No mundo distópico a luta pela utopia no Brasil - Novos Velhos Ventos

Posse da Ministra dos Povos Indígenas Sonia Guajajara em Janeiro de 2023, em Brasília-DF
- Foto: Valter Campanato/Agência Brasil CC0

 
Em uma sociedade, quando a vida transcorre em meio a situações de grande opressão e estados de privação ou desespero, uma realidade assim é chamada distópica; ela é, em filosofia, a antiutopia. A utopia, geralmente irrealizável, é o sonho, é a sociedade organizada de maneira perfeita, com felicidade, justiça e bem-estar.

Recentemente aqui no Brasil, assistindo à posse, como Ministra, de Sônia Guajajara - do grupo indígena Tenetehára, do Maranhão - no recém criado Ministério dos Povos Indígenas, fomos privilegiadamente brindados por uma conversão rara de conceitos. A utopia, o sonho, a volta dos direitos dos indígenas, povos originários de nosso país, em verdade não é um sonho, é antítese necessária à salvação do planeta. Davi Kopenawa, líder do povo Yanomami, fala: "os índios estão segurando o Céu, enquanto lá fora o povo da mercadoria só destrói. Quando cair, vai todo mundo junto. Vai índio e vai branco".

É também por meio da criação do Ministério que se contribui para conseguir recuperar a Amazônia, contribuindo efetivamente para expulsar garimpeiros ilegais e grileiros, para ampliar as reservas indígenas e assim manter a floresta. É por meio dessas políticas que saberes ancestrais são atualizados. Plantas curativas poderão ser postas ao acesso de todos, enfim, floresta e vida preservadas. Quando o Presidente Lula criou o Ministério dos Povos Indígenas, independente de quaisquer objetivos outros, ele estava alicerçando pilares de recuperação: pessoas, etnias, animais, plantas, ecossistemas preservados. A atualização de passados, de saberes históricos, teve um pequeno movimento também nos Estados Unidos, nos Estados do Colorado e Oregon, quando seus governos iniciaram em 2022 protocolos de liberação do uso de cogumelos - práticas ancestrais dos indígenas -, com as virtudes implícitas de seu uso terapêutico.

Tudo isso é antítese, não é sonho utópico, é a mudança necessária do caos distópico que invade nosso planeta e transforma o humano em artefato, em produto consumível, massa de manobra perecível. A perspectiva de mudança, de humanização é grande quando se instala este olhar novo/velho para questionamentos conceituais: é a única maneira de recuperar a Amazônia, por exemplo, nosso pulmão mundial. Sem chão para colocar os pés é impossível andar, portanto, é a recuperação dos saberes, dos nossos lugares, que transformará os referenciais distópicos que nos rodeiam. Reencontrar o passado, nesse caso, é também reencontrar nossa base, nossos fundamentos, nossa floresta povoada por inúmeras vidas, exuberante em plantas, flores, ervas que muito explicam, curam e também perguntam, impulsionando assim a dinâmica científica. São vidas, processos que se abrem, criando lugares, abrigos para o ser humano, ao resgatar rios, lagos e conhecimentos escondidos, ampliando o estudo tanto das culturas indígenas, quanto de aves, animais e plantas, tesouros desconhecidos por nós, e que em certa medida até já foram explorados pelo considerado primeiro mundo (basta relembrar denúncias sobre pesquisas não autorizadas na área de plantas medicinais, genética e cobaias humanas na Amazônia).

O estabelecimento de uma nova ordem por meio da criação deste Ministério é uma abertura de caminhos para personalização de pajés, de trabalhadores, enfim, dos conhecedores da região; é o início de uma volta e valorização de suas funções, é a natureza, o solo de um país justo e igualitário, fazendo antítese à distopia, à opressão desumanizadora, e nesse sentido não é uma utopia, não é um sonho, é a exigência ordenada e organizada visando recuperar o dilacerado.

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