Oásis no deserto da impotência
Sentir-se culpado/a e responsável pelo que aconteceu ou pelo que não aconteceu é frequente quando não se aceita a própria realidade, e exatamente por isso conceituamos a culpa como o que esconde, o que tampa a impotência. Esse conceito é diferente da ideia psicanalítica que considera a culpa um dos mecanismos de defesa do Ego, uma explicação que caracteriza a expressão do Superego como exigente de renúncia a satisfações pulsionais, pois para Freud a culpa é sempre um sentimento que surge do conflito entre os desejos e a parte do Eu que os reprime. Lacan, por sua vez, acha que a culpa é uma construção social, não um sentimento pessoal.
A culpa é sempre um recurso para salvar postulados éticos ou alianças estabelecidas e negadas. A mãe que deseja a morte do filho, por exemplo, pois não aguenta mais continuar sem dormir é um caso extremo, e por isso não muito frequente, de vivências de culpa. Sentir-se culpado é esconder, tampar impotência e incapacidade. Nesse sentido, a culpa é refrigério e descanso, criando novas e amenas atitudes. Não aguentar mais enganar o parceiro, ter medo de suas próprias motivações serem descobertas gera culpa, faz com que surjam esforços no comportamento e dedicação no tratar com filhos e companheiro enganado. A técnica e esforço para despistar traz atmosfera agradável para o cotidiano. Já não se vê o marido traído, desesperado e que reclama, o que existe é alguém feliz que cuida, ajuda e tudo faz para esconder as novas vivências e traição. Estar culpada/o é buscar esconder o que denuncia a culpa como tampa da impotência, e também explica como ao se sentir impotente, incapacitada/o para continuar relacionamentos ou vivências, a pessoa se esforça para esconder sua dificuldade e, assim, gerar ambientes agradáveis onde todo seu desamparo e desespero são escondidos. A culpa como tampa da impotência recria atmosferas, gera novas redes relacionais e motivadoras. Nesse sentido, esse disfarce – a culpa – é bastante revelador da divisão e fragmentação. Casais com desentendimentos frequentes, mas não expressos, têm na culpa um grande amortecedor do conflito e do desespero.
Sentir-se culpado é se considerar incapaz de qualquer mudança, de qualquer atitude que quebre os vínculos negados. É um faz de conta, um oásis, na maior parte das vezes uma miragem que permite um caminho autorreferenciado onde qualquer movimento amedronta. Se foge de evidências, só se deseja miragens. É a ilusão do equilíbrio e felicidade constantes nas famílias. A culpa é a tentativa e o grande esconderijo do mal feito, dos maus hábitos, e também é o que tudo redime, o que esconde roubo, desfalque, mentiras e apropriações ilícitas e indébitas, pois ela é sempre suposta como redentora, como caminho de mudança, como meio de esconder o que não pode aparecer. Ela é também um dos caminhos para encontrar Deus, chega-se a admitir.
📕
✔ Meu livro mais recente: "Autismo em Perspectiva na Psicoterapia Gestaltista", Editora Ideias & Letras, São Paulo, 2024
📌À venda nas livrarias, para compra na Amazon, aqui
📌 Para compra no Site da Editora Ideias & Letras, clique aqui
Como o sentimento de culpa descrito neste texto pode ser compreendido através com a lei da percepção de reversibilidade de figura e fundo?
ResponderExcluirPelo autorreferenciamento que imobiliza vivências e percepções.
ExcluirEm outras palavras a reversibilidade não acontece...
ResponderExcluir“Em outras palavras a reversibilidade não acontece…”, até que haja questionamento ao autorreferenciamento: processo psicoterápico ou evidências relacionais.
Excluir