Consistência

Consistência é a firmeza resultante de ser inteiro, sem divisão. Aceitando-se, o indivíduo realiza suas possibilidades e necessidades como resultantes de contextos intrínsecos às suas motivações. Nada é colado, nada é mantido por aderências circunstanciais. Ao se relacionar com o outro, com o que está diante dele, com ele próprio, ele integra os acontecimentos, e percebe congruência ou incongruência, propósitos ou despropósitos. Os valores e significados são resultantes, não são prévios ao comportamento e mesmo quando os valores são prévios, a continuidade relacional é que vai determinar as motivações. A falta de regras e escalas prévias impede vivências de culpa e de medo. Sempre participando, não se omitindo, as situações são definidas pela totalidade que as caracteriza e não pelos resultados e anseios.

Detendo-se em aspectos que são favoráveis ou evitando os desfavoráveis, o indivíduo dramatiza a configuração do que ocorre: “o preciso destruir para me salvar” é um lema que quando exercido, reduz tudo ao isolamento, mais tarde fabricador de culpa, medo, arrependimento. Utilizar outros para afirmar os próprios interesses, mesmo que os de uma vida feliz e tranquila, cria dependentes. O que situa é o que aliena. A firmeza, a estabilidade propiciada pelo outro cria comprometimentos, via de regra engendradores de chantagens, cobranças, conflitos. Utilizar o outro como sustentáculo é uma maneira de suprir fragilidades e ainda o transforma em escada para realização de propósitos. Sustentáculos enfraquecem, dispersam, gerando fraqueza. Escadas se transformam em inutilidades quando utilizadas para levar ao ponto sem retorno que se busca. Transformar o outro em instrumento, é transformá-lo em objeto. Ter se deixado coisificar em função dos interesses do outro, traduz também os propósitos, as próprias metas. Metamorfosear-se em objeto útil para o outro é a maneira encontrada para sobreviver e realizar os próprios anseios e sonhos. Empreendimentos realizados, missões cumpridas - o colonizado vira-se contra o colonizador. O útil se transforma em inútil, até mesmo ameaçador. Esta maleabilidade, esta metamorfose atesta fraqueza. Não há força, consistência, unidade, o que existe são múltiplas divisões, vazios a serem preenchidos, situações a emendar a fim de realizar sonhos, desejos e imagens.

Na firmeza, na consistência, não existe utilização do outro para suprir vazios. Na inconsistência, maleabilidade circunstancializada, tudo pode ser utilizado para realização dos próprios objetivos. As mágicas de transformação fascinam, lidar com o faz de conta, com o que se deseja, não considerar o que acontece, leva ao infinito ao negar limites que são também as próprias inconsistências estruturantes.

Firmeza é participação, é participar do que ocorre sem oscilar entre medos e expectativas, é viver o presente enquanto totalidade constituinte onde tudo se completa, onde tudo se esvazia, onde tudo se transforma.


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