Oprimidos e submissos
Opressão e submissão andam juntas, embora o conceito de opressão seja mais utilizado para caracterizar situações sociais e políticas, enquanto o de submissão fica reservado a atmosferas menos amplas, mais íntimas, como a família e relacionamentos pessoais, por exemplo. Opressão e submissão existem quando há poder, autoridade que configura as regras, os domínios e as posses, que determina o que se pode ou o que não se pode realizar, pensar e até mesmo almejar.
Os regimes, os sistemas absolutistas que exerciam poder até a Revolução Francesa, foram destruídos e substituídos ao longo dos últimos dois séculos por democracias nas quais a igualdade, o direito, a cidadania são os pilares de suas proposições, inspirando-se no que aconteceu na Grécia Antiga, a primeira democracia (poder do povo) existente. A democracia, em última análise, se caracteriza pela representação do povo no poder. Representar é colocar em outros planos o representado, é um deslocamento, uma engenhosidade estratégica que sempre cria distorções. Outro dia assisti o vídeo da palestra que Yanis Varoufakis fez em New York (abril, 2016), na The New School, na qual ele relembra um conceito muito fértil, o conceito de isegoria:
“Democracia, na Grécia Antiga, era conectada com um conceito pouco falado, mas, muito significativo: ISEGORIA, o direito de ter suas opiniões ouvidas, consideradas por seus próprios méritos, pelo que significam, independente de quem está pronunciando as palavras que transmitem estas opiniões, independente da pessoa que fala ser rica, pobre, articulada, capacitada do ponto de vista da retórica ou ser inarticulada; a tal ponto que, se a pessoa era muito articulada quanto a retórica, ela era ostracizada, significando que os cidadãos de Atenas podiam pegar um ‘ostrakon’ e escrever o nome da pessoa que queriam expulsar da cidade por ser muito articulada, muito influente pelo discurso e isto subvertia isegoria no sentido de atrapalhar ou impedir os outros que eram menos articulados na retórica, de serem ouvidos pelo mérito de suas idéias e não pelo floreio ou beleza do discurso. No final do período democrático de Atenas, mesmo as eleições foram banidas e mal vistas porque eles achavam que pela competição era criada uma falsa dinâmica: a competição absorve, neutraliza o essencial intercâmbio de idéias…” - Yanis Varoufakis
Democracias modernas possibilitam, por meio de maioria e hegemonia partidárias, atingir e garantir o poder, afirmando realizar igualdade e cidadania. Essa ilusão mantém pirâmides onde o topo é sempre sustentado pelas bases esmagadas e obscurecidas. Democracias hoje são semelhantes aos poderes absolutos: se desenvolvem dentro de estruturas piramidais de poder. A maior parte da população trabalha, produz e vota para eleger governantes que distribuem benesses à construção do que é devido e necessário a partir de privilégios e acordos seletivos. A diferença entre as democracias atuais e os poderes absolutistas que caracterizaram os séculos XVI, XVII e XVIII, além do modo de produção, está na mobilidade. Hoje é possível atingir o topo, é possível mudar de status social desde que se arregimente e se identifique com providências e propostas dos poderosos. Os oprimidos podem, também, oprimir e assim serem poderosos.
Na família, nos relacionamentos íntimos, as situações piramidais, as situações de poder sempre existiram e foram garantidas pelo pater familias, agora substituído pelo dono do dinheiro, pelo que provê necessidades. Obedecer, fazer o que é esperado, faz com que os filhos sejam treinados e orientados para os objetivos, acertos e adequações profissionais, sociais e econômicas.
Opressão e submissão existem quando se faz parte do que é estabelecido sem questionar suas implicações, apenas aceitando sobreviver e ampliar suas zonas de conforto ou mesmo diminuir mal-estar. Aceitar sistemas sociais e familiares, para neles se apoiar sem perceber o que se perde de liberdade ao manter o apoio, é esvaziador. Como viver bem em uma sociedade que mantém metade de seus membros nas condições mais precárias de alimentação e higiene? Como manter parceria à base de castigos e frustrações? Como viver em função de atingir recompensas? Crime, castigo, opressão, submissão são as constantes, desde que falta justiça, eqüidade, liberdade e autonomia.
Nos últimos dois séculos, metade da população mundial foi validada, passou a significar por meio de leis e direitos, mas nem sempre leis e admissão de direitos permitem legitimação. A pirâmide continua, a opressão continua, a base continua a suportar o topo. Peguemos um exemplo que ilustra todo o modelo: as mulheres começaram a votar, começaram a ganhar dinheiro pelo trabalho (trabalhar, já trabalhavam). Por que essa mudança? Essa mudança decorreu da necessidade econômica, da falta de fulcro para aplicação da mais-valia. Legitimidade só vai existir quando os modelos forem transformados ou extintos, daí a constante necessidade de questionamentos, que não pode ser aplacada pela satisfação das reivindicações.
