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Mostrando postagens de 2025

Akrasia - é a incoerência

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    Há séculos a vontade como uma força propulsora do comportamento é discutida e problematizada na filosofia, principalmente em seu aspecto de contradição, quando, apesar da existência da vontade para agir de determinada maneira, age-se da maneira oposta. São vivências corriqueiras como ter vontade de ler todos os dias, julgar e decidir que se trata de uma atividade enriquecedora, mas, não exercê-la, não ler todos os dias. Ter vontade de parar de fumar, mas, continuar fumando. São inúmeras discussões que giram em torno da relação entre saber-conhecer, vontade e ação. Afinal, por que, mesmo sabendo que algo deve ser feito, não o fazemos e agimos de uma maneira que, nós próprios, consideramos imprópria? A resposta simplória de que se trata de vontade fraca não esgota a questão. Os gregos chamavam essa atitude de akrasia (falta de domínio).   Akrasia poderia ser definida como incoerência, agir contra o que se pensa e deseja. Essa incongruência, essa incoerência, ger...

Parrhesia – falar a verdade

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    Relembrando os gregos, mais especificamente Eurípedes, o poeta trágico autor de Medeia e Electra, falar a verdade, ter coragem de falar francamente é parrhesia . Palavra grega que significa essência, falar tudo ou falar livremente ( pan = tudo e rhesis = fala). Não é a simples liberdade de expressão, é a coragem de dizer a verdade, mesmo correndo riscos pessoais, é mostrar o que acontece, explicitar o implícito.  A noção de parrhesia foi muito divulgada na segunda metade do século XX por Foucault, principalmente quando ele falava do cuidado de si, enfocando a coragem de falar a verdade como uma das características básicas no comportamento social.   Considero que a primeira exigência ou condição para falar a verdade, para exercer integridade é não estar comprometido com resultados, não estar buscando objetivos que exerçam o ocultamento do que ocorre. Ao mostrar, ao falar a verdade, se abre o leque do que está ocorrendo, se apreende mot...

Autarquia é autossuficiência

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  Outro dia, relendo os estoicos, reencontrei a palavra autarquia. Autarquia é autossuficiência desenvolvida como autonomia, independentemente das circunstâncias. Assim como acontece com os objetos, as palavras também mudam, adquirem novos significados a depender dos contextos que as situam e reproduzem. A palavra autarquia, antes estruturada e referida na esfera individual, institucionalizou-se como instância coletiva, pública. Essa mudança começou com Aristóteles em seu livro A Política quando ele fala de autarkeia para caracterizar a autossuficiência da polis – da cidade – e do homem feliz. Ele afirma que autarkeia é necessária   para a constituição da polis. Trata-se do conjunto de cidadãos felizes e autônomos que podiam constituir a polis.   Acontece que o todo não é a soma das partes. Falar em cidadãos felizes, autônomos e autossuficientes como elementos formadores de uma cidade, que seria, assim, também autônoma, autossuficiente e feliz,...

Vítimas e carrascos

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  Não conseguindo realizar seus desejos e sonhos, muitas pessoas colocam a culpa na sociedade e na educação, ou seja, nos outros. Surgem, desse modo, as vítimas, os frustrados. Essa vivência se caracteriza por inveja, ressentimento e raiva. Transformados em aves de rapina de bico quebrado, nada conseguem, salvo chorar, reclamar e invejar, constituindo o batalhão de ressentidos, agressivos, preconceituosos e discriminadores. De vítimas se transformam em carrascos. Tudo que estiver sob seu controle e ordens é penalizado ora pela humilhação, ora pela exigência de excesso de trabalho. Chefes autoritários e frustrados por não serem os donos da empresa, por exemplo, e donos da empresa insatisfeitos por não serem multinacionais, eles, que não se aceitam e não aceitam a realidade que têm, se comportam como vítimas e como algozes.   Bastaria perceber que, se o mundo que vivenciam, se o que sentem é, por eles próprios, considerado inaceitável, esse estado de não aceitação é que é o ...

