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Mostrando postagens de janeiro, 2025

Olhar de Medusa

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Medusa - anônimo, séc.XVI, Galleria degli Uffizi (domínio público)     O ódio, a raiva, a revolta de não ser tudo o que gostaria de ser, de não ter o que os outros têm estabelece vivências de inveja. Essa atitude, essa vivência cria inúmeros estereótipos: é frequente desvalorizar o que o outro tem e que ele/a não tem acesso, é também comum roubar o que deseja e considera como direito seu. A inveja é um grande fator de despersonalização, pois o invejoso/a sempre quer ser ou ter o invejado.   Tudo é passível de inveja e pode levar a possuir um séquito de imitadores que procuram estar bem vestidos, bonitos, belas, pois os que cobiçam acreditam que fazendo o que o seu ídolo faz começariam a se assemelhar a eles, que são os que sabem realizar essa façanha de ser o idolatrado. A inveja conduz à ganância, assim como é estruturante de despersonalização resultante da não aceitação de si mesmo.   Querer o mundo do amigo é uma maneira de realizar o desejo de ser amig...

O medo

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  Não fazer nada, ficar quieto e calado, não se definir, manter a boca fechada, o olhar parado e os gestos contidos é amordaçamento. É não crescer, não participar e se omitir – é o medo. Essa vivência transforma o indivíduo em um receptáculo, uma coisa que recebe tudo que nele é jogado pelo outro. A continuidade desse processo gera inércia, apatia e submissão. É a subordinação resultante da falta de autonomia, de estar à mercê do que vai ocorrer.   Quanto menos ação ou movimento, menos problemas, mais tranquilidade, e também menos vida. A extinção diária das possibilidades relacionais cria sonâmbulos, mortos vivos considerados pelo outro nas suas necessidades de sobrevivência: casa, abrigo, proteção e alimento. É o sobrevivente restrito ao seu território ou com denodo lutando por ele. O medroso, o omisso age, atua, mas sempre no círculo demarcado de sua segurança e garantia. Ter medo é ter apoio e assim construir fortalezas e diques responsáveis por ac...

Oásis no deserto da impotência

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      Sentir-se culpado/a e responsável pelo que aconteceu ou pelo que não aconteceu é frequente quando não se aceita a própria realidade, e exatamente por isso conceituamos a culpa como o que esconde, o que tampa a impotência. Esse conceito é diferente da ideia psicanalítica que considera a culpa um dos mecanismos de defesa do Ego, uma explicação que caracteriza a expressão do Superego como exigente de renúncia a satisfações pulsionais, pois para Freud a culpa é sempre um sentimento que surge do conflito entre os desejos e a parte do Eu que os reprime. Lacan, por sua vez, acha que a culpa é uma construção social, não um sentimento pessoal.   A culpa é sempre um recurso para salvar postulados éticos ou alianças estabelecidas e negadas. A mãe que deseja a morte do filho, por exemplo, pois não aguenta mais continuar sem dormir é um caso extremo, e por isso não muito frequente, de vivências de culpa. Sentir-se culpado é esconder, tampar impotência e incapacida...

Onipotência resultante de impotência

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    Achar que pode solucionar qualquer situação de dificuldade, ter certeza que sempre resolverá problemas são exemplos estruturadores de onipotência. O onipotente é aquele que cai em uma cilada: está no fundo do poço, totalmente impotente, mas se agarra em objetivos, desejos e metas e a partir dos mesmos estabelece seus programas vencedores. A onipotência é construída pelas constantes vivências de impotência, ela é um deslocamento da impotência não aceita. Continuando incapaz, se sentindo fraco e sem condições o indivíduo estabelece programas, objetivos, e para eles caminha. Essa luta contínua obceca, ofusca. Ele só percebe os caminhos, os pontos a superar, o que tem que ser adquirido. Quanto mais amealha, mais se sente capaz. É o colecionador de suportes, de títulos, de ajuda, de orientações e aplausos. Pensa que basta unir os pontos do que deseja alcançar, e tudo será seu. Sua atitude onipotente é, assim, um contínuo superar de incapacidades, dificuldades e impotência. ...

Viver

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    Outro dia me perguntaram se viver é estar em relação, e respondi que tudo é relação. Relação não é atributo. Relação é dinâmica, é como o processo quântico. Não existe espaço, não existe vazio, não existe nada que não seja relacional.   O ser é a possibilidade de relacionamento. O indivíduo não é um conjunto de instintos, vontades, inteligência e aptidões que está no mundo para explicitá-las, descobri-las ou escondê-las. Nascendo apenas como possibilidade de relacionamento, ele é situado e demarcado por uma estrutura biológica, familiar, social, e é esse contexto que vai estabelecer os processos relacionais. Pensar é prolongar a percepção, perceber é estar em relação, é vivenciar. E viver, portanto, é se relacionar consigo mesmo, com o outro, com o mundo.   As possibilidades relacionais são infinitas, mas são também contingenciadas por situações restritivas ou ampliadoras que situam o processo relacional. Analogamente, a possibilidade de se locomover vai ...