrando postagens de maio, 2019

Imprevisto

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O que não foi imaginado, ou ainda, o que não foi considerado, se constitui no imprevisto que neutraliza processos ou que, ao criar contradições, transforma em impasse a continuidade. Tsunami, morte, acidentes são imprevistos do ponto de vista de quem os sofre, tanto quanto são meras decorrências e continuidades processuais. Pensar que certas coisas estão fora de cogitação cria outras modalidades que açambarcam expectativas, escondem evidências e passam a ser vivenciadas e percebidas como imprevistos. Viver em função de objetivos, de resultados unilateraliza e assim fica-se cada vez mais à mercê dos imprevistos. O vencer ou vencer, o não ter condição de aceitar perdas vulnerabilizam. Transformar inúmeras variáveis em poucas ou únicas possibilidades é esvaziador. A certeza é um aniquilador de possibilidades quando passa a se constituir em apoio. A variação infinita e ambígua resulta da falta de referenciais estabelecedores de sua dinâmica. Não há eixo, tudo pode acontecer. Es

Humano considerado humano

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Considerar humano como humano seria o óbvio. Perceber o outro, perceber a si mesmo como ser humano seria a constatação frequente de todos que lidam entre si. Esse óbvio é negado por construções aleatórias determinadas por valores restritivos. As diversas crenças e fés religiosas discriminam. Fazer parte de religiões e iniciações impõe rituais e regras que quando não atendidas criam os ímpios, os “filhos de satanás”, os bruxos, as bruxas. As ordens econômicas determinam os que mandam e os que obedecem. Visões preconceituosas estabelecem os que são normais, pecadores, doentes, saudáveis, consequentemente os que têm direitos, os que são seres de bem, seres humanos. De tanta fragmentação do conceito de humano é muito raro considerar humano como humano. Classificações como as de baixa-renda ou de grande poder aquisitivo, de merecedor de milhões de clicadas, tudo isso transforma a humanidade em pigmentado cipoal, selva onde é muito difícil perceber o humano como humano. Nietz

Consumir

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Cinquenta anos atrás, consumir era sinônimo de alienação. Atualmente, consumir é um vetor de realização social. Quanto maior o consumo, maior a riqueza e a possibilidade econômica. Hoje em dia é por meio do sucesso econômico que se constrói o lugar social e nesse sentido os que não são bem sucedidos são alijados. Consumir é significar. Esse fazer parte individualiza por meio do pertencimento à equipe, é o team que se estende até a locais de entretenimento ou de moradia. No livre mercado o que importa são as moedas de transação. Ter o que vender e poder comprar estabelecem circuitos nos quais circulam o necessário, mesmo que indevidamente. Os que estão na base da pirâmide servem de apoio para que poucos atinjam seu topo. Tudo pode ser consumido, do próprio corpo à própria cabeça e alma. Autoconsumir-se obriga à criação de aparência, utilizando imagem, apoderando-se de narrativas sancionadas como edificantes e válidas. Esse processo canibaliza e esvazia, expressando-se de di

Ressentimentos e submissão - Ética do oprimido

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Queima de livros durante o nazismo Nietzsche dizia que “a moral do ressentimento é a moral do escravo” . O ressentimento agrupa e comanda pessoas submetidas a medos, ódio e raiva, e é nesse sentido que Nietzsche fala em escravos, ou seja, alguém que é diferente do homem livre, pois sem autonomia está submetido a seus opressores. Ter inveja, ter ódio, ter mágoa e não poder expressá-las produz ressentimentos e frustração. São as vítimas oprimidas que escolhem sempre bodes expiatórios para extravasar seus medos, seus ódios, ou pior, utilizam sugestões, aceitam bodes expiatórios para drenar seus ódios. No nazismo assistimos às multidões ressentidas e determinadas destruirem sinagogas. Nas atuais sociedades democráticas, a política, as redes sociais, os pilares democráticos corroídos e destruídos servem para veicular ódio, medo, rejeição a determinados segmentos sociais e étnicos. Ter inveja e raiva e não conseguir expressá-los por medo e submissão, seja a familiares, cônjuges

Marcos civilizatórios - Duas ceias

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O Banquete de Platão O ir além do próprio dia a dia da sobrevivência e manutenção constrói dimensões diversas para o humano. Acompanhar o processo de seu estar no mundo, configurar e atribuir significados aos mesmos estabelece rotinas e rituais. A descoberta do fogo, possibilitando cozinhar, leva a abandonar o cru e, assim também o perecível, o que não repõe o necessário para a nutrição. A longevidade, a durabilidade do que é caçado como alimento que supre, foi conseguida. O fogo conserva! Essas pequenas descobertas no mundo pré-histórico equivalem à descoberta do transistor . Portabilidade, adequação e simplificação permitem ritualizações que transcendem o mero caça-coleta que caracterizava as sociedades antigas. George Steiner, no final de seu livro “Nenhuma paixão desperdiçada” , ao contar a experiência de inúmeras significações, a complexidade cênica e os jogos dinâmicos entre sutileza e generalidade, enfatiza nosso legado cultural marcado por duas ceias: o banquete de