Humano considerado humano
Considerar humano como humano seria o óbvio. Perceber o outro, perceber a si mesmo como ser humano seria a constatação frequente de todos que lidam entre si. Esse óbvio é negado por construções aleatórias determinadas por valores restritivos. As diversas crenças e fés religiosas discriminam. Fazer parte de religiões e iniciações impõe rituais e regras que quando não atendidas criam os ímpios, os “filhos de satanás”, os bruxos, as bruxas. As ordens econômicas determinam os que mandam e os que obedecem. Visões preconceituosas estabelecem os que são normais, pecadores, doentes, saudáveis, consequentemente os que têm direitos, os que são seres de bem, seres humanos.
De tanta fragmentação do conceito de humano é muito raro considerar humano como humano. Classificações como as de baixa-renda ou de grande poder aquisitivo, de merecedor de milhões de clicadas, tudo isso transforma a humanidade em pigmentado cipoal, selva onde é muito difícil perceber o humano como humano.
Nietzsche falava no humano demasiado humano para expressar as variedades das fraquezas, emoções, dificuldades e possibilidades humanas. Essa ideia quantitativa de transbordamento explicitava o início da pressão alienadora da visão do homem (século XIX), que se desenvolve no nada resta ou tudo sobra do humano no humano. A medida é o padrão de conveniência. Breve conviveremos, rivalizaremos com inteligência artificial. Já nos defrontamos com massa mínima estocada - nosso perfil - exibido e construído nas Redes.
Quando considerar o humano, humano? Quando seus estoques de DNA, medula, órgãos e células podem ser trabalhados, comercializados? Quando suas expressões podem ser lidas, ouvidas ou fotografadas?
Leis e decretos para subtrair sistematicamente recursos vegetais e hídricos ameaçam a humanidade como já ameaçam e destróem inúmeras etnias. Eliminar o diferente, recusar o migrante são maneiras de destruir, de desconsiderar o humano. O culto à performance, a ganância desenfreada, o desaparecimento das classes sociais catapultadas pelos mercados emergenciais, criam humanidade desconsiderada como humanidade, desde que agora ela é uma massa aceleradora de senhas, cupons e moedas para aquisição de adornos que aparentem humanidade, pois o que foi criado pela máquina, a própria tecnologia, é o que, agora, faz o humano. A aderência é o estabelecimento de feição, de fisionomia. Tudo é manipulado, chega-se ao ponto de construir aparência humana para esconder torturadores e destruidores do humano.
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