Usurpar, plagiar

Apoderar-se do que é do outro sob a forma de plágio, roubo ou concordância utilizadora é uma maneira desesperada de tentar ser o que não se é, de conseguir um brilho para realce do que se considera fosco, desprezível e inaceitável: a falta de inventividade, a falta de originalidade, o não perder oportunidades de se afirmar e significar positivamente.

A não aceitação de si gera metas, desejos e objetivos de ser aceito, de ser considerado, de significar algo para alguém ou para a sociedade.

Aceitar o que se considera inaceitável é um caminho de mudança, mas, querer que este inaceitável seja camuflado, escondido através da utilização do que é do outro, é usurpação, é disfarçar as próprias dificuldades e incapacidades. Plagiar, roubar para aparentar, para esconder o que considera incapacidade é um duplo atentado: ao outro e a si mesmo.

Na ganância de dinheiro, títulos e conhecimento, as pessoas se fantasiam, mentem, se colocam como capazes/incapazes, se transvestem em líderes, em conhecedores, pensadores e executores de obras anteriormente concebidas por outros. Usurpar é enganar, tanto quanto é destruir processos históricos e relacionais.

Ao apoderar-se de pensamentos, vivências e bens dos outros, se descontinua contextos onde estavam situadas e estruturadas estas vivências, pensamentos e objetos. Tentar ser o outro para com isto legitimar as coisas usurpadas, é um recurso que faz efeito, mas que também gera imprecisão, pois cria contradições a todo instante. O copiado, ao ser enxertado, cria descontinuidade, cria impermanência flagrante ou sutilmente percebida e ao longo do tempo tudo se perde, o que fica são clichês, atitudes e comportamentos que nada explicam. Quando se trata de objetos, terras e contas bancárias, o que é usurpado, embora signifique, também condena e expõe o usurpador, daí só poder ser mantido como números e papéis.

Usurpar e plagiar é criar verdades para o outro que são mentiras para si mesmo. Esta contradição gera tensão e medo, neutralizá-la passa a ser o objetivo. Por isso contradições não são vivenciadas pelos usurpadores, elas são neutralizadas, diluidas, transformadas em solo sobre o qual se pisa e realiza os deslizamentos de mentiras, desonestidades e enganos.















- “O Príncipe” de Nicolau Maquiavel
- “O Retrato de Dorian Gray” de Oscar Wilde


verafelicidade@gmail.com

Comentários

  1. Vera, seu conhecimento lapidado em contextos que classifico também como polemico, ajuda-me sair da inercia e discutir assuntos que pouquíssimas pessoas entendem ou tem vontade de discutir. Sou seu fã..

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    1. Boa tarde Josnei, obrigada, que bom que os artigos têm lhe motivado a discutir estas questões. Abraço, Vera

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  2. Perfeito, Vera. Você viu o caso do compositor Samuragochi, chamado o Beethoven japonês? Admitiu que não era ele o verdadeiro criador das suas tão celebradas composições, e sim, um professor de música. Tão longe, tão perto... ;-). Beijos, Milena

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    1. Oi MIlena,
      A não aceitação, seus deslocamentos e consequências podem chegar a situações terríveis. Hoje eu li a notícia sobre o compositor japonês. Obrigada pelo seu comentário. Beijos, Vera.

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