Preservar e continuar




Pela memória conseguimos a proeza de preservar e continuar. A memória permite manter acesas inúmeras vivências que possibilitam sequência, continuidade necessária para identificar pessoas e tornar possível a manutenção ou abandono de experiências catalogadas como agradáveis, úteis, inúteis e desagradáveis. O potencial do ato de memorizar depende fundamentalmente de quanto se vivencia o presente. Disponível e dedicado ao que se vivencia, se consegue memorizar e oportuna e contextualmente reproduzir.

Os palácios de memória elaborados por Matteo Ricci, por exemplo, eram um engenho para se conseguir memorização por meio de vivências presentificadas. O jesuíta italiano, que viveu como missionário na China a partir de 1596, impressionava os chineses com sua erudição e cultura geral, com sua capacidade de memorizar grande volume de informações. Ricci então escreveu o Tratado Sobre as Artes Mnemônicas com o intuito de difundir suas técnicas de memorização e de atrair os chineses para o cristianismo. Para ele, cada acontecimento, situação ou conhecimento a ser memorizado deveria ser “colocado” em um local, como salas de um palácio imaginário, mental, que seria acessado quando desejado. Ricci no fundo procurava contextualizar as lembranças. A memória individualiza, tanto quanto seus registros por meio de álbuns, fotos, livros e museus são vivificadores. Um povo sem história, uma vida sem memória empobrece, esvazia o estar no mundo.

Diferenciação de caminhos, construção de referenciais que explicitam e caracterizam vivências e experiências constituem fundamentos para questionamentos e realização de motivações. Só é possível seguir em frente, sem olhar para trás, quando o caminho é pavimentado pelo que foi feito. Caminho esse que só pode ser mantido ou modificado a depender da condução de suas linhas mestras. A memória é o farol, é o guia, pois ela, ao reviver o que está atrás, o que ocorreu, se torna o presente identificador do sim, do não, do que foi bom, do que foi terrível. Ela é a retenção e manutenção do percebido, é um insight que ilumina no presente, e assim realiza a magia do estar no mundo com o outro sempre.

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