Desamparo e soberba

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  As situações antagônicas de desamparo e soberba, ocasionalmente podem   caracterizar algum processo de não aceitação.   Quando não se sente aceito, o indivíduo se percebe sozinho, desamparado, amedrontado, assim como omisso. Eventualmente esse processo é vivenciado e resumido como abandono. Na vivência de abandono surge raiva ou medo. Quando sente raiva é por se perguntar quem o abandonou. Quando sente medo é por sofrer o efeito do abandono sem indagações. Ao interrogar a vivência do abandono ele configura o fato de estar desamparado e isso gera raiva, não aceita ter sido abandonado e, assim, surge a questão: por que fui abandonado? Muitas explicações e razões são atribuídas, até que se esboça uma personificação, uma característica: fui abandonado por ser bonito, por exemplo, ou por ser feio, por ser forte, por dar trabalho. E a partir dessas respostas postuladas é delineada uma particularidade, um traço afirmativo: “sou bonito, sou feio, sou forte”, sou qualque...

Perder a qualidade das vivências despersonaliza

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  Todo limite transposto gera revolta, assim como satisfação. O que é Figura (o que se percebe) é a satisfação. Entretanto, o estruturante dela é a revolta, é a não aceitação do obstáculo. Perceber limites e não integrá-los, seja eliminando-os ou mantendo-os, cria propósitos, metas e métodos de convivência despersonalizados, pois sinalizam adaptação e desadaptação. É esse processo que explica a vivência tão constante da busca por resultado, assim como a vivência do medo em situações já superadas de limites ultrapassados.   A questão não é conseguir, a questão é se libertar. Quando tudo é orientado em função de resultados, de vitórias e performances, a linearidade passa a imperar no cotidiano das pessoas. Vive-se por ou para. O como, o processual é perdido, descontinuado. Tudo é reduzido ao aspecto quantitativo. Perder a qualidade das vivências despersonaliza e gera bem sucedidos ou fracassados. Enfrentar ou desistir são vivências que parcializam, pois são estabelecidas a...

Visibilidade e agilidade

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      A sociedade está mudando com a informatização, as big techs, a inteligência artificial e as redes, enfim, com o aumento da conectividade tudo se processa à velocidade da luz. Não se busca mais construir uma profissão, procurar oportunidades como construção de carreira, o tijolo a tijolo está superado. Estar conectado, estar em rede é a catapulta para o sucesso e realização. É a visibilidade. É o equivalente do velho ditado: “a pessoa certa na hora certa, no lugar certo”. Estar visível só é possível se estiver conectado. Existir em rede é estar em condição de açambarcar tudo que ocorre, que significa e que se quer. Essa agilidade define presença, sucesso e ação. Desde os simples reels às lives e podcasts , o mundo está à mão ou sob os pés.   O que se quer de tudo isso? Geralmente sucesso e dinheiro. Essa busca específica evidencia a ambição, a meta, a ansiedade e desespero que caracterizam a procura do “lugar ao sol”. Hoje, atingir esse lugar é muito m...

Sincronia

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      Sincronizar é coincidir. A sincronia pode ser espontânea ou buscada. É um processo de identificação no qual escolhas são selecionadas para composição e finalização de eventos que se busca sincronizar, criando, inclusive, critérios para que isso ocorra.   No cotidiano, nas vivências afetivas, é comum querer, ou esperar a alma gêmea. Nesse sentido, sincronizar é muito valorizado e considerado. É como se outra realidade, ou outro mundo enviassem aprovação, mensagens que sinalizam acertos, adequação, sincronização com o que acontece.   Estar no mesmo tempo (essa é a etimologia de sincronia, palavra de origem grega) estar junto, agir de acordo, é encontro e também exatidão que funciona como se fosse um aplanador de arestas. A busca do semelhante, do igual, sempre norteou a escolha afetiva, e daí também surgiram os fundamentos de muitos preconceitos. Buscar o igual exclui o diferente. Entender o que é igual, o que é diferente envolve tantas contrad...

Piedade

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      Atitudes piedosas são raras atualmente, pois para exercer piedade é necessária a percepção do outro enquanto outro. Na luta cotidiana é praticamente impossível encontrar olhares ou atitudes piedosas. Aceitar a limitação alheia, mesmo que ela implique em prejuízos e danos, abrir mão de revidar e não ter raiva e, ainda, não querer vingança é o que permite ser piedoso. Aceitar a inveja e a agressão sofrida, como detalhe expresso por atitudes autorreferenciadas e caóticas possibilita exercer e sentir piedade. Para ser piedoso não é preciso estar no lugar do outro, é fundamental que se esteja no próprio lugar, com os pés no chão, sem medo e apreendendo as contradições humanas. Por isso, ser piedoso requer transcendência de dualidades, principalmente da percepção do outro como o diferente e estranho. 📕 Os livros abaixo e outros da autora estão à venda tanto na Amazon, quanto em várias livrarias online e físicas, assim como nos sites das respectivas editoras. Garant...

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