Os regimes, os sistemas absolutistas que exerciam poder até a Revolução Francesa, foram destruídos e substituídos ao longo dos últimos dois séculos por democracias nas quais a igualdade, o direito, a cidadania são os pilares de suas proposições, inspirando-se no que aconteceu na Grécia Antiga, a primeira democracia (poder do povo) existente. A democracia, em última análise, se caracteriza pela representação do povo no poder. Representar é colocar em outros planos o representado, é um deslocamento, uma engenhosidade estratégica que sempre cria distorções. Outro dia assisti o vídeo da palestra que Yanis Varoufakis fez em New York (abril, 2016), na The New School, na qual ele relembra um conceito muito fértil, o conceito de isegoria:
“Democracia, na Grécia Antiga, era conectada com um conceito pouco falado, mas, muito significativo: ISEGORIA, o direito de ter suas opiniões ouvidas, consideradas por seus próprios méritos, pelo que significam, independente de quem está pronunciando as palavras que transmitem estas opiniões, independente da pessoa que fala ser rica, pobre, articulada, capacitada do ponto de vista da retórica ou ser inarticulada; a tal ponto que, se a pessoa era muito articulada quanto a retórica, ela era ostracizada, significando que os cidadãos de Atenas podiam pegar um ‘ostrakon’ e escrever o nome da pessoa que queriam expulsar da cidade por ser muito articulada, muito influente pelo discurso e isto subvertia isegoria no sentido de atrapalhar ou impedir os outros que eram menos articulados na retórica, de serem ouvidos pelo mérito de suas idéias e não pelo floreio ou beleza do discurso. No final do período democrático de Atenas, mesmo as eleições foram banidas e mal vistas porque eles achavam que pela competição era criada uma falsa dinâmica: a competição absorve, neutraliza o essencial intercâmbio de idéias…” - Yanis Varoufakis
Democracias modernas possibilitam, por meio de maioria e hegemonia partidárias, atingir e garantir o poder, afirmando realizar igualdade e cidadania. Essa ilusão mantém pirâmides onde o topo é sempre sustentado pelas bases esmagadas e obscurecidas. Democracias hoje são semelhantes aos poderes absolutos: se desenvolvem dentro de estruturas piramidais de poder. A maior parte da população trabalha, produz e vota para eleger governantes que distribuem benesses à construção do que é devido e necessário a partir de privilégios e acordos seletivos. A diferença entre as democracias atuais e os poderes absolutistas que caracterizaram os séculos XVI, XVII e XVIII, além do modo de produção, está na mobilidade. Hoje é possível atingir o topo, é possível mudar de status social desde que se arregimente e se identifique com providências e propostas dos poderosos. Os oprimidos podem, também, oprimir e assim serem poderosos.
Na família, nos relacionamentos íntimos, as situações piramidais, as situações de poder sempre existiram e foram garantidas pelo pater familias, agora substituído pelo dono do dinheiro, pelo que provê necessidades. Obedecer, fazer o que é esperado, faz com que os filhos sejam treinados e orientados para os objetivos, acertos e adequações profissionais, sociais e econômicas.
Opressão e submissão existem quando se faz parte do que é estabelecido sem questionar suas implicações, apenas aceitando sobreviver e ampliar suas zonas de conforto ou mesmo diminuir mal-estar. Aceitar sistemas sociais e familiares, para neles se apoiar sem perceber o que se perde de liberdade ao manter o apoio, é esvaziador. Como viver bem em uma sociedade que mantém metade de seus membros nas condições mais precárias de alimentação e higiene? Como manter parceria à base de castigos e frustrações? Como viver em função de atingir recompensas? Crime, castigo, opressão, submissão são as constantes, desde que falta justiça, eqüidade, liberdade e autonomia.
Nos últimos dois séculos, metade da população mundial foi validada, passou a significar por meio de leis e direitos, mas nem sempre leis e admissão de direitos permitem legitimação. A pirâmide continua, a opressão continua, a base continua a suportar o topo. Peguemos um exemplo que ilustra todo o modelo: as mulheres começaram a votar, começaram a ganhar dinheiro pelo trabalho (trabalhar, já trabalhavam). Por que essa mudança? Essa mudança decorreu da necessidade econômica, da falta de fulcro para aplicação da mais-valia. Legitimidade só vai existir quando os modelos forem transformados ou extintos, daí a constante necessidade de questionamentos, que não pode ser aplacada pela satisfação das reivindicações.
verafelicidade@gmail.com
Muito bom, Vera! Haja questionamentos! bj
ResponderExcluirVerdade. Bjs.
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