O silêncio da maioria
Do ponto de vista psicológico, como entender o surgimento e manutenção de ditadores, torturadores, poderosos corruptos e genocidas, exploradores de toda ordem? Da mesma forma que entendemos o delator, o desesperado, o omisso, o submisso: pelo processo da não aceitação. Não aceitação não é algo quantificável, não existe não aceitação maior ou menor. Da dona de casa, mãe e esposa, do pai, trabalhador e marido, do adolescente ao jovem estudante até aos abusadores de poder (políticos, religiosos, patriarcas etc), a não aceitação é o denominador comum da inautenticidade, da desonestidade, da maldade.
Não se aceitar e querer ser aceito é um movimento contraditório, paradoxal. É a desonestidade, o disfarce, a inautenticidade.
No processo da não aceitação, por tudo que viveu, ouviu e fez, pelo esforço satisfeito e insatisfeito, o homem percebe que ele só vale se aparentar ser o que não é. Através do disfarce consegue enganar e, ao esconder o que ele considera precário, realiza sua sobrevivência, aplaca seus desejos. Caminha em direção à meta de ser aceito.
O indivíduo se sente inaceitável por vários motivos e não se aceitando passa a querer ser aceito. Agindo assim, ultrapassa, nega o perceber-se inaceitável. Consegue isto se dividindo: ele não se aceita como "A" mas quer ser aceito como "B". A situação "A" é vivenciada em paralelo à situação "B". É uma divisão geralmente vivenciada como aparência e realidade, mentira e verdade, os outros e ele mesmo. Cada vez mais dedicado a aparentar o que não é, a esconder o que não aceita, se adapta ao processo despersonalizador. A vida de aparências, de imagem aceitável, é construida e tem que ser mantida. Esse posicionamento, cria imobilidade responsável pelo medo de ser desmascarado. Esta tensão constante aumenta a necessidade de distensionamentos: psicoterapia, remédios, drogas, sexo. O significado dos relacionamentos é vivenciado circunstancialmente, funcionando para manutenção de imagens.
Quando consegue ser aceito sente prazer; é aceito ao conseguir enganar o semelhante. As possibilidades de relacionamento foram transformadas em necessidades de relacionamento. Cada coisa devorada, digerida, utilizada aplaca e esvazia. A pessoa se sente sempre sozinha. A não aceitação é responsável por esta vivência desde que o outro é utilizado como objeto, coisa para satisfazer desejos, aplacar medos.
É muito comum os indivíduos desistirem de psicoterapia quando seus sintomas desaparecem. Quando mudar não é o propósito, quando a terapia é instrumentalizada, adquirem mais instrumentos para construir imagens, para disfarçar e enganar. Mantendo a não aceitação, seu núcleo desvitalizador, o indivíduo se desumaniza ao ponto de ser capaz de realizar qualquer coisa que o faça sobreviver melhor, até o colápso da depressão ou do pânico total do ser com os outros.
Ao virar uma "massa de manobra" do sistema e dos outros, resta ao que não se aceita se submeter. São os que formam a maioria silenciosa que cumplicia com autoridades e ditadores, são os que matam para não morrer e que assistem as injustiças e genocidios, dizendo: "ainda bem que não é comigo". Do lado dos agressores, dos subordinadores, o pensamento é "sou superior, sou melhor que eles" e assim justificam suas aberrações e perversões, assim como a manutenção de sistemas desumanizadores por eles criados e ajudados a manter pelo silêncio da maioria.
"Sociedade de Risco" de Ulrich Beck
verafelicidade@gmail.com
Prezada Vera, tenho na questão da não-aceitação como uma processo essencial a partir das primeiras leituras dos eus livros, como descrito acima, qual em geral começa mesmo na infância com os pequenos ou grandes abusos por parte dos adultos e da sociedade (Alice Miller). Em geral essa desonestidade do inautêntico não é percebida claramente e quando o é entra na categoria de ser ser aceito ou até esperto e levar vantagem sobre os ignorantes, como se essas sempre tenham sido as regras do mundo. A maioria silenciosa da cultura de massa não parece ver mesmo, deve perceber de forma fragmentada. E há quem justifique o escravo ser escravo como se essa relação fosse uma escolha deliberada consciente do ser. A alienação parece ter muitas formas. Lembrei de Clarice Lispector, O Ovo e a Galinha, já leu?
ResponderExcluir"Ser galinha é a sobrevivência da galinha. Sobreviver é a salvação. Pois parece que viver não existe. Viver leva a morte. Então o que a galinha faz é estar permanentemente sobrevivendo. Sobreviver chama-se manter luta contra a vida que é mortal. Ser galinha é isso. A galinha tem o ar constrangido...
Augusto, eh a questao da sobrevivencia que reduz o ser humano a relacionamentos em funcao de contingencias que satisfazem suas necessidades, estruturando assim, aceitacao ou nao aceitacao, estrategias para ultrapassar limites etc. Como voce bem lembrou, a citacao de Clarice Lispector eh adequada. Abs. Vera
ResponderExcluirVera Querida!amei seu blog.
ResponderExcluirsou estudante de psicologia e gostaria de saber aonde posso comprar seus livros.
Moro aqui no sul do Brasil,em Londrina-Parana.Temos boas livrarias aqui.
O que me sugere.
beijos
oi!!querida.
ResponderExcluircomo estas.
enviando o nome do meu blog.
resumo de tudo que aprendo.
beijos
aventurainterior.blogspot.com
Oi Noemi, visitei seu blog, muito interessante, gostei. Beijos. Vera
ResponderExcluirrsrsr. Senhorrrr, não quero essa mulher como minha terapeuta n u n c a. Ela acerta na ferida. Mas devo dizer que pelo menos não desisto da minha terapia. Tenho consciencia de que quando estou querendo fugir é porque o bicho tá pegando...Abraços..
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